› Júlio Vilela
Embaixador de Portugal na Suíça
Retomando a série de notas breves sobre os primeiros acontecimentos que marcaram no plano da história a relação bilateral entre Portugal e a Suíça, cumpre hoje recordar que uma das primeiras incumbências atribuídas ao primeiro representante diplomático de Portugal na Suíça foi o da negociação de um Tratado de extradição de criminosos. A outra foi o da celebração de um Tratado de Comércio temática que deixaremos para momento posterior.
À época coexistiam preocupações ou interesses próximos que moviam a Coroa e as autoridades suíças, no mesmo sentido, também com outros Países. No caso da Convenção para Extradição de Criminosos, Portugal já havia estabelecido acordos semelhantes com a França e a Espanha e a Suíça com a Bélgica e a
França.
Coube ao Ministro João de Andrade Corvo instruir o Visconde de Santa Isabel naquilo que entendia como essencial ser garantido na Convenção a negociar, tendo chegado aos nossos dias os textos com as diretrizes dimanadas do Ministério1, bem como a primeira proposta de texto português2. De entre elas avultava como de maior relevo, a necessidade de a Convenção consagrar a impossibilidade de serem extraditados cidadãos suscetíveis de lhes ser aplicada a pena de morte.
Portugal havia abolido tal cominação para crimes civis em 1 de julho de 1867, circunstância que a Suíça ainda não havia consagrado no seu sistema constitucional. Aquela só foi abolida pela primeira vez na Constituição Federal de 29 de maio de 18743 ou seja, em momento posterior ao processo negocial então iniciado. Apesar desta circunstância, foi possível concluir o processo respetivo com êxito e assim, integrar-se no artigo 2.º um § 2 dizendo, Os indivíduos pronunciados ou condenados por crimes, aos quais, segundo a legislação do estado reclamante, corresponder a pena de morte, somente serão entregues com a cláusula de que essa pena lhes será comutada.
Numa primeira comunicação que o Conselho Federal efetuou a 31 de outubro de 1873, um dia após a assinatura do texto em Berna, à Assembleia Federal, para que esta se pudesse pronunciar e aprovar a Convenção, foi aduzido em prol desta redação e norma na altura excecional para o direito suíço que, A maioria dos Cantões da Suíça ainda mantêm a pena de morte nos seus códigos; não obstante, a mesma já foi abolida em outros e será provavelmente abolida nos restantes. Não se deve também esquecer que nos últimos anos os Grandes Conselhos têm comutado a pena de morte determinada pelos tribunais pelo que as execuções não têm tido lugar. Assim, não devemos hesitar, no interesse do progresso de ideias humanitárias, em incluir aquela disposição no Tratado. Não obstante esta posição do Conselho Federal e sua recomendação à Assembleia Federal de ser aceite e ratificado o Tratado, a verdade é que depois daquela comunicação, a 15 de dezembro, o Conselho Federal decidiu deferir a sua posição final sobre a aprovação do Tratado até ser aprovada a revisão da Constituição em que a pena de morte seria também abolida para crimes civis na Suíça. E comunicou tal facto a 17 de dezembro de 1873 ao Visconde de Santa Isabel.
O Tratado foi aprovado pelas Cortes4e5 e publicado primeiro em Portugal no Diário do Governo n.º 87, de 21 de abril de 18746, tendo sido aprovado pela Assembleia Federal Suíça a 10 de junho do mesmo ano. Entrou em vigor, por um período de cinco anos, a 23 de setembro de 1874. Manteve-se vigente durante dezenas de anos, tendo o seu art.º 3.º sofrido uma alteração de redação em 1935, publicada no Diário da República, I Série, n.º 257, de 6 de novembro
de 1935.
1 Por ofícios do Ministério dos Negócios Estrangeiros n.ºs 2 (AHD/S2.1/E22/P1/B20) e 9 (AHD/S2.1/E22/P1/B22), respetivamente, de 11 de junho e 14 de outubro de 1873, foram sinalizadas ao EEMP as questões essenciais a serem consagradas no acordo.
2 Projeto de Convenção para a extradição de criminosos entre a Confederação Suíça e Portugal (Anexo VIII), AHD/S 2.1/E22/P01/B18. https://ahd.mne.gov.pt/Nyron/Archive/Catalog/winlibsrch.aspx?pesq=3&cap=&var9=exposi%u00e7%u00e3o%20berna%202023&var4=&var100=&var100=&var7=&doc=142167; https://dodis.ch/66257.
3 Foi reintroduzida no dia 20 de junho de 1879 no seguimento de referendo de 18 de maio desse ano (que obteve 52,5% de aprovação). No entanto, no n.º 1 do artigo 65º manteve-se a proibição de pena de morte para crimes políticos: Il ne pourra être prononcé de condamnation à mort pour cause de délit politique. No dia 3 de julho de 1938 foi aprovado, com 53,5% dos votos, o novo Código Penal que previa a abolição da pena de morte também para os crimes civis. Apesar de apenas ter entrado em vigor no dia 1 de janeiro de 1942, a verdade é que a última pena de morte executada na Suíça ocorreu no dia 18 de outubro de 1940. Já o direito penal militar manteve-a até 1992. A nível constitucional, a temática não sofreu alteração entre 1879 e 1 de janeiro de 2000, data da entrada em vigor da atual Constituição Federal de 18 de abril de 1999, que prevê, no n.º 1 do art.º 10: “Tout être humain a droit à la vie. La peine de mort est interdite.
4 AHD/S2.1/E22/P1/B28; dodis.ch/66259. https://dodis.ch/66259.
5 AHD/S 2.1/E22/P01/B28. https://ahd.mne.gov.pt/Nyron/Archive/Catalog/winlibsrch.aspx?pesq=3&cap=&var9=exposi%u00e7%u00e3o%20berna%202023&var4=&var100=&var100=&var7=&nohist=true&doc=142170; https://dodis.ch/64953.
6 dodis.ch/66276. https://dodis.ch/66276.