Nuno Garcia, candidato da CDU
Nuno Gomes Garcia tem 43 anos de idade, é natural de Matosinhos e é o segundo candidato pela Coligação Democrática Unitária (CDU) a deputado à Assembleia da República Portuguesa pelo círculo europeu.
Conversamos com esta candidato sobre a sua visão em relação à diáspora portuguesa e as políticas necessárias para a valorização da comunidade residente no estrangeiro.
O que está a impulsionar a sua candidatura?
O desejo de melhorar as condições de vida e a ligação a Portugal, à língua e à cultura portuguesas dos portugueses a viver no estrangeiro. Desejamos com esta candidatura, caso sejamos eleitos, pôr cobro ao abandono ao qual é votado pelo Estado português o cidadão português residente no estrangeiro. É urgente acabar com esta dupla punição: primeiro, a emigração forçada devido à falta de oportunidades e, depois, o abandono do emigrante, obrigado a desligar-se de Portugal. Esse abandono provocará o desaparecimento de vínculo a Portugal e terá, a médio e longo prazo, consequências negativas na demografia, na economia e na cultura portuguesas. Trata-se de um enorme desperdício de riqueza humana e intelectual que empobrecerá Portugal e o arrastará para o abismo demográfico que está aí à porta.
Como avalia o cenário político atual em Portugal?
O cenário político português é, há quase 50 anos, liderado por partidos e uma elite política que não conseguiram, por incapacidade e falta de vontade, resolver o principal problema de que padece a sociedade portuguesa: a pobreza perpétua de quem trabalha e que, por isso, é obrigado, muitas das vezes, a emigrar. Não há nada mais triste e revoltante do que ver um trabalhador preso nas garras da pobreza. A desigualdade social em Portugal é gritante. Os portugueses emigram porque os salários baixos não permitem viver com dignidade. Não existe vontade política por parte dos partidos de direita e centro-direita portugueses que nos governaram, o PSD e o PS, de proceder a um substancial aumento de salários que promovam uma vida digna e, consequentemente, faça desaparecer uma das mais estáveis estruturas da sociedade portuguesa: a hemorragia emigratória. Sem salários dignos, Portugal, principalmente o interior, continuará a ser despovoado e o país tornar-se-á cada vez mais num país irrelevante do ponto de vista global.
Que políticas pensa serem necessárias para a comunidade portuguesa que reside fora de Portugal?
É necessário que o Estado português proceda a um investimento maciço nas estruturas do Ensino do Português no Estrangeiro de maneira a garantir às crianças portuguesas a viverem fora de Portugal o direito constitucional a aprenderem a nossa língua e a nossa cultura. Cultura portuguesa que deve ser apoiada na sua internacionalização, aproveitando para isso as redes associativas e a massa humana lusodescendente que já está instalada no terreno. Os sucessivos governos não obedecem à Constituição pois não garantem o ensino universal e gratuito da língua portuguesa a todas as nossas crianças. Uma criança portuguesa em Genebra tem os mesmos direitos constitucionais de uma criança portuguesa em Lisboa. Não compreender isso é desrespeitar a Constituição e efetuar uma espécie de apartheid que divide os portugueses em cidadãos de primeira e de segunda categoria. Devem também ser amplamente melhorados os serviços consulares em colapso. São necessários muitos mais funcionários consulares e mais serviços de proximidade para melhor se servir os nossos compatriotas. Devem igualmente ser tomadas medidas que melhorem os processos democráticos que permitam aos cidadãos portugueses a viverem no estrangeiro uma participação de qualidade na Democracia portuguesa, nomeadamente aquando das eleições, mas não só. Falo por exemplo na valorização do Conselho das Comunidade Portuguesas (CCP). Estes três pontos – dificuldade no acesso à aprendizagem da língua, serviços consulares em frangalhos e enorme e crónica abstenção – são os que mais contribuem para a sensação de abandono que atinge a esmagadora maioria dos portugueses a viver fora de Portugal.
Qual a importância do movimento associativo português nos países de acolhimento?
O movimento associativo, quer as associações mais antigas, quer as novas, que são de natureza diferente, tem um papel fulcral na manutenção do vínculo entre os portugueses a viver no estrangeiro e Portugal. Elas devem ser, portanto, fortemente apoiadas a todos os níveis porque, a maior parte das vezes, têm o papel de substituir o Estado português em muitas das áreas onde ele, por falta de vontade política, não intervém. Isso é por demais visível na questão do ensino da língua e da cultura. Existem dezenas de associações, muitas vezes mal preparadas devido à falta de apoio, que compensam a falta de presença do Estado nestas matérias.
O que a comunidade portuguesa deve esperar das eleições de janeiro?
A comunidade portuguesa a viver no estrangeiro não deve esperar. Deve, sim, exigir. Exigir aquilo a que, de acordo com a Constituição, tem direito. Nós, portugueses a viver no estrangeiro, somos cidadãos na sua plenitude e temos direito a uma educação de qualidade para os nossos filhos, a serviços consulares de qualidade e a instrumentos democráticos e eleitorais que nos permitam exercer o nosso direito de voto sem obstáculos. E essa exigência cidadã deverá ser canalizada através do voto na CDU, pois, a história vem-lo provando, ela é a única força politica que se interessa verdadeiramente pelos portugueses a viver no estrangeiro. Para fazer a prova dos nove basta analisar o trabalho (ou a falta dele) que os deputados que nós temos eleito ao longo das últimas décadas têm realizado durante os seus mandatos quase vitalícios. O que é que a eleição desses deputados nos trouxe de positivo? A resposta é óbvia: nada.
Por fim, que mensagem deixa para os eleitores?
Deixo a mensagem que para nós, emigrantes, é natural, o que nem sempre acontece para quem vive em Portugal: nosso país é composto por 15 milhões de habitantes, cinco dos quais, um terço, portanto, vive fora de território nacional. Nós, portugueses a viver no estrangeiro, somos uma riqueza inestimável – e não falo apenas das remessas que enviamos – para Portugal. Nós e os nossos filhos constituímos uma rede de pequenas embaixadas de Portugal e existimos em todas as cidades do mundo. Esta é uma rede de portugalidade, de soft power, como se diz agora, que o Estado português não deve deixar escapar e, pelo contrário, deve utilizar como instrumento de afirmação global. Nós, emigrantes, temos o dever de afirmar a nossa língua e a nossa cultura nas sociedades onde vivemos, mas também sabemos que temos de ser tratados como portugueses no usufruto da plenitude dos nossos direitos constitucionais. Se o desrespeito pela Constituição e abandono a que somos votados pelo Estado português continuarem, a disrupção dos nossos vínculos linguístico e cultural com Portugal será inevitável. E, quando isso acontece, porque já acontece, perdemos nós, porque desbaratamos uma parte da nossa identidade, mas perdem essencialmente os governos e quem vive em território nacional.
Ígor Lopes