› Lurdes Gonçalves
Coordenadora do Ensino Português na Suíça
A Coordenação do Ensino Português na Suíça participou na celebração dos 150 anos das relações bilaterais entre Portugal e a Suíça com uma intervenção sobre a presença da língua portuguesa na Suíça.
No webinar comemorativo, que se realizou no dia 21 de novembro em Berna, em formato híbrido, francês e inglês foram as línguas de trabalho. A Coordenadora interveio em inglês, marcando, desta forma, a presença de outras línguas no espaço suíço e sublinhando que o Português é a segunda língua estrangeira mais falada na Suíça, após o inglês.
A apresentação teve início com uma breve história da presença do ensino da língua portuguesa no espaço helvético. O primeiro registo data de 1913, assinalando a abertura de um curso público, gratuito, patrocinado pela Associação Comercial de Lisboa, Sociedade de Propaganda de Portugal, com o objetivo de “alargar as relações de natureza material e moral entre Portugal e a Suíça”. Guerra Junqueiro, distinto escritor português e Embaixador de Portugal na Suíça à data, informa o Ministro dos Negócios Estrangeiros no dia 21 de Maio, do seguinte modo: “Tenho a honra de informar Vossa Excelência que no dia 13 deste mês teve início o curso de língua portuguesa ministrado pelo Sr. Emílio Costa no Collège de St. St. Antoine em Genebra”.
Obviamente, este facto está alinhado com instrumentos jurídicos, datados de 1911 (Decreto-Lei 64-B, de 15 de maio), que previam o ensino de línguas, história e geografia no exterior. E, até à década de 1930 foram inaugurados e mantidos vários leitorados de português no mundo.
Na Suíça, a Universidade de Zurique tem sido um centro privilegiado da preseça da língua e da cultura portuguesas desde a criação de um leitorado de Português em 1946 e também da cátedra Carlos de Oliveira desde 2012. Na Universidade de Genebra, os estudos de língua portuguesa também começaram com a criação de um leitorado de Português em 1995 e, a partir de 2020, também conta com a cátedra Lídia Jorge.
Mas a presença da língua portuguesa na Suíça é principalmente o resultado da migração de portugueses e falantes de português para o país, com início nas décadas de 60 e 70 do século passado.
O estado português, consciente desta situação, promulgou em 1969 uma lei, que preconizava o dever do Governo português de proporcionar aos lusodescendentes o ensino da língua e da cultura portuguesas. E em 1976, dois anos depois da Revolução dos Cravos, este dever foi incluído no Artigo 74.º N.º 2 da Constituição da República Portuguesa, (alíneas i e j). Dez anos depois, em 1986, este direito foi inscrito na Lei de Bases do Sistema Educativo Português. Neste documento, a rede do Ensino Português no Estrangeiro (EPE) é reconhecida como modalidade especial de ensino, sob a responsabilidade do Ministério da Educação Português. O EPE passou para a tutela do Ministério dos Negócios Estrangeiros em 2010, mais especificamente, para o Camões, Instituto da Cooperação e da Língua, I.P.
Os primeiros professores foram colocados na Suíça na década de 80, e um longo caminho foi percorrido desde os primeiros 1.000 alunos e 10 professores em 1984. Naturalmente, o EPE prossegue a missão fundamental de valorizar e difundir a língua e a cultura portuguesas pelo mundo, permitindo a sua aprendizagem entre as comunidades luso-descendentes.
No entanto, os objetivos e os conceitos orientadores são diferentes, uma vez que os contextos mudaram e o próprio paradigma migratório também sofreu alterações significativas. Muitos alunos de língua de herança já pertencem à segunda ou à terceira geração, possuem características e expetativas muito diferentes das da geração anterior e apresentam repertórios linguísticos e culturais muito diferentes e diversificados.
Assim, distante do objetivo quase exclusivo de preparar os alunos nas suas competências linguísticas e culturais para frequentarem o sistema escolar português no regresso das famílias, o EPE no século XXI tem uma dupla tarefa:
- apoiar as crianças e os jovens portugueses na construção da sua identidade, da qual a língua e a cultura portuguesas são parte integrante;
- facilitar a integração no país de acolhimento, mitigando o sentimento comum dos migrantes de não pertencerem nem ao país de origem, nem ao país de acolhimento.
No contexto do séc. XXI, o EPE atua num espaço de mediação entre línguas e culturas. Os professores gerem o equilíbrio entre “cuidar” e “ensinar”: por um lado, cuidam a relação afetiva dos alunos com a língua; por outro lado, ensinam conteúdos linguísticos e culturais, visando o desenvolvimento da competência plurilingue e intercultural.
A colaboração dos professores EPE com os professores do ensino regular suíço é de extrema importância para apoiar uma integração bem-sucedida na sociedade helvética. Para tal, a CEPE Suíça participa em projetos colaborativos de sensibilização para a Diversidade Linguística, entre eles, para apoio ao desenvolvimento de competências linguísticas das crianças portuguesas dos 4 aos 6 anos, especificamente no cantão de Genebra em parceria com o Departamento de Instrução Pública.
A participação em projetos de formação e investigação, conduzidos por diversas universidades suíças, é também uma forma de aquisição colaborativa de conhecimento contextual e profissional, no que diz respeito ao ensino e aprendizagem de línguas. Estas colaborações contribuem para uma melhor compreensão da tarefa docente, visando a qualidade crescente da atuação do corpo docente da CEPE Suíça. Além disso, a troca de experiências e conhecimentos no âmbito dos referidos projetos é uma oportunidade para partilhar os valores e objetivos educativos orientadores do EPE.
A finalizar intervenção, foi sublinhado que a língua portuguesa pode contribuir para a preparação de todos os alunos, independentemente da sua origem linguística. As formas de aprendizagem do séc XXI exigem uma enorme diversidade de competências e, em especial, a possibilidade de passar de uma língua para outra e de uma cultura para outra. Isto acontece através da criação de pontes e da construção de uma identidade plural, que é mais do que uma nacionalidade.
Caberá aos falantes de português na Suíça aproveitar ao máximo a intensa carga afetiva e identitária da sua língua, para:
- investir na construção e manutenção de sinergias contextuais,
- promover uma mudança nas representações e imagens associadas aos imigrantes portugueses e à Língua Portuguesa e
- alimentar uma presença reconhecida, ativa e significativa dos portugueses e da língua portuguesa.
Caberá à sociedade suíça reunir e aproveitar ao máximo os recursos disponíveis da realidade multilingue da sociedade pós-migrante em benefício tanto das crianças e jovens monolingues como multilingues, bem como dos seus professores.
O reconhecimento da imensa riqueza linguística e cultural poderá conduzir a sociedade suíça a passar de um multilinguismo constitucional, de quatro línguas nacionais, para um multilinguismo vivido, onde todas as línguas têm um lugar legítimo.