A portuguesa Mafalda Tenente, de 45 anos de idade, e que vive em Zurique, foi autora de uma exposição de pinturas, livros de artista e estampas, baseadas nas técnicas da pintura clássica japonesa, entre os dias 12 de maio e 7 de junho no Centro de Informação e Cultura do Japão (JICC) em Berna, sob o patronato da embaixada do Japão. A exposição foi inaugurada numa cerimónia oficial no dia 11 de maio com a presença do Embaixador do Japão na Suíça, Shiraishi Kojiro, da artista Malgorzata Tohkou Olejniczak e de outros alunos da escola de “sumi-e” na Suíça.
Mafalda Tenente é artista e editora independente, administradora independente e consultora de gestão. Vive na Suíça desde 2007, primeiro em Basileia e, mais tarde, em Zurique. Conversamos com esta artista sobre o seu trabalho e procuramos saber como se apaixonou pela cultura japonesa e como é a sua vida neste país helvético.
Que trabalhos expôs na Embaixada do Japão em Berna?
Na embaixada do Japão em Berna expus pinturas, livros de artista e estampas – obras originais criadas com tinta preta e suas gradações, segundo a tradição e técnicas da pintura clássica japonesa, também conhecida como sumi-e. Três das pinturas expostas tinham sido anteriormente premiadas em Tóquio entre 2019 e 2022, na maior exposição anual e competição internacional no Japão para esta categoria de arte. “Resistindo o Inverno – coruja de Blakistoni”, “Livre até ao derradeiro movimento – peixes-dourados” e “Castelo de Kanazawa”. “Castelo de Kanazawa” é a obra mais recente, premiada em fevereiro 2022.
Qual é a sua ligação com a cultura nipónica?
A minha ligação com a cultura nipónica é de aprendizagem da arte e cultura do país que se tem desenvolvido desde o meu primeiro encontro com os objetos residentes no Museu Nacional de Arte Antiga (MNAA), em Lisboa, e acabou por se tornar numa constante na minha diáspora pessoal. Desse primeiro encontro nasceu o desejo de aprender mais sobre a arte e cultura, numa primeira fase a través de livros e exposições de arte e literatura, a que se seguiram viagens pelo Japão. Não é fácil conter em palavras uma impressão completa desta ligação com o Japão. Desde que aterrei em Osaka pela primeira vez em 2009 tive essa sensação extraordinária de “chegar a casa”, num país do outro lado do mundo e sem perceber palavra. E, de cada vez que regresso, a sensação permanece a mesma. Deste contacto com arte, literatura e país surgiu o compromisso pessoal de aprender a língua, a chave principal de qualquer cultura. Estávamos em 2016 e foi nesse mesmo ano que tive a oportunidade de aprender pela primeira vez a pintura sumi-e, através da escola de sumi-e de Malgorzata Tohkou Olejniczak em Zurique. Pensei que fosse um ensaio esporádico, mas acabou por se revelar uma continuação da paixão e dedicação a arte japonesa. Um ano depois decidi começar a pintar todos os dias. Desde então, tenho sempre comigo um caderno e tinta para aproveitar qualquer pausa e oportunidade. As oportunidades de exposição ou prémios são os momentos públicos fugazes que surgem dessa dedicação pessoal diária. A pintura sumi-e é tal como a caligrafia ou a cerimónia do chá uma aprendizagem de escola, transmitida de professor para aluno. Para além dos meus estudos na Suíça, desde 2018, tenho a oportunidade de participar uma vez por ano nos cursos em Tóquio com o mestre japonês com a qual a minha escola está afiliada, Kobayashi Tohun. Infelizmente, esta oportunidade interrompeu-se em 2020, com a pandemia, mas espero poder regressar de novo em 2023. É através desta escola e afiliação artística que as minhas obras foram expostas em Berna.
Como avalia essa oportunidade?
Para mim é uma honra pessoal imensa expor neste espaço cultural, e ao mesmo tempo uma responsabilidade. O JICC é a “casa oficial” da cultura japonesa na Suíça. Expor em Berna é um reconhecimento para o artista a nível individual, e também dos esforços da nossa escola e do mestre Kobayashi Tohun para manter esta prática artística atual e relevante e difundir a sua apreciação além-fronteiras. Para além disso, como a única artista de origem lusa nesta exposição, sinto ao mesmo tempo uma certa responsabilidade. Como se eu também agora fizesse parte dessa ligação invisível entre as duas nações, como se o fio contínuo de história e arte que nos trouxe os tesouros no MNAA se estendesse ao meu braço e pincel de cada vez que tocam o papel. Cada oportunidade de expor em publico é simultaneamente uma oportunidade de regresso pessoal ao Japão e uma forma de criar encontros para outros com o Japão.
