A cantora lírica suíça Nathalie D’Ornano, de 53 anos, comprou, em março de 2019, o Convento de São João de Cabanas, em Afife, Viana do Castelo, onde viveu durante dois anos. Mais recentemente, iniciou obras de remodelação no local para o abrir ao público como guesthouse e espaço para festas, eventos e iniciativas artísticas e culturais. A intervenção profunda, que pretende manter a traça original e as antigas funções do mosteiro, representa um investimento de cerca de um milhão de euros e deverá ser concluída em junho de 2023.
No passado, o local foi habitado por monges beneditinos e pertenceu à família do escritor e poeta português Pedro Homem de Mello, que chegou mesmo a morar no local.
Paixão suíça por Afife
A soprano suíça também abriu em julho o “Café de Cabanas”, um espaço junto ao caminho para Santiago de Compostela.
“É uma história de amor. Uma folie (loucura). Fiquei completamente enamorada. De tudo. Da Natureza, do jardim, do edifício, do ribeiro e da energia que é muito boa aqui”, contou à imprensa Nathalie, que comentou que “quando entrei na igreja, senti uma conexão imediata”.
Esta artista suíça confessa que o passado do convento lhe diz muito.
“É uma casa inspiradora. Pedro Homem de Mello era escritor, amava música, Amália Rodrigues, dança, o folclore. Sinto-me inspirada aqui. É um lugar de criatividade. De arte. Sinto que esta é a minha missão”, sublinhou.
Nathalie D’Ornano já cantou ópera no interior da igreja do convento e garante que “a acústica é maravilhosa”.
O arquiteto Fernando Cerqueira Barros é o responsável pelo projeto de requalificação do local.
“Será uma guesthouse, com serviço de refeições, incluindo menus diários, com produtos da quinta. Estamos a recuperar a cozinha do mosteiro”, afirmou Fernando à imprensa, e ressaltou que “há muito espaço para realização de eventos como casamentos ou congressos, e as mais diversas iniciativas culturais e artísticas, desde masterclasses, concertos, cinema, literatura e até workshops de cozinha biológica com produtos cultivados nas terras do próprio convento, além de área de cultivo de produtos agrícolas, a propriedade possui um laranjal e um roseiral”.
O convento de São João de Cabanas foi fundado em 564. De arquitetura religiosa, maneirista, pertenceu à Ordem de S. Bento (1382). Foi remodelado no século 17 e mantém até hoje o mesmo perfil arquitetónico. Foi comprado em 1897 por Cunha Pimentel, antigo Governador Civil do Porto, avô de Pedro Homem de Mello.
Um nome de vulto na cultura portuguesa
Pedro da Cunha Pimentel Homem de Mello nasceu no Porto, em 6 de setembro de 1904, e faleceu na mesma cidade em 5 de março de 1984. Foi um poeta, professor e folclorista português.
Era filho de António Homem de Mello de Macedo e de sua mulher, Maria do Pilar da Cunha Pimentel Homem de Vasconcelos, além de sobrinho de Manuel Homem de Mello da Câmara, 1.º Conde de Águeda. O seu pai pertenceu ao círculo íntimo do poeta António Nobre.
Criado numa família de ideais monárquicos, católicos e conservadores, as raízes do seu lirismo bem português mergulham na própria vivência íntima e na profunda sintonia com o povo, cuja alma se lhe abria através do folclore, tendo por cenário a paisagem do Minho.
Iniciou o curso de Direito na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, acabando por se licenciar na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, em 1926.
Tendo iniciado a sua carreira como advogado, optou posteriormente por se dedicar ao ensino do Português em escolas técnicas do Porto (Mouzinho da Silveira e Infante D. Henrique), tendo sido diretor da Mouzinho da Silveira.
Poeta da Presença, em cuja revista colaborou, foi também colaborador das revistas Altura (1945) e Prisma (1936-1941), no semanário Mundo Literário (1946-1948) e na revista Litoral (1944-1945).
Apesar de reconhecida por numerosos críticos, a sua vasta obra poética, eivada de um lirismo puro e pagão, claramente influenciada por António Botto e Federico García Lorca, está injustamente votada ao esquecimento. Não obstante, permanecem até hoje muito populares os seus poemas cantados Povo que Lavas no Rio e Havemos de Ir a Viana, imortalizados na voz Amália Rodrigues, e O Rapaz da Camisola Verde, já interpretado por Amália Rodrigues, Frei Hermano da Câmara ou Sérgio Godinho.
Entusiástico e estudioso do folclore português, dedicou a este campo diversos ensaios como A Poesia na Dança e nos Cantares do Povo Português, Danças Portuguesas e Danças de Portugal, além de um programa na RTP. Nesse âmbito chegou a criar e a patrocinar alguns ranchos folclóricos do Minho e colaborou com o Orfeão Universitário do Porto no âmbito de recolhas etnográficas para os seus grupos folclóricos.
Foi membro dos júris dos prémios do Secretariado da Propaganda Nacional.
Afife foi a sua terra de adoção. Ali viveu durante anos num local paradisíaco, no Convento de Cabanas, junto ao rio com o mesmo nome, onde escreveu parte da sua obra, “cantando” os costumes e as tradições de Afife e da Serra de Arga.
A Câmara Municipal de Lisboa homenageou o poeta dando o seu nome a uma rua em Chelas.
A 24 de agosto de 1985, foi agraciado, a título póstumo, com o grau de Comendador da Ordem do Infante D. Henrique.
Ígor Lopes