Primeiro-Ministro António Costa
“As minhas primeiras palavras são dirigidas à Dr.ª Maria José Ritta, aos seus filhos Vera e André, ao seu irmão Daniel, a toda a sua família, os seus amigos, ao Partido Socialista e a todos aqueles que, ao longo da vida, trabalharam, conviveram e partilharam a vida com o Dr. Jorge Sampaio. A todos e com todos, partilho um profundo sentimento de tristeza e de perda neste momento.
O Dr. Jorge Sampaio exerceu as suas funções políticas com o mesmo sentido cívico, de militância e de convicção com que, em 1962, assumiu a liderança do Movimento Estudantil de combate à ditadura. E nos últimos anos, já não tendo nenhuma função oficial, assumiu o encargo de lançar uma plataforma internacional para que os refugiados sírios pudessem prosseguir os seus estudos universitários e concluí-los com sucesso.
Para Jorge Sampaio, o exercício dos seus múltiplos cargos políticos, foi sempre e só mais uma forma de exercer a sua cidadania.
Foi membro do Governo, nos difíceis tempos dos Governos Provisórios, foi Deputado apaixonado, líder parlamentar no momento em que a Democracia já estava consolidada. Deu um contributo notável ao prestígio do poder local democrático concorrendo e vencendo por duas vezes as eleições para a Presidência da Câmara Municipal de Lisboa. E, finalmente, exerceu o mais alto magistério sendo eleito e reeleito Presidente da República, honrando o lema com que concorreu: “um por todos e todos por um”.
O Conselho de Ministros eletrónico [que se realizou esta manhã], decretou o luto nacional pelo período de três dias para amanhã, domingo e segunda-feira.
E, em contacto com a família, serão ainda hoje anunciadas as datas, os locais e o horário dos diferentes momentos das cerimónias fúnebres.
Em nome do Governo e, estou certo, de que em nome da generalidade dos Portugueses, à sua família, mais uma vez, apresento as sentidas condolências.
Curvamo-nos todos na memória de alguém que foi um exemplo, um lutador pela liberdade, pela Democracia e que tanto, tanto prestigiou com a sua verticalidade ética a nossa vida política.”.
Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa
“Acabei de exprimir à família do Presidente Jorge Sampaio, em dor, o pesar de todos vós.
Lutando, mas serenamente, nos deixou hoje o Presidente Jorge Sampaio.
Lutando serenamente. Como sereno foi o seu testemunho de vida, ao serviço da liberdade e da igualdade.
Sereno na sua luminosa inteligência.
Sereno na sua profunda sensibilidade.
Sereno na sua paciente, mas porfiada coragem.
Jorge Sampaio nasceu e formou-se para ser um lutador e a causa da sua luta foi uma: a liberdade na igualdade.
Na carismática afirmação, no movimento estudantil do início dos anos 60.
Na defesa, em tribunais plenários, dos presos políticos durante a ditadura.
Na representação externa da democracia nascente.
Na construção de pontes, década após década, entre formações diversas, no seu hemisfério político e para além dele.
Na adesão ao Partido Socialista, de que viria a ser deputado, líder parlamentar e líder nacional.
Na formação da primeira e mais vasta coligação pré-eleitoral de esquerda da nossa História democrática.
Na Presidência da Câmara Municipal de Lisboa, após uma rara campanha de ideias, com visão estratégica, prioridade aos mais pobres e excluídos, preocupação com as pessoas, os seus sonhos, os seus dramas, a sua realidade.
Na devotada e prestigiante Presidência de Portugal.
Lançando a Cimeira de Arraiolos, com todos os Chefes de Estado europeus eleitos não presidencialistas.
Criando a COTEC, com empresários portugueses, espanhóis e italianos, pela inovação e responsabilidade social.
Recriando as Presidências abertas do seu antecessor, com a constante presença de Maria José Ritta.
Podendo ter-se resignado ao caminho mais fácil do jurista respeitado, da quietude da sua origem social, do natural ascendente da sua cultura, do seu pensamento, da sua oratória, escolheu o caminho mais ingrato, da solidariedade para com os que mais sofriam, do convívio com o concreto, da privação da sua saúde, frágil, em exaustivos e desgastantes labores.
Ninguém esquecerá momentos únicos dessa entrega.
As intervenções decisivas desse furacão ruivo na Alameda da Universidade de Lisboa, em 1962.
A madrugada da libertação dos detidos em Caxias, após o 25 de Abril.
A conversa com Álvaro Cunhal, antes da segunda volta da eleição de Mário Soares, em 1986.
A travessia, em noites de vendaval, dos bairros de lata da capital, que, com o Governo de então, conseguiu extinguir.
Os meses sem dormir, passados, nesta casa, em Belém, por causa de Timor-Leste.
A oposição à intervenção no Iraque.
A dedicação à saúde pública global – herança do magistério paterno – e ao diálogo entre religiões, culturas e civilizações.
O exemplar acolhimento dos refugiados sírios, fugidos das tragédias das guerras.
