› Liliana Azevedo
Um estudo do Iscte – Instituto Universitário de Lisboa, realizado junto de casais portugueses na Suíça, revela que o regresso é a principal tendência quando chega a idade da reforma. Esta migração em sentido inverso está nomeadamente relacionada com a dificuldade que representa viver com uma pensão de velhice num país com um dos níveis de vida mais caros da Europa.
Um estudo realizado entre 2018 e 2022 procurou compreender o que acontece, na hora da reforma, aos casais portugueses que emigraram para a Suíça. Depois de analisar numerosos dados estatísticos, a autora do estudo, Liliana Azevedo, observa que, na última década, tem-se assistido a um aumento dos fluxos de saída da Suíça de portugueses e portuguesas acima dos 60 anos. Constata, igualmente, que a população portuguesa com 65 ou mais anos residente naquele país representa uma percentagem relativamente baixa em relação ao que seria expectável numa migração que tem mais de quatro décadas. Em dezembro de 2021, situava-se em 2,2%.
Esta investigação sociológica centrou-se nos dilemas associados à transição para a reforma de uma população migrante envelhecida que, na sua maioria, emigrou para a Suíça entre finais da década de 1970 e finais da década de 1980. Trata-se de pessoas cuja migração respondeu às necessidades de mão-de-obra pouco qualificada que o país tinha naquela época. Algumas pessoas já eram casadas, tinham crianças pequenas e deparavam-se com várias dificuldades económicas e materiais, outras procuravam oportunidades que Portugal não lhes oferecia. “Almejavam uma vida melhor para si e para a sua família, ter casa própria, um emprego, algum dinheiro. Na grande maioria dos casos, a escolha da Suíça como destino deve-se ao facto de já lá terem algum familiar ou uma pessoa conhecida”, resume a investigadora. Acrescenta ainda que se trata “de pessoas que saíram de Portugal com o projeto de regressar no curto ou médio prazo, mas que foram ficando, por vários motivos, muitas vezes a pensar no futuro das filhas e dos filhos. No entanto, na hora da reforma, esse projeto nem sempre se mantém”. Coloca-se então o dilema de partir ou ficar.
As entrevistas que a socióloga realizou com dezenas de mulheres e de homens na casa dos 60-70 anos mostram que, por mais anos que tenham vivido e trabalhado na Suíça, a maior parte não tem carreiras contributivas completas e aufere pensões de velhice demasiado baixas para viver num país com um dos níveis de vida mais caros da Europa. Liliana Azevedo explica: “Isto deve-se, por um lado, ao seu modo de inserção no mercado de trabalho suíço. Devido às suas baixas qualificações formais, estas pessoas ocuparam, regra geral, posições com remunerações mais baixas do que os nacionais. As mulheres, em particular, acumularam trabalho a tempo parcial e trabalho não declarado e isso repercute-se mais tarde, na reforma. Por outro lado, uma forte orientação para o regresso, numa fase inicial, fez com que não se imaginassem a permanecer tantos anos fora de Portugal. Não se prepararam para a hipótese de viver a reforma na Suíça e quando chega o momento de sair do mercado de trabalho, não têm capacidades para ficar”.
Ao longo das cerca de 300 páginas deste estudo, vamos percebendo como os projetos migratórios evoluem ao longo do tempo, tal como as ligações aos diferentes territórios nos quais as pessoas se movem, lá e cá. Para se compreender estas transformações, a investigadora considerou o percurso de vida de cada pessoa, nomeadamente a sua trajetória profissional, assim como a sua rede familiar e social, sem esquecer os contextos socioeconómicos e políticos. Com base nesta análise multidimensional, a autora concluiu que é enganador interpretar os movimentos de regresso na reforma como sendo a concretização de um projeto inicial. Se algumas pessoas aspiram a mudar-se permanentemente para Portugal, uma maioria daquelas que foram entrevistadas declara que, se pudesse escolher, preferiria viver entre cá e lá. Mas esta opção requer capacidades económicas e materiais que poucas têm.
A socióloga considera que a discussão em torno do regresso na reforma de portugueses/as residentes no estrangeiro deve ser situada numa perspetiva mais ampla e ser analisada na perspetiva daquilo que é ser-se reformado/a no espaço de mobilidade europeia. “A migração de pessoas reformadas é particularmente interessante numa perspetiva comparativa. Este tipo de análise é reveladora não só das possibilidades de mobilidade nas sociedades atuais, da procura de bem-estar e amenidades, mas também das dificuldades de uma parte da população mais velha, tanto estrangeira como nacional, em viver nos países do Centro e Norte da Europa”.
A investigadora salienta ainda o impacto destes movimentos transfronteiriços no panorama nacional. “Este tipo de regressos não está a suscitar grande atenção política ou mediática em Portugal, cujos holofotes estão sobretudo virados para pensionistas estrangeiros ou para migrantes mais jovens, no entanto, o tema é de grande relevância para o país”, defende a investigadora. “Estas pessoas tendem a regressar para os lugares de onde partiram, onde têm casa”, acrescenta. Contribuem, por isso, para a dinamização da economia local e o repovoamento de zonas deprimidas, mas também criam uma pressão acrescida nas estruturas existentes, em particular nas estruturas de saúde e de cuidados.
Se olharmos para o futuro, adivinham-se vários desafios, atendendo a que Portugal já é, atualmente, um dos países mais envelhecidos do mundo e que tanto o regresso na reforma de migrantes portugueses como a migração de reforma de outras nacionalidades são tendências que se irão manter nos próximos anos, afirma Liliana Azevedo.
Estes são alguns dos resultados da tese de doutoramento, intitulada “Partir ou ficar? Transição para a reforma e migração de regresso de casais portugueses na Suíça”, que a investigadora do Centro de Investigação e Estudos de Sociologia do Iscte – Instituto Universitário de Lisboa (CIES-Iscte) irá defender este mês de julho, em Lisboa.