› Júlio Vilela
Embaixador de Portugal na Suíça
Abílio Guerra Junqueiro nasceu na freguesia de Ligares, Freixo de Espada à Cinta a 15 de setembro de 1850, tendo falecido em Lisboa a 7 de julho de 1923. O Instituto Camões evocou a sua obra no decurso de uma exposição organizada em 2014 dedicada a diplomatas escritores, que aqui se recorda na parte relativa a Guerra Junqueiro.
Decorrendo assim a 7 de julho o centenário da morte do intelectual e escritor Abílio Guerra Junqueiro, primeiro embaixador de Portugal da era republicana na Confederação Suíça entre 1911 e 1914, importa recordar a ação diplomática que desenvolveu em prol de Portugal e o reconhecimento público que mereceu a sua ação quando cessou funções. Apreço que se prolongou anos depois de ter deixado a Suíça e até à sua morte.
Os laços criados no final do século XIX e a maior consistência da relação bilateral entre Portugal e a Suíça conduziram, necessariamente, a que a implantação da República em 1910 não tivesse passado desapercebida aos olhos dos suíços tanto mais que a notícia correu rapidamente nos jornais locais. A comunicação social escrita suíça (de língua francesa e alemã), não foi sempre partidária da implantação da República, e quantas vezes foi até crítica de algumas das decisões ou posturas do novo regime.
O novo Enviado Extraordinário Ministro Plenipotenciário, Abílio Guerra Junqueiro, como referido o primeiro da era republicana, cujo pedido de “agrément” foi solicitado no final de 1910, chegou ao posto a 9 de junho de 1911.
O seu perfil de republicano, escritor e intelectual distinto foi elogiado na imprensa escrita suíça, sobretudo de língua francesa, bem antes da sua chegada a Berna. O periódico Gazette de Lusanne mal conheceu a sua designação, publicava na edição de 28 de dezembro de 1910, ou seja, apenas um dia após a autorização concedida pelo Conselho Federal para a sua nomeação, que: “Encore un contre-coup de la révolution portugaise : le Conseil fédéral a donné son agrément au choix que le Portugal a fait pour le représenter à Berne de M. Guerra Junqueiro, poète renommé en son pays et républicain éprouvé. En nous l’envoyant, le Portugal a entendu montrer en quelle haute estime il tient la Suisse, car M. Junqueïro est des plus populaires. La question de la légation portugaise a Berne était restée en suspens. M. d’OIiveira, qui représentait ici le roi Manoel II, s’attendait bien à devoir nous quitter. Mais le gouvernement républicain n’a pas voulu brusquer les choses et ce n’est que maintenant que son départ est devenu certain. M. d’Oliveira était une physionomie très connue au palais et il avait su, par ses manières courtoises, conquérir les sympathies. Il laissera à Berne le meilleur souvenir. »
Guerra Junqueiro levou a cabo a sua missão na Suíça com dois objetivos essenciais: contactar os diretores dos jornais suíços para obter a sua influência a favor de Portugal, e fazer da comunidade portuguesa na Suíça uma grande família de que ele seria o “chefe espiritual”. Notificou a 21 de junho de 1911 o Presidente do Governo Federal da criação da nova Assembleia Nacional Constituinte e desenvolveu, posteriormente, um trabalho de árdua sensibilização das virtudes do novo regime político, de contestação das notícias vindas a público na imprensa local, nem sempre coincidentes com uma leitura benévola ou positiva dos acontecimentos vividos no nosso país, e esclarecendo os leitores suíços de particularidades ou das políticas do novo regime republicano. Ação que era essencial para que este pudesse promover e afiançar no exterior, junto dos principais países europeus (e Portugal tinha no dealbar da República uma escassa rede diplomática), as virtudes e objetivos da nova realidade política.