E, sempre, as lágrimas genuínas do homem bom, porque era um homem bom, na partilha da alegria tal como da dor alheias.
Jorge Sampaio deixou-nos hoje com um duplo legado.
Duplo – porque feito de liberdade, mas também de igualdade.
Duplo – porque feito de inteligência, mas também de sensibilidade. Porque provou que se pode nascer privilegiado e converter a vida na batalha pelos não privilegiados.
Sempre lutando, mas com serenidade. Aquela serenidade que une a força das convicções ao respeito por cada um e por todos os demais. De bem com todos e todos de bem com ele.
A corajosa serenidade de um grande Senhor da nossa Democracia, de um grande Senhor da nossa Pátria comum.”.
Ambas as declarações foram proferidas no dia 10 de setembro de 2021.
Jorge Sampaio (1939-2021)
Jorge Fernando Branco de Sampaio nasceu em Lisboa, em 18 de Setembro de 1939, filho de Arnaldo Sampaio, médico, especialista em Saúde Pública, e de Fernanda Bensaude Branco de Sampaio, professora particular de inglês. Era casado com Maria José Ritta e tem dois filhos, Vera e André.
Desde a infância, fez estudos musicais e, por imperativo da carreira do pai, passou largo tempo nos EUA e na Inglaterra. Frequentou os estudos secundários nos liceus Pedro Nunes e Passos Manuel.
Em 1961, licenciou-se em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Na Universidade, desenvolveu uma relevante actividade académica, iniciando, assim, uma persistente acção política de oposição à Ditadura. Foi Presidente da Associação Académica da Faculdade de Direito (1960-61), e Secretário-Geral da Reunião Inter Associações Académicas (1961-62).
Teve uma intensa carreira de advogado, que se estendeu por todos os ramos de Direito, tendo desempenhado também funções directivas na Ordem dos Advogados. Teve um papel de relevo na defesa de presos políticos, no Tribunal Plenário de Lisboa.
Como opositor à Ditadura, candidatou-se, em 1969, às eleições para a Assembleia Nacional, integrando as listas da CDE. Após a Revolução do 25 de Abril de 1974, foi um dos principais impulsionadores da criação do Movimento de Esquerda Socialista (MES), do qual se viria a desvincular.
Desempenhou, nos anos da Revolução, um importante papel no diálogo com a ala moderada do MFA, sendo um activo apoiante das posições do “Grupo dos Nove”. Em Março de 1975, é nomeado Secretário de Estado da Cooperação Externa, no IV Governo Provisório.
Ainda em 1975, funda a “Intervenção Socialista”.
Em 1978, Jorge Sampaio adere ao partido Socialista. Em 1979, é eleito deputado à Assembleia da República, pelo círculo de Lisboa, e passa a integrar o Secretariado Nacional do PS.
De 1979 a 1984, é membro da Comissão Europeia dos Direitos do Homem no Conselho da Europa. É reeleito deputado à Assembleia da República, em 1980, 1985, 1987 e 1991. Em 1987/88 é Presidente do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, tendo assumido, em 1986-87, a responsabilidade das Relações Internacionais do PS. Foi ainda co-Presidente do “Comité África” da Internacional Socialista.
No ano de 1989, é eleito Secretário-Geral do Partido Socialista, cargo que exerce até 1991, e é designado, pela Assembleia da República, como membro do Conselho de Estado.
Em 1989, decide concorrer à presidência da Câmara Municipal de Lisboa, cargo para o qual é, então, eleito e depois reeleito, em 1993. De 1990 a 1995, exerce a Presidência da União das Cidades de Língua Portuguesa (UCCLA), sendo eleito Vice-Presidente da União das Cidades Ibero-Americanas, em 1990. Foi também eleito Presidente do Movimento das Eurocidades (1990) e Presidente da Federação Mundial das Cidades Unidas (1992).
Em 1995, Jorge Sampaio apresenta a sua candidatura às eleições presidenciais. Em 14 de Janeiro de 1996, é eleito, à primeira volta. Foi investido no cargo de Presidente da República, no dia 9 de Março de 1996, prestando juramento solene. Cumpriu o seu primeiro mandato exercendo uma magistratura de iniciativa na linha do seu compromisso eleitoral. Apresentou-se de novo e voltou a ser eleito à primeira volta, em 14 de Janeiro de 2001, para um novo mandato.
Jorge Sampaio manteve, ao longo dos anos, uma constante intervenção político-cultural, nomeadamente através da presença assídua em jornais e revistas (Seara Nova, O Tempo e o Modo, República, Jornal Novo, Opção, Expresso, O Jornal, Diário de Notícias e Público, entre outros)
Em 1991, publicou, sob o título “A Festa de Um Sonho”, uma colectânea dos seus textos políticos. Em 1995, é editado o seu livro “Um Olhar sobre Portugal”. Em 2000, publica o livro “Quero Dizer-vos”.
Foi agraciado com várias condecorações e tem recebido diversas distinções nacionais e estrangeiras.