› Ilídio Morgado
Senhor George Sandeman, após sete gerações podemos considerar que é o último dos “moicanos” que resiste à velocidade do tempo, mercados e da própria vida?
Sim, podemos olhar para esta situação assim como descreve. Foi nos longínquos anos de 1790 a minha família de origem escocesa, começou esta aventura. Na altura era um vinho que estava na moda e o meu antepassado, de quem o meu pai teve a feliz ideia de me dar o seu nome, George Sandeman, nas suas viagens “descobriu” esta maravilha e decidiu, a bom tempo, lançar-se nesta aventura. Começou por pedir ao pai 300 libras para o investimento com o objectivo de ser rico em 5 anos e assim nasceu e floresceu o negócio da Sandeman. Das viagens que fez escolheu o Xerez e Brandy de Espanha, e o Vinho do Porto e da Madeira, de Portugal.
A família estava já ligada a este tipo de produtos?
Não, esses meus antepassados faziam móveis de grande qualidade, para famílias abastadas e quase sempre a pedido específicos. Eram peças muito personalizadas. Foi com o primeiro George que tudo começou.
A imagem icónica da Sandeman percorreu diversas gerações, e continua. Esse trabalho do que agora se chama marketing ajudou a ligação a Portugal?
Sim, sem dúvida. Quando começou o negócio, com produtos portugueses e espanhóis, deve ter nascido a ideia de juntar o chapéu de abas largas, característico espanhol, a capa de estudante português e o misterioso homem chamado de Don, com um copo de vinho do Porto, ou Xerez. É um logotipo que perdura, quer dizer que funciona, e bem.
Há uma curiosidade, e até faz parte de algumas piadas entre amigos, o facto de o Porto não ter vinho, é em Gaia que estão as caves.
Mas isso tem uma explicação fácil, nos primeiros tempos Vila Nova de Gaya, assim mesmo com Y, pertencia ao Porto, e as caves foram lá construídas porque aquela zona tinha pouco valor, era uma zona pantanosa, para a construção utilizou-se o mesmo método da baixa pombalina, vieram milhares e milhares de estacas de pinheiro para se fazer as caves. Além disso, Gaya estava fora da alçada do bispo do Porto, que era quem cobrava as taxas de todo o comércio, assim poupava-se algum dinheiro. Já naquela altura os impostos eram uma preocupação. Tidos os comerciantes tinham escritórios no Porto e o.produto em Gaya. Além disso o local onde estão as caves beneficiam de um microclima que beneficia a maturação do vinho.
Aproveitamos a presença de um expert para que nos esclareça sobre se o Vinho do Porto é aperitivo ou mais digestivo? E se está bem implementado no mercado suíço?
O Vinho do Porto pode, e deve, ser bebido, primeiro com moderação, e quando lhe der mais prazer. O Vinho do Porto já fazia parte de livros de cocktails dos anos de 1800, portanto é multifacetado. Depende do momento. No entanto recomendo que seja servido num copo de vinho branco, de preferência abaixo da temperatura ambiente, fresco, mas não demasiado frio.
O mercado suíço dá-se muito bem os vinhos do Porto mais novos e há muitos anos que assim é, como o consumo esteve sempre indicado como digestivo, iniciou-se um outro trabalho mais incisivo na promoção dos vintages, e vinhos com 10, 20, 30, 40 e 50 anos, este último um vinho excepcional do qual serão colocadas no mercado poucas garrafas, é para abrir o apetite.
Existe um mito sobre a maturação do vinho do Porto, além de outros, em como antigamente se lançariam carneiros/ovelhas para dentro dos barris. Tem alguma razão de ser?
É uma história engraçada que existead que não corresponde em nada à verdade, pelo menos que eu saiba. Havia algumas pessoas que deixavam maturar pedaços de presunto junto com o vinho porque diziam que seria bom para a saúde, mitos populares.
O Vinho do Porto é mais conhecido por ser um vinho de festa, Natal, Páscoa, reuniões de família, etc. Há a necessidade de o fazer conhecer de outro modo, mais internacional, talvez?
Sim, é verdade que hoje o vinho do Porto hoje é oferecido em muitos países em cocktail como aperitivo, misturado com água tónica por exemplo, e outras combinações. Já em 1963 produzimos um vinho do Porto branco para esse efeito e apresentámos nos EUA para ser bebido com gelo e/ou água tónica e resultou, tanto que assim continua, e ainda bem.
A família Sandeman a sua marca a Sogrape, grande empresa familiar portugesa. Sente algum vazio por esse facto?
Vejamos, a dinâmica da vida traz mudanças que são inevitáveis. A certo momento decidiram vender o negócio, mantendo a estrutura, história e herança cultural do símbolo Sandeman. Ficámos poucos ligados a esta indústria e a Sogrape adquiriu a sociedade. Está muito bem entregue e sei que continuarão a desenvolver e preservar toda a nossa história até porque é igualmente um veículo promotor de Portugal.
Por último e agradecendo a sua simpatia, quer deixar alguns conselhos para o consumo do Vinho do Porto?
Eu agradeço muito poder ter feito esta entrevista, muito me honra.
Beber um vinho do Porto é um momento de partilha, de amizade, no fundo. Creio que é uma boa maneira de se pensar quando bebemos um vinho do Porto, com uns amigos há volta de uma mesa e de uma boa conversa. Num copo de vinho branco, ou maior e sempre ligeiramente fresco. Bebam, mas com moderação.
Deixo um grande abraço à comunidade portuguesa radicada na Suíça, é sempre um prazer aqui voltar.