Desde cedo que Guerra Junqueiro procurou combater a desinformação local a propósito do regime republicano. Foram várias as entrevistas que concedeu à imprensa suíça, conseguindo bastas vezes a atenção desta e com destaque na respetiva primeira página. Foi, por exemplo, o sucedido no Journal de Genève de 3 de fevereiro de 1912 que reportou a opinião do intelectual e diplomata da seguinte forma: « Comme je viens de le télégraphier à votre honorable journal, les nouvelles qui me sont parvenues ce matin même de Lisbonne me permettent de contester absolument les informations alarmistes qui sont envoyées d’Espagne au Journal, de Paris, un organe qui a dès le début été hostile à la République portugaise. La tranquillité règne à Lisbonne et dans tout le pays, sauf un peu d’excitation qui subsiste encore à la suite des troubles récents. Les grèves sont presque entièrement terminées. Quant à la conduite de l’armée, de la marine, de la police civile, de la garde républicaine, dont on a incriminé bien à tort la fidélité, elle a été admirable de discipline et de dévouement à la République. Vous pouvez donc démentir de la façon la plus absolue toutes les nouvelles représentant le Portugal comme étant en proie à l’anarchie, tout particulièrement les informations fantaisistes visant les interventions étrangères. Ces informations tendancieuses ont déjà souvent été lancées. Chaque fois l’événement leur a donné tort. Sans aucun doute les grèves ont été encouragées par les réactionnaires et les monarchistes. L’enquête qui vient d’être faite, et au sujet de laquelle le gouvernement vient de publier un rapport précis, a prouvé que les agents et domestiques de plusieurs réactionnaires notoires, mêlés à des anarchistes, avaient constitué des bandes armées qui parcouraient les campagnes et excitaient les travailleurs. Ce sont eux qui ont préparé la marche sur Evora en disant aux campagnards qu’ils pourraient mettre la ville à sac, car l’armée était avec eux. Mais les émeutiers furent rapidement chassés de la ville par la cavalerie et, aussitôt qu’ils virent qu’on les avait trompés sur l’attitude de l’armée, ils se sont retournés contre les instigateurs de l’émeute. »
E, reconhecendo as imperfeições do novo regime, não hesitou em esclarecer que “Sans doute notre republique n’est pas encore parfaite. Elle a encore beaucoup à faire, beaucoup à organiser. Elle a été faite par le peuple et par une élite d’idéalistes, de moralistes, qui ont interprété admirablement le sentiment populaire. Mais le travail d’organisation durera plusieurs générations. Ce n’est pas du jour au lendemain qu’il sera achevé. En attendant qu’il soit terminé, il y aura encore des poussées en sens divers, des périodes de trouble. Quand on décante le bon vin il faut quelque temps jusqu’à ce qu’il soit entièrement clair et que la lies soit déposée au fond de la bouteille. De même dans le parti républicain portugais, comme ailleurs, il y a des tendances diverses, des nuances différentes. Mais toutes les divergences s’effacent et tous les groupes sont unanimes dès qu’il s’agit de l’existence, du salut de la République. Quant au socialisme, il n’est pas un danger chez nous. Le Portugal est un pays essentiellement agricole, qui a peu de grande industrie. Le parti socialiste, qui est d’ailleurs tout à fait républicain, y est donc peu nombreux. Ce n’est pas le socialisme ou l’anarchie qui provoqueront, jamais, la chute de la République ou une intervention étrangère.»
Entre julho de 1911 e agosto de 1912 são conhecidas pelo menos uma dúzia de comunicações subscritas por Guerra Junqueiro, procurando esclarecer meios de comunicação social do mais diverso espectro e dimensão geográfica, desde os jornais de língua alemã como o “Luzerner Tagblatt”, “Der Bund”, “Berner Intelligenz Blatt” ou o “Basler Nachrichten”, a outros de língua francesa como os tradicionais Gazette de Lausanne e Tribune de Genève, ou menos conhecidos e de escassa projeção nacional, como o “Pays de Porrentruy” (cantão de Jura), de múltiplos e diversos aspetos que marcaram a implantação da República e que necessitaram de claros esclarecimentos sobre os caminhos do novo regime. Foi o caso, quer das condições de julgamento de conspiradores monárquicos detidos, quer das condições dos estabelecimentos prisionais em que se encontrariam presos tidos como “políticos”, ou até sobre eventual esclavagismo na ilha de S. Tomé. Os efeitos de greves ocorridas e a possibilidade de se verificarem contrarrevoluções no país era afirmação latente em alguns órgãos da imprensa escrita a que Guerra Junqueiro sempre respondeu.
