› Liliana Azevedo
No passado dia 04 de novembro de 2022, foram apresentados, no Iscte, em Lisboa, alguns dos resultados do projeto “Expectations of return of new Portuguese emigrants living in Switzerland” que se realizou no âmbito de um financiamento Seed money for joint swiss-portuguese academic projects, uma iniciativa conjunta do Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos (CCISP) e da University of Applied Sciences Western Switzerland (HESSO).
O projeto teve uma dupla coordenação, da HETS – Haute Ecole de Travail Social de Genebra e do IPL – Instituto Politécnico de Leiria, e foi realizado em parceria com o CIES-Iscte e o nccr – on the move da Universidade de Neuchâtel.
O projeto centrou-se na análise dos fluxos migratórios mais recentes de Portugal para Suíça e vice-versa, mais concretamente, no período desde o início do século XXI. A Suíça foi um dos principais destinos dos fluxos emigratórios nas últimas décadas. Estes, porém, têm vindo a abrandar significativamente desde 2014. Em contrapartida, o número de saídas de portugueses duplicou em poucos anos, situando-se acima das dez mil saídas anuais, desde 2018, quando eram menos de cinco mil em 2013. Assim, um dos objetivos centrais deste projeto de investigação era de identificar os fatores que influenciam os movimentos migratórios entre estes dois países e, em particular, o movimento de regresso a Portugal.
Além de uma análise estatística sobre migrantes portugueses/as na Suíça com base em dados longitudinais desenvolvidos pelo nccr – on the move, o projeto incluiu um inquérito sobre práticas transnacionais e intenções de regresso realizado online no ano 2020 e um conjunto de entrevistas exploratórias com portugueses/as chegados/as à Suíça após o ano 20000, com o objetivo de recolher informação sobre os processos de emigração e integração e sobre eventuais intenções de regresso a Portugal.
A conferência, realizada em formato híbrido, foi a ocasião de apresentar e discutir os resultados destas atividades. Permitiu também estabelecer uma colaboração entre investigadores/as portugueses/as e suíços/as no campo dos estudos migratórios.
O demógrafo Philippe Wanner, da Universidade de Genebra, salientou que o saldo migratório entre Portugal e a Suíça é negativo desde 2017, havendo mais saídas de portugueses do que chegadas. Um inquérito realizado pelo nccr – on the move revela que, em comparação com pessoas inquiridas de outros países da U.E., os portugueses são quem apresentam as intenções mais elevadas de ficar na Suíça alguns anos apenas. Os dados estatísticos disponíveis revelam que os níveis de formação influenciam os comportamentos de regresso e que os portugueses altamente qualificados permanecem com maior frequência na Suíça. Ora, a Suíça continua a atrair principalmente portugueses com baixas qualificações.
Os sociólogos José Carlos Marques, do Instituto Politécnico de Leiria, e Pedro Góis, da Universidade de Coimbra, apresentaram os resultados do inquérito online realizado a portuguesas e portugueses que emigraram para França, Luxemburgo, Reino Unido e Suíça após o ano de 2000 no quadro de um projeto mais vasto financiado pela FCT (ERNEEP – Experiências e expetativas de regresso dos novos emigrantes portugueses). Os resultados revelam que é na Suíça que se situam as intenções mais elevadas de regresso: 52% das pessoas inquiridas na Suíça, no Luxemburgo e na França situam-se em 45% e no Reino Unido abaixo dos 40%. Por outro lado, quase um terço dos respondentes afirma estar indeciso, no momento do inquérito, relativamente a se pretende ficar emigrado ou regressar a Portugal. Outro dado interessante: cerca de metade das pessoas inquiridas na Suíça afirma não saber quando irá regressar, embora um terço faça planos para voltar até 2025. Já, as razões que motivam o regresso são semelhantes no caso da Suíça e dos restantes países. Em todos os países que participaram no inquérito, as pessoas inquiridas explicam a vontade de regressar por razões de ordem afetiva, como a família, e estilo de vida, ou o clima. Uma diferença surge, no entanto, no caso Suíça: é, de facto, o único país, onde o regresso está também associado uma vontade de iniciar um negócio em Portugal. Uma diferença que se poderá dever ao sistema de previdência social naquele país e ao facto de ser possível mobilizar o capital acumulado para a reforma (conhecido como fundos do 2º pilar ou LPP) quando se sai definitivamente do país.
A terceira apresentação esteve a cargo das sociólogas Liliana Azevedo, do CIES-Iscte, de Marta Marques e Milena Chimienti, ambas da HETS de Genebra e centrou-se na análise das entrevistas realizadas com migrantes recentes na parte francófona da Suíça. Se o regresso faz parte das intenções iniciais de uma maioria de portugueses que emigraram, o projeto de regressar por também dever-se a dificuldades em permanecer na Suíça, salientaram as investigadoras. Em caso de situações que constituem barreiras à integração socioprofissional, como o desemprego prolongado ou a doença, é frequente as pessoas entrevistadas porem a hipótese de regressarem. A reforma é outro dos momentos em que o regresso é mais provável de acontecer, devido a dificuldades financeiras para permanecer num país com um custo de vida elevado, quando a carreira contributiva incompleta.
