Embaixador de Portugal na Suíça, António Ricoca Freire deixa o cargo em setembro com o sentimento de ter oferecido à comunidade portuguesa local “o melhor do meu esforço”
No final do próximo mês de setembro, António Manuel Ricoca Freire vai deixar de ocupar o cargo de Embaixador de Portugal na Suíça, cerca de quatro anos depois de iniciar funções nesse país europeu. Agora que já está a atingir o limite de idade fixado pela lei para o serviço no estrangeiro, garante que não tem como “destino” a merecida reforma, e que estará “à disposição do Ministério em Lisboa” para novos desafios.
Este diplomata avalia que Portugal e Suíça mantêm “excelentes relações político-diplomáticas” e que, recentemente, “tem-se verificado um crescimento e intensificação das relações económicas entre os dois países, quer em termos comerciais, importações e exportações, quer em termos de um significativo aumento dos investimentos suíços” em Portugal.
Entretanto, este responsável sugere que há ainda desafios que necessitam ser ultrapassados na Suíça, como a conscientização para a manutenção da língua portuguesa “enquanto meio de comunicação ativo e vivo dentro da família”. Outro ponto a ter em atenção, segundo António Ricoca Freire, são as associações portuguesas, que necessitam “rejuvenescer os seus quadros diretivos e atualizar objetivos, programas e práticas”.
António Manuel Ricoca Freire refere ainda que muitos jovens portugueses, com qualificação profissional, têm chegado à Suíça nos últimos anos e que estes e outros aspetos fazem com que os portugueses sejam vistos nesse país como sinónimos de confiança nas qualidades profissionais e humanas, sendo ainda considerados “leais, dedicados, pacíficos, amáveis e trabalhadores”.
Em entrevista à nossa reportagem, este Embaixador deixou claro que a Suíça possibilitou-lhe viver “uma interessante e variada experiência em muitos aspetos”. Este membro da diplomacia portuguesa na Suíça falou também sobre o trabalho na movimentação económica em favor da comunidade portuguesa, na promoção da imagem de Portugal no estrangeiro e na sensibilização das grandes empresas suíças para as vantagens de Portugal como destino de investimentos.
Quando iniciou funções na Suíça?
Cheguei à Suíça, vindo da África do Sul, no dia 4 de dezembro de 2017, tendo entregue as minhas cartas credenciais ao então presidente Alain Berset, em meados de janeiro de 2018. Estando previsto o meu regresso a Portugal no final de setembro próximo, terei cumprido um mandato de três anos e oito meses – os tempos bons parecem-nos sempre curtos.
Que diferenças vê na comunidade portuguesa local em relação ao que se verificava quando ingressou como Embaixador de Portugal no país?
Durante o período do meu mandato, mantiveram-se algumas tendências de alteração na comunidade portuguesa, que já se faziam notar antes da minha chegada, designadamente o acentuado regresso a Portugal de uma larga maioria dos nossos cidadãos quando atingem a idade da reforma. Paralelamente, desde o início da crise, cerca de 2005-2006, tem-se registado um certo rejuvenescimento da comunidade, com a chegada à Suíça de jovens qualificados em diversos ramos de atividade.
Quantos portugueses vivem na Suíça?
Segundo dados estatísticos divulgados em fevereiro último, por esta Secretaria de Estado das Migrações, à data de 30 de dezembro de 2020 encontravam-se a viver na Suíça, a título permanente ou temporário, 260.921 cidadãos portugueses, o que significa menos 2.005 pessoas do que no ano de 2019. Interessa referir que, depois de um intenso fluxo de portugueses para a Suíça durante cerca de dez anos, em 2016 verificou-se, pela primeira vez após o começo da crise financeira, um balanço migratório negativo, ou seja, o número daqueles que regressaram ao nosso país foi superior ao daqueles que continuaram a chegar.
Como estão distribuídos os portugueses pelo país?
