1 – O CERN
O que tem a física de partículas
a ver com o quotidiano?
O CERN foi fundado em 1954 com o objetivo de relançar o desenvolvimento científico na Europa, através da colaboração com fins pacíficos. Conta atualmente com 23 Estados-membros, tendo Portugal aderido em 1986. A missão do CERN assenta em quatro pilares:
Investigação – Entender de que é feito o Universo e como funciona, utilizando aceleradores, detetores e computadores, na vanguarda da tecnologia.
Colaboração – Desde a sua criação, é um modelo de laboratório aberto e inclusivo, independentemente das diferenças culturais, religiosas ou políticas.
Tecnologias e Inovação – Para a criação e operação dos seus aceleradores e detetores de partículas, o CERN necessita desenvolver novas tecnologias de ponta, não disponíveis atualmente na indústria. Em conjunto, profissionais de ciência, de engenharia e de tecnologia, têm vindo a desenvolver soluções inovadoras, que acabam por ter aplicações em domínios na sociedade que vão muito além da Física de Partículas.
As parcerias com a indústria têm permitido que estes desenvolvimentos cheguem rapidamente à sociedade para benefício de todos, através de acordos de transferência tecnológica nos campos mais diversos: diagnóstico médico, imagiologia raios-X a cores e 3D, radioterapia do cancro, isótopos para medicina nuclear, ciência dos materiais, aerospacial, automóvel, ambiente, herança cultural, etc. Sem esquecer aliás que foi no CERN que Tim Berners-Lee criou a World Wide Web, há 34 anos.
Educação e Formação – O CERN tem também estado empenhado no desenvolvimento da literacia científica, gerando conhecimentos especializados e proporcionando oportunidades de formação, para o público em geral, professores de vários níveis, e estudantes de Mestrado e Doutoramento. Na sociedade atual, a falta de literacia científica e o fenómeno crescente das “fake news” tornam premente aproximar a física moderna, e o método científico em geral, ao discurso curricular da escola.
Um dos mais importantes programas de formação do CERN visa os professores, porque contribui para atrair futuros colaboradores. Muitos dos cientistas que ali trabalham tiveram algum professor que os motivou para o estudo da física ou da engenharia.
2 – A Escola
de Professores no CERN
O que tem a língua
a ver com física de partículas?
Desde 2006 o CERN organiza, anualmente e durante uma semana, uma escola para professores de física do ensino secundário, na língua nacional de cada país membro. Portugal juntou-se logo ano seguinte, e a partir de 2009-2011 estendeu progressivamente o programa a professores oriundos de outros países de língua oficial portuguesa (Brasil, África e Ásia).
A língua comum permite à audiência expor questões científicas mais ou menos complexas, sem se preocupar com uma língua terceira (tipicamente o inglês). Além disto, estreitam-se fortemente os laços entre a comunidade científica de língua portuguesa e as comunidades educativas do ensino secundário. Permite também potenciar o desenvolvimento de projetos comuns.
Ao cabo destas 15 edições, 819 professores de língua portuguesa frequentaram a escola. Subsequentemente, estes professores têm tido a oportunidade de propagar conceitos e tecnologias da física e ciência moderna a um número crescente de alunos.
Em 2023 e pelo segundo ano consecutivo, o Camões, I.P. apoiou financeiramente a participação, nesta importante semana de formação, dos professores vindos dos países africanos e asiáticos de língua oficial portuguesa. A Coordenação do Ensino Português (CEPE) na Suíça também se aliou a esta iniciativa, sublinhando o papel fulcral da competência linguística, para a compreensão de mensagens específicas de domínios tecnológicos e para a comunicação em geral. A intervenção “Língua: um acelerador de aprendizagens?” chama a atenção para a importância da língua e da interação na sala de aula, com vista à promoção de aprendizagens significativas.
Com efeito, a interação na sala de aula pode ser considerada a característica simultaneamente mais estimulante e mais difícil no processo de ensino e aprendizagem. Estimular, motivar e incutir nos alunos o prazer de descobrir, o gosto de aprender e de imaginar é o desafio quotidiano de qualquer professor. A aquisição do conhecimento é processada essencialmente através da linguagem. Os conteúdos de aprendizagem são apresentados predominantemente com termos linguísticos. Assim, a intervenção da CEPE Suíça sugere a exploração de caminhos que incluem a atenção à língua portuguesa nas atividades da sala de aula, potenciando-a enquanto acelerador da aprendizagem da ciência.
Esta intencionalidade pedagógica diz respeito à consciencialização de que muitas dificuldades na aprendizagem dos conteúdos curriculares – em todos os níveis e até no ensino superior – são, de facto, dificuldades de linguagem, de compreensão e de expressão.
Nesta participação na Escola de Professores no CERN em Língua Portuguesa, a CEPE Suíça apresentou atividades que ligam a pintura, a literatura, e o cinema à física, como forma de prestar atenção ao modo de extrair significado de um conteúdo, fornecendo instrumentos aos professores para ajudar os alunos a fazer o caminho da interpretação e compreensão. Nestas atividades, que à partida podem parecer fora do âmbito disciplinar, trabalham-se os bastidores da compreensão e expressão de ideias dos alunos. Estas ferramentas do pensamento permitem assim ao professor e aos próprios alunos recolher informação preciosa sobre estratégias e processos de aprendizagem. Estas atividades inscrevem-se numa visão não redutora e não segmentada do conhecimento e atuam como facilitadoras da compreensão e expressão linguística, apoiando a construção do conhecimento de âmbito disciplinar e motivando para a aprendizagem em regime multidisciplinar e de interligação de conceitos.
Tal como o CERN, dedicando-se ao estudo dos constituintes e leis fundamentais do Universo, acelera o desenvolvimento da tecnologia, a competência linguística acelera o processo de aprendizagem.
A um ano da celebração dos seus 70 anos, este laboratório de investigação, localizado na fronteira franco-suíça perto de Genebra, inaugurou no dia 7 de outubro o Science Gateway, projetado pelo famoso arquiteto italiano Renzo Piano. Será um centro de educação e divulgação de ciência por excelência, único no mundo, com exposições imersivas, interativas e atividades educativas práticas, disponíveis em várias línguas, que farão chegar a ciência a pessoas de todas as idades e pertenças culturais e linguísticas.
Lurdes Gonçalves: Coordenadora do Ensino Português (CEPE) na Suíça, Camões, I.P.
Paulo Gomes: CERN Management Liaison Officer for Portugal,
e Presidente da Associação dos Graduados Portugueses na Suíça (AGRAPS)
Pedro Abreu: Coordenador das Escolas de Professores no CERN em Língua Portuguesa, Investigador e Coordenador para a Divulgação no LIP, Professor Associado no Instituto Superior Técnico