A magnificência da sala de espetáculos do Viktoria Hall em Genebra, recebeu a ilustre visita do aclamado músico, compositor, vencedor de inúmeros prémios, reconhecimento internacional, Grande-Oficial da Ordem do Infante D. Henrique.
Da lufada de ar fresco e de modernidade na cena musical portuguesa revelado com o grupo Sétima Legião à nova direcção musical da sonoridade dos Madredeus, o cunho de um irrequieto lisboeta em ebulição criativa estava já bem evidente. Homem afável, ávido de explorar as infinitas misturas musicais que vivem no seu imaginário numa busca incessante de apresentar ao mundo as suas propostas. Com uma discografia rica e diversificada, veio até Genebra apresentar o seu último trabalho, O Rapaz da Montanha.
Referência geracional, fundador do grupo Sétima Legião, dos Madredeus, uma vez mais em Genebra.
Sim, uma vez mais, julgo que será a 6ª ou 7ª vez. A última com um concerto totalmente diferente, recordo que estávamos a fazer uma tournée do disco A Estranha beleza da Vida, um disco que precisava de um cro, e foi aqui que encontrámos, com a ajuda de uma violinista que estva em Genebra, a Sofia Ruivo, que encontrou 6, 7 cantores para esse coro. É sempre um prazer voltar a Genebra, cidade onde sempre fomos bem recebidos e sempre saímos com a sensa4ão de que a proposta musical que apresentámos nas diversas ocasiões, foi muito bem recebido, como espero que seja hoje o caso.
As suas referências, toda a experimentação que vem fazendo, essa inquietação exposta nas suas músicas, transporta-o pelo mundo.
Sem dúvida, há uma vontade dentro de mim quase constante, sendo eu autodidata, de tentar encontrar músicas desde há 43 anos, data da fundação dos Sétima Legião, assim como os 40 anos dos Madredeus. Quando saí desses projetos, em 1992/1993, o meu primeiro disco a solo é de 93, comecei a dedicar-me mais a músicas que não cabiam em qualquer dos projetos, tinha um caminho a seguir, podendo até não ter êxito absolutamente nenhum, comecei por fazer os disco muito minimalistas de influência de compositores dos anos 90, e passaram-se 30 e muitos anos e já trabalhei com espectro musicais muito diferentes. A minha música tem muitas influências, desde o tango, á música clássica, pop britânica, francesa, etc. Permite-me trabalhar com músicos diferentes e não ser “hermético”, na mesma formação e de estar num registo musical linear. Tenho tido muita sorte em continuar a fazer a música que anda pela minha cabeça, ou que me aparece em situações inusitadas ou improváveis. Este novo disco, O Rapaz da Montanha”, é o meu disco mais português de todos os que fiz a solo, tem 11 temas cantados em português, eu também me aventuro, os meus filhos, amigos e músicos que me acompanham. É um disco que remete um pouco para os anos 70 em Portugal e para mim é inesperado, eu não imaginava poder fazer um disco que se remete para músicas de autores icónicos da minha adolescência, Zeca Afonso, Zé Mário Branco, essas minhas raízes que estavam por aqui.
Estas músicas que estavam na sua cabeça, no subconsciente talvez, adormecidas, fazem parte da inquietação de que já aflorámos e que o transporta para experiências “para fora da caixa”, da “normalidade”.
É, foi um ano e pouco muito duro. Muitas dúvidas no meio do percurso, 2, 3 meses estive a fazer uma banda sonora para um documentário de uma realizadora brasileira, Petra Costa, que me fez bem para desligar um bocadinho, depois desde setembro foi sempre a andar, terminámos O Rapaz da Montanha, já saiu o single e dentro em pouco vamos lançar um outro single, Andava Eu, que é cantado pelo Francisco Palma, um dos filhos do Jorge Palma, e o disco sairá em abril. Fizemos 2 concerto no CCB completamente esgotados e foi um prazer muito grande podermos tocar aquelas músicas pela primeira vez.
Para um artista que tanto sofre para criar a sua música, quando a entrega ao público, sentir o carinho com que é recebido, o conforto é algo onde pensa, vale a pena.
É uma grande satisfação, uma alegria imensa. Há um momento em estou sozinho, vários meses até, em que vou mostrando às pessoas que me acompanham as ideias que me vão surgindo, amigos de infância que trabalham na produção, à minha família, e a dada altura há o arranque onde se envolvem músicos, pessoas que escrevem letras, neste caso foram todas escritas pela minha esposa, Ana Carolina, e aí há uma satisfação antes sequer de sentir se o público vai gostar, uma coisa muito pessoal que é a satisfação das pessoas que trabalharam juntos durante vários meses. Sentindo que o público comunga da nossa satisfação a alegria é maior.
Como surgem estes convites cinematográficos?
Sempre houve uma componente muito cinematográfica quer na música dos Sétima Legião quando começámos, porque muitos temas instrumentais, música melancólica, assim como nos Madredeus, e eu quando comecei a fazer os meus discos sempre falei que gostaria de fazer bandas sonoras. Nos primeiros anos não se proporcionou muito, mas desde há uns 10 anos a esta parte fui tendo pedidos para o fazer, a Gaiola Dourada, O Mordomo, na série Um Retrato Social, documentários. É mais variado e permite-me também não pensar só em concertos e produção de discos. Um desafio bom, por vezes é complicado, alguns realizadores pedem 5, 6 músicas para a mesma cena porque dizem que eu não estou a perceber e tenho de imaginar uma e mais ideias. Tem de haver uma empatia e cumplicidade. Eu acho que a minha música tem um aspeto cinematográfico o que ajuda bastante. A música de cinema é mais concreta, apesar do processo ser o mesmo que os meus discos, neles por vezes ponho-me a pensar a razão daquela composição, que influência tive, com quem me cruzei, o que me chamou a atenção, o que vi na televisão, o que acabei de ler, depois há uma parte mais abstrata que vem de dentro de nós.
Que esperar do Rodrigo Leão?
Espero ter esta inquietação sempre presente, sei que assim será até morrer. Acabámos este disco, vamos apresentá-lo ao mundo e sei que no percurso se vão acendendo luzinhas para novas ideias, de onde ainda não sei, mas é algo de inevitável na minha criação artística desde sempre. Há alturas que até parece que estamos secos, mas de repente surgem as ideias, e mais e mais.
Agradecemos a sua amabilidade, estaríamos horas a falar, mas tem um espetáculo daqui a pouco.
Eu é que agradeço à Gazeta Lusófona e à Apollo Productions que nos convidou, poder estar presente na comunidade portuguesa espalhada por esse mundo fora é importante e envio um grande abraço a todos com um até breve.
Texto: Ilídio Morgado
Fotografia: Andrey Art Studio