Onde trabalha?
Crio as minhas obras e livros desde Zurique, mas, na realidade, posso criar em qualquer lugar onde me encontro. Tenho sempre um caderno ou postais na carteira prontos para uma pausa criativa ou diário de viagem. É desde Zurique também que exerço as minhas outras atividades profissionais. Depois de uma carreira internacional como líder comercial em grandes empresas globais na indústria farmacêutica, sou atualmente administradora independente com mandatos no Casino Interlaken AG e na INSEAD Alumni Association Switzerland.
Como é viver na Suíça?
A Suíça é um pais especial, simultaneamente cosmopolita e com elevado nível de envolvimento local, sinónimo de inovação e liberalismo económico sem perder de vista o equilíbrio e qualidade de vida. Viver na Suíça e ter a oportunidade de criar uma carreira diversa, simultaneamente artista e empreendedora. Estabelecer pontes com outras culturas e ao mesmo tempo estar sempre a dois passos de um espaço verde.
De onde é natural em Portugal?
Sou natural do Porto e cresci não muito longe da praia da Boa Nova (Leça da Palmeira, concelho de Matosinhos). Quando organizei a minha primeira exposição individual em 2021 compreendi finalmente que a minha ligação nipónica, esse sentimento de “chegar à casa” que me acompanha desde a primeira viagem, deve-se bastante à minha infância e história nesse outro lugar junto ao mar.
Como é o seu trabalho…
Eu pinto exclusivamente com as técnicas tradicionais de sumi-e, com tinta e água sobre papel, em vários formatos. Normalmente pinto para tentar registar a poesia de um aspeto particular da estação do ano e da natureza do sítio onde me encontro. Os meus temas e espaços preferidos são aves e natureza ou ainda as paisagens japonesas, mas também me deixo inspirar bastante pela literatura e poesia japonesa. Existem três aspetos que são muito importantes no meu trabalho: Realçar a natureza e a importância da sua conservação para o nosso bem-estar quotidiano; apoiar e dar a conhecer aspetos da cultura e artes tradicionais japonesas; Demonstrar que a criatividade está ao alcance de todos e faz igualmente parte de uma receita de sucesso no mundo artístico como empresarial.
O que é a pintura tradicional (Sumi-e)?
A pintura Sumi-e é literalmente pintura ou imagem – “e” criada com tinta – “sumi”. Trata-se de uma tradição asiática milenar de pintura, com origem na China. Este tipo de pintura está originalmente associado à introdução do budismo zen no Japão, e partilha assim muitos princípios com outras artes tradicionais japonesas, como a caligrafia ou a cerimónia do chá. Este tipo de pintura é também conhecido por Suibokuga ou pintura (“ga”) com tinta (“boku”) e água (“sui”). Ambas expressões contem aspetos essenciais da pintura. É essencialmente monocromática, em preto e branco. Um artista sumi-e deve ser capaz de exprimir todas a cores através da mestria na combinação de quatro elementos – tinta preta e água no pincel e perícia no contacto do pincel com o papel. A pintura sumi-e procura representar apenas os dois ou três aspetos essenciais de um objeto, sem detalhes supérfluos. A prática de sumi-e não tem como objetivo a perfeição na representação, deve ser o resultado do instante particular em que a obra foi criada e refletir uma certa espontaneidade e poesia.
Quem é Mafalda Tenente?
Mafalda Tenente é uma artista sumi-e e editora de livros de artista que partilham detalhes e aspetos curiosos da natureza e artes tradicionais japonesas, baseada em Zurique. Nascida no Porto, licenciada em Economia pela Universidade do Porto e com um MBA e Executive Certificate in Corporate Governance do INSEAD, é agora administradora não-executiva independente depois de uma carreira de sucesso como líder comercial em grandes empresas globais. Expõe ativamente desde 2017 na Suíça e no Japão, e as suas obras foram várias vezes premiadas em Tóquio desde então. Em 2021, participou na feira internacional de livros de arte em Zurique, Volumes Zurich. Em 2022, um conjunto de obras minhas foi exposta pela primeira vez numa exposição coletiva de pintura sumi-e no Centro de Informação e Cultura do Japão, sob o patronato da embaixada do Japão em Berna. Partilha regularmente as suas obras em instagram.com/mtenente e algumas das suas obras bem como os seus livros de artista estão disponíveis regularmente através do seu website mafaldatenente.com
Ígor Lopes