A maior concentração de portugueses encontra-se em toda a Suíça francófona, embora com maior incidência no Cantão de Vaud. Seguem-se, por ordem decrescente, Genebra, Valais, Zurique, Berna e Neuchâtel, sobretudo nas áreas urbanas.
Como está formatada a presença diplomática portuguesa nesse país europeu?
Na Suíça, Portugal tem a Embaixada, com Secção Consular, em Berna; o Consulado-Geral em Genebra, de que depende um escritório consular em Sion e o Consulado-Geral em Zurique, de que depende um escritório consular em Locarno. Pelo relevante papel que desempenham ao serviço da comunidade portuguesa na Suíça, devo referir que tanto a Secção Consular como os dois Consulados-Gerais mantêm numerosas presenças consulares nas principais cidades cantonais, de modo a servir os utentes em locais mais próximos da sua residência.
Quais temas são centrais nas relações diplomáticas entre Portugal e Suíça neste momento?
Portugal e a Suíça mantêm, de longa data, excelentes relações político-diplomáticas, tendo a Confederação Suíça sido o primeiro país da Europa, na sua quase totalidade com regimes monárquicos, a reconhecer a jovem República Portuguesa, instaurada a 5 de outubro de 1910. Nos anos mais recentes, tem-se verificado um crescimento e intensificação das relações económicas entre os dois países, quer em termos comerciais, importações e exportações, quer em termos de um significativo aumento dos investimentos suíços no nosso país. Para além das relações bilaterais, Portugal participa também, como qualquer outro Estado membro, no relacionamento da União Europeia com a Suíça.
A pandemia está a tornar o trabalho diplomático mais difícil?
A pandemia afetou a diplomacia na medida em que levou à proibição ou restrição drástica dos contatos pessoais: as reuniões bilaterais entre representantes, as conferências internacionais e os trabalhos conjuntos nas organizações internacionais, como a ONU, foram inicialmente suspensos e depois evoluíram para o formato on-line, que ainda hoje se mantém ou predomina.
Como vê a Suíça?
A Suíça foi para mim uma interessante e variada experiência em muitos aspetos, mas, sobretudo, sob o ponto de vista político, dada a originalidade do seu sistema, tão diferente da larga maioria das democracias parlamentares europeias: a constituição multipartidária do seu Conselho Federal a autonomia cantonal e a tão característica e ativa democracia direta. Numa outra perspetiva, a Suíça é um país com uma das mais belas paisagens naturais da Europa, fácil de percorrer, por estrada ou de comboio, e um regalo para a vista.
Qual foi o seu papel perante o empresariado português local?
Um número considerável de portugueses residentes na Suíça criou aqui a sua empresa, nos mais diversos setores: alimentar, para a comercialização de produtos portugueses, como vinhos, azeites e conservas; materiais de construção, como distribuidores ou prestadores de serviços; serviços de restauração e hotelaria, de limpeza, de software e de comunicações, entre outros. Durante os dois primeiros anos do meu mandato, e até ao início da pandemia, mantive com regularidade um programa de visitas e de contato direto com os empresários portugueses, procurando identificar desafios e problemas e conhecer sucessos. Durante o período de confinamento, a delegada da Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal (AICEP) na Embaixada manteve contatos com um largo número de empresários, procurando conhecer os seus problemas, facultar informações úteis e identificar possíveis soluções.
Que ações desempenhou no sentido de promover Portugal perante o público e o mercado suíços?
Na área económica, mantivemos, em favor da comunidade portuguesa, uma intensa atividade de identificação de oportunidades de negócio e de potenciais parceiros comerciais. Nesse sentido, foram organizadas campanhas de promoção da imagem de Portugal e de sensibilização das grandes empresas suíças para as vantagens do nosso país, designadamente como destino de investimentos.
Qual é a sua opinião sobre a comunidade lusodescendente no país?
