A 2 de Abril de 1976 foi aprovada a Constituição da República Portuguesa (CRP). Celebramos pois, neste mês, o 49º aniversário da magna carta do ordenamento jurídico português nascida no Portugal democrático.
A nossa Constituição foi aprovada por uma Assembleia Constituinte eleita nas primeiras eleições livres após a revolução dos cravos. Com efeito, a 25 de Abril de 1975 realizaram-se as eleições para uma Assembleia da República com poderes constituintes, i.e. para elaborar e aprovar aquela que ainda hoje é a Constituição da República Portuguesa. Abril é mês de várias efemérides relacionadas com a democracia portuguesa.
A revolução do 25 de Abril de 1974 pouco ou nada valeria, se não fosse consagrado juridicamente um Estado de Direito Democrático, uma República Constitucional, a separação dos diversos poderes (executivo, legislativo e judicial), a consagração do Estado laico, entre muitos outros – através da nossa verdadeira magna carta: a Constituição da República Portuguesa. Estes são alguns, se não os mais importantes, princípios fundamentais constitucionais actuais.
Todavia, ao comemorarmos os 49 anos da nossa Constituição há que salientar, como referiu o Prof. Doutor Jorge Miranda – Ilustre Professor de Direito e reputado Constitucionalista, o qual foi eleito deputado àquela Assembleia Constituinte, sendo considerado, para muitos, o pai da nossa Constituição – que volvidos estes anos “após a sua aprovação e através de várias vicissitudes internas e externas, a Constituição de 2 de abril de 1976 tornou-se a Constituição portuguesa mais duradoura a seguir à Carta Constitucional entre 1842 e 1910”.
Na verdade, numa celebração desta natureza, não poderá atender-se apenas à Constituição vigente e actual, mas reflectir um pouco sobre a História. A tendência natural é para centrar a discussão na actualidade do texto constitucional, confrontando o seu texto e contexto de 1976 com a realidade presente, e de que forma uma Constituição aprovada há 49 anos pela Assembleia Constituinte poderá dar resposta às necessidades, exigências e contexto do novo século e milénio. São frequentes os comentários de que muito do que consta da Constituição está por cumprir ou que “Abril está por cumprir”. Mas jamais poderemos deixar de efectuar uma análise séria, se esta não for comparativa face a outros períodos da nossa História, e ainda a outros países. Uma análise simplista já surgira com a generalidade das Constituições de muitos Estados de Direito Democrático aprovadas no pós-guerra 2ª Guerra Mundial ou até mesmo antes de tal marco histórico. Nenhuma Constituição nacional pode ter a pretensão de dominar, conter e regular (de forma autossuficiente), fenómenos jurídicos, económicos, financeiros, sociais e de saúde, cada vez mais de natureza essencialmente transnacional e global. A pandemia que assolou Portugal e o planeta, bem como as guerras que o mundo enfrenta, são fenómenos que nos convocam para uma reflexão na qual: (1) é impossível um enquadramento jurídico e um controlo político de tais fenómenos num ambiente estritamente nacional; (2) é imperiosa a necessidade de cooperação internacional e de integração supranacional. Isto urge cada vez mais, pese embora o desrespeito crescente pelo Direito Internacional. Ou talvez assim seja mesmo necessário devido a tal fenómeno lamentável.
Por outro lado, é certo que quer no plano nacional, quer a nível internacional, surgem fenómenos de erosão da autoridade estatal e da regulação uniforme da vida social. A desconfiança no sistema político consagrado cresce. Aumenta o alheamento relativamente às formas tradicionais de fazer política, surgindo novos movimentos e sensibilidades sociais, nomeadamente o populismo. Isto, além dos novos modos de comunicação advenientes das novas tecnologias e da globalização – mesmo que haja movimentos que se afirmem paradoxalmente contra esta globalização, mas que crescem graças à mesma. No fundo, novas realidades que tudo e todos assustam. Mas a Constituição deve, acima de tudo, assegurar um quadro de exercício universal dos direitos fundamentais num Estado de direito que simultaneamente assegure a participação e a deliberação democráticas. Pelo que a Constituição que agora se pudesse desejar, não poderia, nem deveria ser, muito distinta da Constituição que nasceu após a Revolução de 1974, ou com as revoluções liberais dos finais do século XVIII. Isto é, também agora a Constituição é, e deve ser, baseada na garantia dos direitos fundamentais e da separação de poderes (executivo, legislativo e judicial), sem os quais, como resulta da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, um país não tem Constituição.
A concepção do que são e quais são os direitos fundamentais mudou. Mas também mudou a concepção da separação de poderes. Porém, estruturalmente, o Estado de direito democrático do nosso tempo assenta naqueles mesmos pilares em que assentava a Constituição dos tempos liberais. E deve notar-se que, em qualquer destes dois domínios – direitos fundamentais e separação de poderes – a Constituição de 1976 foi já tão progressista que influenciou a Constituição espanhola (1978) e a brasileira (1988), ou inspirou ainda as Constituições dos Estados africanos de língua portuguesa (CPLP) após a democratização destes, bem como a Constituição de Timor-Leste após a sua independência. Face ao teor da nossa Constituição, Portugal pôde subscrever e/ou ratificar várias Convenções e Tratados Internacionais (entre muitos outros destacamos a Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 1978; a adesão à então CEE, 1986; o Tribunal Penal Internacional, 1993).
Portugal assumiu “contratualmente” e de forma solene, com a aprovação da Constituição de 1976, os princípios da revolução de 25 de Abril de 1974. E os portugueses devem ter orgulho em tal feito! Portugal deixou de ser um pária internacional, “orgulhosamente só”, e é, actualmente, um Estado presente no palco internacional, com credibilidade, respeitabilidade e prestígio, seja na liderança dos destinos da União Europeia, da ONU, e de tantas outras organizações internacionais.
As dificuldades económicas vividas pelos portugueses são sempre invocadas, nestas ocasiões. Contudo, e como bem sintetizava o ilustre constitucionalista, Prof. Doutor Gomes Canotilho, “Não é claro que vamos ter mais dinheiro, mas podemos ter uma sociedade mais equilibrada”. E assim se confirmou: 49 anos volvidos há, portanto, boas razões para festejar este aniversário da nossa Constituição e, apesar dos desafios e dificuldades, confiar no futuro.
Saibam os portugueses: preservar os valores democráticos (como sempre souberam), evitar o crescimento dos extremismos, fundamentalismos e radicalismos e jamais permitir que a democracia se torne autofágica. Saibamos, enquanto povo, acolher e integrar bem os imigrantes, tal como os nossos emigrantes foram acolhidos nos mais variados destinos da diáspora.
Saiba Portugal acentuar a integração europeia e a afirmação internacional. Porque assim será mais fácil, enquanto povo e país, superarmos as dificuldades, como os últimos anos o têm demonstrado.
Emanuel Teixeira, Advogado
Teixeira, Pino & Associados, Sociedade de Advogados, R.L.