Depois da sensibilização da comunicação social para as virtudes da República e combate às “ondas” monárquicas que se mantiveram vivas numa fase inicial na Suíça, o desempenho de Guerra Junqueiro depressa se pautou pela estabilização do diálogo político institucional com as autoridades suíças e na consolidação de progressos em áreas de interesse para Portugal, como aliás se havia comprometido quando entregou as cartas credenciais. A ele se deve, por exemplo, o aparecimento do primeiro curso de língua portuguesa em Genebra destinado à ainda escassa, mas presente, comunidade portuguesa residente.
Na despedida da Suíça no verão de 1914, Guerra Junqueiro não escondeu a admiração pela sociedade onde viveu cerca de 3 anos, sentimentos que mereceram adequada retribuição do então Presidente da Confederação Arthur Hoffmann.
A cessação de funções de Guerra Junqueiro também foi sinalizada na imprensa suíça. Escreveu o Journal de Genève a 1 de julho de 1914, “Ceux qui ont eu l’honneur d’entrer en rapport avec l’éminent écrivain qui représentait le Portugal à Berne et dé se rendre compte des profondes sympathies que loi inspirait notre pays, regretteront vivement son départ. » E acrescentou o Gazette de Lausanne a 14 de agosto do mesmo ano, « M. Guerra Junqueiro, ministre de Portugal à Berne, qui vient de faire ses adieux au Conseil fédéral, sera unanimement regretté à Berne. Personne n’aimait plus la Suisse que le grand poète portugais. Personne n’en avait étudié avec plus de soin et de sympathie la structure morale. Quand survint la révolution portugaise, le gouvernement de la République offrit à M. Guerra Junqueiro, qui n’était pas « de la carrière », des postes plus brillants : il déclara qu’il préférait rester à l’écart des fonctions officielles, mais que, si le gouvernement insistait, il ne pouvait accepter qu’une seule mission, celle de représenter son pays en Suisse. Il est venu à Berne et il a occupé ses loisirs à étudier de près l’âme de notre peuple, dans sa vie familiale, dans ses mœurs, dans ses coutumes, dans son folklore, dans les œuvres de ses écrivains. Il admirait notre pays et notre nature en poète. Il n’y trouvait, disait-il, qu’un seul défaut, c’est qu’à côté de tant de richesses, de beautés et d’harmonie manquât le contraste de la douleur. « La Suisse pour moi est un pays sacré, aimait-il à dire ; elle est, comme dans un microcosme, le prototype d’une humanité arrivée tout près de l’équilibre et de la perfection. » M. Guerra Junqueiro rentre dans son pays. Il quitte la vie publique pour laquelle il ne se sent pas fait. Il cultivera ses vignes et écrira, pour son peuple, ces vers si beaux qui ont fait sa gloire littéraire et aussi ces appels enflammés à l’union de tous dans le respect des consciences qui font de lui un missionnaire de liberté. Nous avons voulu, avant que M. Guerra Junqueiro nous quitte, dire à cet homme de haute culture et au cœur généreux que tous ceux qui en Suisse l’ont connu pendant sa trop courte mission lui conservent un souvenir d’affection et de respect.»
E o laivo de intelectual, pensador, defensor da causa republicana e poeta único, não deixou de primar também na imprensa quando faleceu. Escassos dias após o seu falecimento a 7 de julho de 1923, o Journal de Genève publicava dia 12, “On annonce le décès de Guerra Junqueiro, âgé de 73 ans, le plus illustre des écrivains portugais, l’un des plus grands poètes contemporains, le Victor Hugo du Portugal, qui fut ministre à Berne de 1911 à 1914 (…) ». E o Gazette de Lausanne a 1 de agosto de 1823, realçaria as qualidades de pensador e escritor, publicando, “ Le Portugal vient de perdre son plus grand poète moderne, qui était en même temps, le patriarche vénéré de ses lettres: Guerra Junqwiro est mort. Durant sa jeunesse, il avait été le chantre passionné des idées de liberté. Il s’était alors montré un grand défenseur des opinions républicaines.(…). »