› Adélio Amaro
Filipa Nunes cresceu na ilha da Madeira, onde começou os estudos relacionados com o mundo da música com José António Sousa no Gabinete Coordenador de Educação Artística, com onze anos. Vive em Uster, no cantão de Zurique. Chegou a terras helvéticas com 22 anos, após terminar a licenciatura, tendo como objetivo encontrar uma universidade na Europa central “para aprender a tradição do repertório alemão onde este foi criado”, explicou ao Gazeta Lusófona.
Atualmente, trabalha como clarinete baixo solista e segundo clarinete na ópera de Zurique e ensina clarinete baixo na universidade de Lugano (Conservatorio della Svitzzera Italiana) e é estudante do Mestrado em Relações Internacionais e Diplomacia na Universidade de Cumbria, Reino Uunido.
Filipa Nunes tem feito um percurso fantástico, nunca desistindo de valorizar, cada vez mais, o seu trabalho. Em 2002 entrou na Escola das Artes Eng.º Luiz Peter Clode, no Funchal, ilha da Madeira, onde estudou com Robert Bramley. Mais tarde, mudou-se para Lisboa. Na capital portuguesa estudou na Academia Nacional Superior de Orquestra, onde teve a oportunidade de colaborar, várias vezes, com a Orquestra Metropolitana de Lisboa. Mesmo a estudar, ganhou a audição para o lugar de segundo clarinete na Orquestra de Câmara Portuguesa, onde trabalhou até completar a sua Licenciatura.
Já na Suíça, trabalhou como professora principal na Universidade de Zurique (ZHDK) para a classe do professor Matthias Müller, entre setembro de 2020 e setembro de 2021.
Além de ser membro do quinteto “Reeds in Motion”, estudou na universidade de Basileia com Francois Benda e tem uma pós-graduação em instrumentos históricos na Scuola Cantorum em Basileia e integrou as orquestras de jovens mais prestigiosas do mundo como a Schleswig Holstein Musik Festival, a Gustav Mahler Jugend Orchester, entre outras.
Durante o seu amplo percurso, embora jovem, Filipa Nunes ganhou vários prémios internacionais. São de realçar o 3.º prémio no concurso “Marco Fiorindo International Competition“, Torino (Italy) 2010, o “Special Prize” no concurso “Orpheus Kammermusikwettbewerb”, Luzern (Switzerland) 2012, entre muitos outros. Recebeu, ainda, o voto de louvor da Câmara Municipal do Funchal, em 2013.
Como solista tocou com orquestras em muitos do mundo, como a Orquestra Nacional de Yerevan (Arménia), a Orquestra Clássica da Madeira (Portugal), a Basel Madrigalisten (Suíça), a Orchestre du Jura (Suíça) e a Orchestre des Lumieres (Suíça), entre muitas outras.
Quando questionada sobre o seu gosto pela música e quando este surgiu, Filipa Nunes responde que já nasceu com o gosto pela música, sendo que, para si, a música “é comunicação e mantém a história viva”, salientando que gosta “do facto de a música conectar pessoas de todas as nacionalidades, idades, diferentes backgrounds, pessoas de países “inimigos” fazem música juntas, etc.. Gosto de criar sentimentos para o público e adoro fazer parte da «nuvem de som» que criamos num coletivo de uma orquestra”, sublinha.
Todavia, Filipa Nunes continua a procurar o seu grande sonho. Este passa por trabalhar “numa casa de ópera na Europa central e tocar o anel de Wagner”, enaltecendo o farto de ter a sorte “de já estar na ópera de Zurique desde 2013 e a viver o meu sonho todos os dias”, afirma.
Quando confrontada com as oportunidades viventes em Portugal e na Suíça, Filipa Nunes está convicta de que existem mais oportunidade no país helvético. Para si a Suíça “é um país com muito mais dinheiro e muito mais aberto musicalmente. Aqui não interessa de onde a pessoa vem ou com quem estudou, todos têm oportunidades para tocar em orquestras desde que se tenha nível suficiente”, acrescentando que a “relação professor/a-aluno/a é diferente, é uma relação com mais respeito mútuo e a função do professor/a é ajudar o aluno a evoluir e nunca destruir a pessoa ou ameaçar não dar mais aulas, etc.. Há regras que têm que ser seguidas e por isso o sistema funciona bem e há bastante menos abuso de poder na Suíça. Além disso, para eu fazer o mestrado na Suíça foi bastante mais barato do que estudar em Lisboa, na altura pagavam-se cerca de 240 euros mensais em Lisboa e na Suíça 800 francos por semestre. E com bolsas e várias ajudas, coisa que em Portugal não consegui, apesar de me esforçar bastante”, lamenta Filipa Nunes, adicionando que na Suíça “valorizamos a individualidade e ideias musicais, coisa que por vezes não é bem-vista em Portugal. Sair da «norma» era estranho e não era comum em Portugal, no meu tempo em que lá estive. Mas, não saindo na norma soam todos iguais… e ninguém quer trabalhar com máquinas que toquem tudo, mas tudo “sem sal”… A minha geração está a mudar tudo isso e é muito agradável ver de longe como as coisas evoluem pela positiva, mesmo que muito lentamente”. enfatiza.
Para Filipa Nunes, havendo “mais dinheiro na Suíça, há naturalmente mais eventos e consequentemente mais oportunidades para tocar em várias formações que não são por convite, em que só se convidam os amigos, mas sim através de audições, onde qualquer pessoa se pode apresentar. Há chances para todos”, assegura.
Pelas razões que referiu, Filipa Nunes está convencida que se tivesse mantido a sua residência em Portugal não teria adquirido o brilhante percurso que tem até agora, referindo que em Portugal ouviu, diversas vezes, “que as pessoas das ilhas não têm nenhuma hipótese por não terem estudado com pessoa x ou y e que o nível é inferior de qualquer forma, etc.. Também me disseram que não valia a pena eu estudar porque como sou uma mulher vou «acabar só por ensinar numa escolinha de música e fazer filhos». Eram ideias pré-concebidas que nada têm a ver com a realidade, há talento e trabalho em todos os cantos do país e ser professor/a é uma das profissões mais importantes do mundo. Os professores são as pessoas que mais seres humanos formam. Eles formam a nova geração de músicos e ainda formam adultos que serão no futuro os nossos ouvintes, porque adoraram a experiência que tiveram com os professores e colegas e através deles conhecem a música clássica. Ter filhos ou não os ter não influencia se a pessoa é um bom profissional ou não, seja a pessoa mulher ou homem. Notei em Portugal uma desvalorização grande pelo papel dos professores em geral e das mulheres nas artes”, afiança.
Filipa Nunes não está arrependida de ter deixado, profissionalmente, Portugal, destacando que mal saiu do país começou a ganhar vários concursos, bolsas de estudo, audições e consequentemente a tocar em muitas orquestras, “coisa que em Portugal não aconteceu muitas vezes no curto período em que estive em Lisboa. Sair foi a melhor opção que alguma vez fiz, assim conheci outras culturas e desenvolvi a minha arte em direções que nunca pensei ser possível. E, tive oportunidades de mostrar quem eu sou musicalmente e tenho a honra de ter ganho um lugar na ópera de Zurique e outro a ensinar na universidade de Lugano. Lutei bastante. Estou muito feliz e grata por tudo o que tenho atingido!”, aviva a solista Filipa Nunes.