› Clément Puippe
Texto e fotografias
Apesar do tempo já decorrido depois da conquista de Malaca pelos portugueses em 1511, ainda existe uma reduzida presença de luso-descendentes e de pessoas que cultivam esses laços com Portugal. As autoridades de Malaca aproveitam esta situação peculiar para destacar uma experiência turística única e original e para realçar que a Malásia defende a diversidade cultural e protege as suas minorias.
Como explicar que esses laços com Portugal conseguiram atravessar os tempos desde o século XVI?
Brian Juan O’Neil no seu artigo de 1992 publicado num livro coletivo “Do Tejo até ao mar da China” tentou uma explicação sobre a situação em Malaca através duma tripla dimensão de identidade multiforme: nacional, cultural e étnica. Graças a um estímulo à distância e uma imitação compulsiva, quase indiscriminada. Com uma admiração incontrolada por tudo o que vem de Portugal, e dos portugueses e da Europa. Portugal é assim ao mesmo tempo cultura, povo, grupo étnico e nação (a comunidade cristang é uma pequena comunidade de Malaca, na Malásia com origem em antepassados portugueses que remonta aos descobrimentos. A comunidade cristang fala a língua cristang, um crioulo de base portuguesa, sendo que “cristang” significa “cristão” nesta língua – fontes Wikipédia).
Um pouco de história
No final do século XV, menos de cem anos após a sua fundação, o Sultanato de Malaca contava com uma comunidade internacional de 15.000 comerciantes. Os portugueses chegaram a Malaca em 1509 e foram atraídos pela beleza do seu porto natural. Dois anos mais tarde, regressaram em força e uma frota comandada por Afonso de Albuquerque tomou o porto, disparando os seus melhores canhões e queimando pelo menos 12 navios ancorados.
Os portugueses colonizaram Malaca na costa sudoeste da Península Malaia, a partir de 1511 e mantiveram-na até 1641, data em que foi tomada pelos holandeses. O porto controlava o Estreito de Malaca, que liga o Oceano Índico (Mar de Andamão) ao Mar da China Meridional. Malaca era, por conseguinte, um centro de comércio regional e inter-regional.
Malaca não era estranha aos europeus da época, que sabiam que era um dos principais centros de comércio da pimenta de Sumatra e da noz-moscada das Molucas. Foi precisamente para controlar as rotas de abastecimento de especiarias do Império Otomano e de Veneza que o rei português D. Manuel I lançou o assalto de Albuquerque às Índias Orientais. Um dos grandes cronistas da expansão portuguesa na Ásia – os portugueses já tinham fundado colónias em Goa e Cochim, na Índia – Tomé Pires, resumiu este grande desígnio numa frase lapidar: “Quem dominar Malaca tem nas mãos a garganta de Veneza”.
Igreja de São Paulo
O centro da comunidade europeia era representado pela Igreja de São Paulo, construída em 1521. A igreja, atualmente em ruínas, foi em tempos o local de descanso final de São Francisco Xavier (Francisco de Javier, 1506-1552), o famoso missionário jesuíta espanhol que viajou pela Ásia Oriental a partir de 1549. O corpo do santo foi transladado para Goa em 1553.
Durante a presença portuguesa, os holandeses atacaram Malaca em 1616 e 1629, e depois, pela terceira vez, em 1641, conseguiram conquistar definitivamente Malaca e pôr fim ao domínio português.
Os neerlandeses governaram Malaca de 1641 a 1795, mas não se interessaram em desenvolvê-la como centro comercial, preferindo enfatizar o papel de Batávia (atual Jacarta).
Malaca foi cedida aos britânicos pelo tratado Anglo-Neerlandês de 1824, em troca de Bencoolen, em Sumatra. Entre 1826 e 1946, Malaca foi governada pela Companhia Britânica das Índias Orientais e, em seguida, como uma colónia da Coroa. Integrava os Estabelecimentos dos Estreitos, juntamente com Singapura e Penang. Com a dissolução desta colónia, Malaca e Penang tornaram-se parte da União Malaia, a atual Malásia em 1957 (fontes Wikipédia).
Monumentos, língua e tradição – Festa de São Pedro em Malaca
Em 2008, Malaca foi declarada Património Mundial pela UNESCO. Da presença portuguesa na cidade sobrevivem a Igreja de São Paulo e a Porta de Santiago da Fortaleza de Malaca, conhecida como “A Famosa”.
A população do bairro português em Malacca, fundado em 1933 pelos ingleses sob o nome de “Portuguese Settlement” (que consta de, nomeadamente, sete ruas, uma escola primária, um convento, 3 lojas de alimentação e 7 restaurantes), conta perto de 1’500 pessoas (cerca de 3’000 pessoas na totalidade em Malaca, uma cidade de meio milhão de habitantes).
«Os nossos antepassados chegaram há 500 anos e é um milagre o facto de nós ainda conseguirmos sobreviver com o nosso crioulo único, com a nossa religião católica, e praticarmos a cultura e todos os costumes dos nossos antepassados», apontou um dos antigos regedores (o regedor é a autoridade administrativa do bairro).
Neste mosaico de culturas e de religiões, esta comunidade criou laços fortes à volta da língua, da religião cristã e de vários costumes portugueses como as festas (nomeadamente São Pedro) e a gastronomia. Num ambiente de defesa das minorias e do turismo que aponta para uma certa originalidade, conseguiram manter laços artificiais, mas bastante fortes. O turismo afinal tem lados positivos.
A notar que em 2022, Joseph Sta Maria, um advogado de cultura e herança cristang, lançou o seu livro «The Malacca Portuguese: Saving Our Culture & Traditions».