A conferência incluiu uma mesa-redonda com intervenientes de diferentes esferas da sociedade para discutir os desafios e as oportunidades do regresso de portugueses emigrados na Suíça. Entre as várias questões debatidas ao longo da hora e meia eu durou o debate, destaca-se a necessidade de mais e melhores canais de comunicação entre Portugal e os seus cidadãos emigrados. Não basta disponibilizar informação online, os sites onde essa informação se encontra têm se ser divulgados e estarem numa linguagem acessível.
Jorge Oliveira, Diretor dos Serviços Regionais da Direção Geral dos Assuntos Consulares e das Comunidades Portuguesas, falou, entre outras questões, da importância do segundo pilar na decisão de regressar. Afirmou que estas contribuições complementares à pensão de reforma representam uma verba que permite a quem regressa da Suíça fazer investimentos ou adquirir bens em Portugal. Lamentou a falta de preparação para o regresso de um grande número de pessoas e a falta de informação adequada disponível no país de residência. Relembrou ainda que uma das condições para beneficiar ao programa “Regressar” é ter um emprego, sendo este um programa dirigido a pessoas que pretendam prosseguir com as suas vidas profissionais em Portugal.
Marília Mendes, Delegada no sindicato suíço UNIA, afirmou que existe, na Suíça, um discurso ante estrangeiros e relembrou, a título de exemplo, a iniciativa “Contra a imigração em massa” que se realizou em 2014. Destacou a precariedade legal de algumas pessoas e o risco de perderem a autorização de residência caso precisem de recorrer à assistência social em situações de fragilidade económica. Destacou ainda as dificuldades dos portugueses na idade da reforma cujas pensões baixas não se compadecem com o nível de vida na Suíça e são uma das principais razões para o regresso dos portugueses e portuguesas com mais idade.
Gregor Zemp, Secretário-Geral da Câmara de Comércio e Indústria Suíça em Portugal congratulou-se com as experiências enriquecedoras que as pessoas que vêm de fora trazem e que constituem um potencial inovador para a economia portuguesa. Alertou, no entanto, para possíveis dificuldades de integração no mercado de trabalho português, dificuldades que podem acarretar uma certa frustração e suscitar a vontade de reemigrar. Neste sentido, salientou a necessidade de Portugal ir além das medidas políticas para atrair os portugueses emigrados, pois “precisam de encontrar um país onde queiram ficar” e isso passa, por exemplo, pela aposta nas infraestruturas, frisou.
Adélio Amaro, Diretor da Gazeta Lusófona, procurou dar uma visão mais contrastada da realidade. Por um lado, há quem regresse à procura de qualidade de vida em Portugal e porque pretende fazer investimentos e ter mais do que somente um emprego. Por outro lado, há pessoas que não pensam em regressar porque alcançaram uma estabilidade e qualidade de vida superiores na Suíça. Salienta ainda que há uma nova geração de emigrantes com uma outra visão e que, a voltar para Portugal, não pretende regressar para perto da família, mas antes investir onde possa ter uma fonte de rendimento se um dia regressarem. Lamentou a falta de reconhecimento de Portugal que as e os emigrantes que vivem na Suíça sentem e defendeu uma maior proximidade entre as instituições portuguesas e a população emigrada, destacando o papel dos media da diáspora na divulgação de todo tipo de informações.
Por último, Jorge Malheiros, Investigador no Instituto de Geografia e Ordenamento do Território da Universidade de Lisboa, sublinhou que a migração portuguesa é, hoje em dia, muito diferente, pois mesmo as pessoas menos qualificadas estão mais bem informadas e formadas. Realçou que os processos são mais curtos, nomeadamente os ciclos económicos, pelo que é normal que os ciclos migratórios também sejam mais curtos e se circulem mais entre países. Mais do que respostas, levantou um conjunto de questões: como podem as pessoas regressadas contribuir para o desenvolvimento, não só económico, mas também social, cívico e ecológico, por exemplo? Que desequilíbrios regionais estão a ser criados? Que respostas dar não só aos jovens que regressam mas também às pessoas mais velhas num cenário de aumento da esperança de vida? Por fim, destacou a necessidade imperativa de se pensar mais seriamente na simplificação administrativa para todos, quem vem de fora e quem já cá está.
Um livro, que reúne estes e outros contributos sobre a temática da nova emigração portuguesa e o regresso, coordenador por José Carlos Marques e Pedro Góis, encontra-se em preparação e será publicada no primeiro semestre de 2023 pelas edições Almedina.
Fotografias: CIES-Iscte