› Ilídio Morgado
Leandro nasceu em Lisboa, na icónica Maternidade Alfredo da Costa e foi “criado” no Bairro de Chelas. Hoje com uma carreira musical de 15 anos, 14 álbuns, pisados os maiores palcos portugueses, apresenta-se com músicas e letras próprias, evolução onde transmite as suas vivências pessoais e profissionais.
Propusemos uma conversa sobre o homem Leandro, o seu percurso e considerações sobre a vida. Transparente.
Leandro, cresceu em Lisboa, Bairro de Chelas, bairro icónico injustamente associado a histórias negativas ignorando o que de extraordinário existe em bairros como este. Começamos por aí. Nunca sentiste o estigma de pertencer ao bairro, a tua vivência no bairro serviu-te como escudo protector?
O bairro gerenciou a minha personalidade e se hoje sou assim, foi porque fui criado por grandes pessoas, com grandes valores humanos, de solidariedade, uma grande família que se ajuda e de onde saíram grandes nomes. É evidente que o bairro é associado a problemas sociais, que existem, mas esquecem-se que ali há muita qualidade humana. É normal que tenha na minha personalidade uma parte mais agreste que possa não ser bem entendida e que reaja cam veemência a algumas situações, mas isso faz parte do que cada um passa, nas formas de se defender e de se reservar. Foi a minha escola de vida.
A perseverança, resiliência, capacidade de sacrifício para enfrentar a vida, é característica bairrista que carregaste para a tua vida?
Sim, o bairro dá-nos essa personalidade de nunca desistir, essa resiliência positiva, dá uma base para criar situações e não esperar que alguém o faça, dou sempre este exemplo, nós onde encontrávamos um espaço 7X7 dava para fazer um jogo de futebol, vivíamos na rua, ao ar livre no meio de prédios que nos controlavam. Criávamos brincadeiras que hoje não se vêm, ioiô, pião, bilas, carica, tudo jogos que foram levados pelo tempo, a criatividade comandava-nos, não tínhamos outras opções. Perderam-se. Onde havia um espaço de lazer há prédios, cercaram as pessoas com betão e encarceram-nas num mundo virtual de onde não saem.
Hoje a sociedade é mais invejosa, de crítica fácil e gratuita, julga-se sem ouvir nem entender o que se passa, opina-se sem conhecimento de causa, ofende-se e destrói-se por cinismo e oportunidade. No bairro éramos muito mais unidos, ligados aos valores da família, da amizade, à humanidade, trocou-se a humildade pela humilhação gratuita.
O bairro deu-me a capacidade de ouvir e aceitar um “não”, de lutar pelo que quero, de trabalhar noutras áreas, nas obras noutras actividades que muito me ensinaram o que muito me orgulho. Continuo a ir muitas vezes a Chelas para ver a minha família e amigos e reparo que há acomodação, a vida de rua, os barulhos, os jogos, o pedir salsa a uma vizinha, não existe, há carros e prédios.
Chelas deu-te esta capacidade de te reinventares. Como surge a música na tua vida?
A minha família sempre foi muito ligada à música, à cultura. O meu tio foi pianista do grande Roberto Leal, o meu foi guitarrista, outro tio era baterista, o meu avô era apresentador, a minha avó era fadista, daí a minha história com o fado e as minhas primeiras aparições. De todos eu sou o único que chegou mais longe, se se pode dizer, primeiro porque sou muito teimoso, e hoje considero-me alguém que está a começar porque há muito que quero fazer e que sei que posso alcançar, sem me deslumbrar e com os pés bem assentes no chão, é Chelas a funcionar, sei de onde venho, o trabalho que me deu e procuro transmitir isso aos meus filhos, para não viverem num mundo que não existe, o mundo virtual que te querem impingir como sendo real.
Raízes importantes, marcantes. As tuas amizades continuam desde a tua infância.