Se se entender como lusodescendentes os cidadãos de segunda ou terceira geração, detentores de nacionalidade suíça, gostaria de sublinhar a admiração que me merece a sua capacidade de conciliar uma bem-sucedida integração na Suíça com uma sentida e real ligação a Portugal, assim mostrando ser não só possível, como desejável, ser-se suíço e português.
Em termos consulares, que medidas foram implementadas para ultrapassar os problemas existentes?
Quando cheguei à Suíça, o problema maior com que se debatia a Secção Consular era a extrema dificuldade de controlar o fluxo diário de utentes, havendo mesmo dias em que tínhamos concentrações de mais de 80 pessoas à espera de ser atendidas. A terrível pandemia iniciada em março de 2020 e os regimes de confinamento decretados por Portugal e pela Suíça levaram os três Postos consulares neste país a reorganizarem e melhorarem o seu sistema de atendimento e funcionamento interno, de forma a diminuir e regular a chegada de utentes, evitando concentrações de mais de 5 a 6 pessoas, impossíveis em termos de segurança sanitária. Com o objetivo de proteção de utentes e funcionários, foram instaladas proteções acrílicas em todos os postos de trabalho e disponibilizadas máscaras, luvas e desinfetante. No sentido de um melhor funcionamento, foi instaurado e desenvolvido um sistema de marcações prévias por e-mail e, no início de 2021, incentivou-se o sistema de agendamento on-line para os atos mais numerosos, como cartões de cidadão e passaportes. Dado o imediato sucesso deste sistema de agendamento, ele tem sido intensificado e progressivamente alargado a outros atos consulares mais procurados, como registos de nascimento e de casamento. Por fim, e na mesma ótica de facilitar a vida aos utentes, entrou em funcionamento, no passado mês de maio, a possibilidade de envio dos cartões de cidadão diretamente para casa dos requerentes, evitando uma segunda deslocação à Secção Consular.
Qual é a relação da comunidade portuguesa e lusodescendente com a Embaixada e os postos consulares de Portugal no país?
À exceção de casos pontuais e normais de reclamação, julgo que a relação da comunidade com os postos consulares na Suíça é boa, baseada no princípio da confiança e respeito mútuos. A comunidade portuguesa sabe que tem acesso direto aos respetivos postos consulares, por telefone, e-mail ou redes sociais. Espelho disso é o facto de chegarem diariamente à Embaixada numerosos pedidos de apoio e de informação sobre assuntos pessoais da mais diversa ordem, a par de outras questões que preocupam a nossa comunidade. Posso citar, a título de exemplo: questões fiscais, regresso definitivo a Portugal, “Programa Regressar”, problemas laborais e, desde que começou a pandemia, as questões inerentes às restrições de viagem.
Tem dados sobre o pedido de nacionalidade portuguesa na Suíça?
No ano de 2020 – porventura devido à retração causada pela pandemia Covid-19 na generalidade dos setores da vida –, o número dos nacionais portugueses que adquiriu a nacionalidade portuguesa desceu drasticamente para 120, face aos 413 casos registados em 2019, um decréscimo de 70%.
Há, neste momento, restrições na deslocação de cidadãos entre a Suíça e Portugal?
Neste momento, não há restrições específicas nas deslocações da Suíça para Portugal. Todavia, aplica-se o regime geral: todos os passageiros com mais de 12 anos devem apresentar, no momento do embarque, o resultado negativo de um teste Covid, que pode ser um PCR, feito nas 72 horas antes da viagem, ou um teste antigénico, rápido, que deverá ser feito nas 48 horas antes da partida, num laboratório ou farmácia. Esta resposta tem por base informação válida no dia 29 de junho, mas que, à data da publicação da entrevista, a regra já será distinta, pelo que, a população deverá informar-se junto das autoridades competentes das medidas que estiverem nesse momento em vigor.
Como é vista e recebida a comunidade portuguesa na Suíça?