A amizade é complicada de ser reconhecida. Por vezes um aperto de mão é o beijo do escorpião. Tive de ir escolhendo os que realmente importam, que estão contigo sem segundas intenções, e, principalmente, no mérito de serem teus amigos. Isto é extensível à família, infelizmente por vezes são os que mais te querem derrubar, decepcionam-te e não merecem que lhes dediques o teu tempo e amizade. Tive alguns amargos de boca, grandes surpresas, por não ter reconhecido essas falsas amizades e agora sou muito mais seletivo, acresce que o mundo do espetáculo é um campo minado no que a isso respeita. Não há cultura do mérito, impera a inveja. As pessoas em vez de tentarem fazer alguma coisa na vida tentam denegrir e destruir os que lutaram para alcançar o que conseguiram.
És um romântico? Flores, surpresas, abrir a porta do carro?
Sim, sou. Gosto de oferecer flores, chegar a casa e dizer que vamos dormir a outro lado, prepara a mala. Por outro lado, sendo muito emocional por vezes levamos algumas patadas, mas faz parte e vamos adaptando.
Manténs a tua vida profissional e pessoal perfeitamente separada. Desde a tua estreia nas lides musicais até hoje, o que achas que mudou nesse mundo? A competição por um lugar ao sol proporciona invejas, conflitos, maledicência. Estavas preparado?
Não, não estava. Durante um período da minha carreira vivi numa bolha, fui muito protegido pelo empresário que tinha. Quando saí não estava preparado para o que encontrei. Assustei-me. As pessoas estão muito interessadas no ódio, na incapacidade. Julgam os outros com a incompetência própria para esconder a sua incapacidade. Esquecem-se que o sucesso requer muito trabalho. Eu levanto-me todos os dias às 7h30, faça chuva ou faça sol. Trabalho muito, todos os dias. A minha vida profissional não é só a música, tenho outros negócios e responsabilidades, embora a música seja onde me sinto feliz. Em contraste o mundo da música é cruel porque és escrutinado em tudo e por tudo. És difamado, ofendido, julgado. Há pouco tempo contei um episódio que aconteceu com o meu filho e crucificaram-me. A situação é normal para todos, no meu caso foi transformado em crime. O calão que empreguei não foi compreendido, aproveitaram um episódio banal para me transformarem num monstro. Pura maldade.
Qual é o verdadeiro Leandro, o do palco ou o da vida de todos os dias?
Nem eu sei. O Leandro cantor quando vai ao palco não consigo explicar. Quem trabalha comigo diz isso, que me transformo e não dou conta. Transformo-me numa pessoa que vai apresentar a sua alma, muito do que passou na vida, as agruras, momentos difíceis, desabafo os meus sentimentos que não consigo ou não posso dizer na minha vida privada. Entrego a minha emoção, são canções íntimas, são escritas por mim. É um grito de alerta e também de contar o que vivi e no palco revivo tudo. É a minha forma de exprimir o que me vai na alma. Este último álbum é espelho da minha relação que tive e a qual me causou muitas amarguras. O Leandro que ouvem é o real, a artificialidade não está ali presente. Não deixo nada sem resposta, lá vem o bairro, porque quem não se sente não é filho de boa gente, e as pessoas que me conhecem bem, as que sabem quem eu sou, são poucas e eu sou aquele que vai ao palco e se despe perante a plateia para lhes contar as minhas histórias.
Os palcos são sempre diferentes. Cantar no estrangeiro a emoção é diferente?
É. Os emigrantes sentem o país e os artistas sentem esse carinho, os abraços são mais calorosos, genuínos. Gosto muito de vir às comunidades e restruturei-me de forma a ter produção própria e poder promover e propor o meu espetáculo, organizar os concertos. A ideia é fazer uns 2 ou 3 concertos grandes por ano.
A mensagem para estes emigrantes em Genebra?
Primeiro agradecer a recepção calorosa. Depois dizer que precisamos de valorizar a música portuguesa e juntarmo-nos na nossa portugalidade