Ao longo destes três anos e meio de estadia, foi-me grato testemunhar o generalizado apreço pela comunidade portuguesa, a terceira maior comunidade estrangeira na Suíça, depois da italiana e da alemã. Na verdade, desde o presidente da Confederação, Alain Berset, quando lhe apresentei as minhas cartas credenciais, e outros Departamentos Federais, passando por Governos cantonais e até às autoridades municipais, incluindo ainda associações empresariais e sindicatos suíços, de todos os meus interlocutores eu recebi palavras de estima e de confiança nas qualidades profissionais e humanas dos cidadãos portugueses – lealdade, dedicação e qualidade do trabalho, caráter pacífico e amabilidade.
Na sua opinião, qual é a importância das casas regionais portuguesas na manutenção da cultura lusa na Suíça?
O papel das associações portuguesas pode e deve ser relevante a diversos níveis: i) apoio aos cidadãos mais vulneráveis; ii) ajuda na integração de portugueses que aqui chegam desconhecendo o sistema de funcionamento e, muitas vezes, a língua do local de instalação; iii) articulação com as autoridades cantonais e comunais; iv) como centros de manutenção e de divulgação da cultura portuguesa. Todavia, para poderem desempenhar eficazmente este papel fundamental e corresponderem aos interesses e necessidades da comunidade que devem servir, as associações têm de ser capazes de rejuvenescer os seus quadros diretivos e de atualizar objetivos, programas e práticas. Neste tempo em que convivi com a comunidade portuguesa, foi-me dado testemunhar um marcado declínio da generalidade das associações, tendência que urge reverter de forma construtiva.
Frequenta associações portuguesas no país?
Em 2018 e 2019, convivi intensamente com a comunidade portuguesa – de Genebra a Zurique, de La Chaux-de-Fonds (Neuchâtel) e de Delémont (Jura) ao Cantão do Valais. Nestas minhas digressões pela Suíça, frequentei as festas das muitas associações que me convidaram, participei em espetáculos de música portuguesa (fado, cante alentejano e folclore) e noutros eventos por elas organizados, dos quais, pela sua elevada qualidade, o Portugal Open no Cantão do Valais é um exemplo a assinalar.
Quais são os desafios de se promover a língua portuguesa nesse país?
Os desafios são muitos, até porque a língua portuguesa é uma entre as dezenas de Línguas de Herança presentes na Suíça e aqui ensinadas como a nossa. Mas o maior desafio é consciencializar as famílias portuguesas a manter a língua portuguesa enquanto meio de comunicação ativo e vivo dentro da família, não descurando o seu uso e a sua promoção através da leitura. Ao longo do meu mandato, foi-me dado presenciar e participar no enorme esforço de apoio que o Camões I.P., através da rede EPE Suíça, presta às famílias ao criar as condições para que as crianças e jovens possam expandir e aprofundar os seus conhecimentos linguísticos e culturais. A realização de projetos e atividades variadas, sob a responsabilidade e orientação dos professores do EPE, permite aos alunos o contato com diversas temáticas e textos dos géneros diferentes e complexidade crescente, que complementa e enriquece a vivência da língua e cultura no seio das famílias.
Que ações foram desenvolvidas para celebrar o dia 10 de junho na Suíça?
Não tendo sido possível realizar um programa de mais ampla participação e maior visibilidade, dadas as restrições ainda em vigor na primeira quinzena de junho, destacarei pelo seu significado as seguintes ações: com a colaboração do Cônsul-Geral de Zurique, a Coordenação EPE Suíça organizou duas palestras on-line do escritor José Luís Peixoto com as crianças e jovens, alunos de língua portuguesa; na Residência, recebi e ofereci um lanche a um grupo de 25 alunos, vindos de uma escola com ensino de Português junto a Lausanne, que me tinham escrito a dizer que gostavam de me conhecer e cumprimentar no dia 10 de junho. Esta tarde de convívio com os jovens portugueses substituiu a habitual receção para 350 a 400 convidados e eu não a esquecerei.
Que balanço faz do seu trabalho? Que ações, atividades e projetos mais lhe deram prazer executar?
Em termos pessoais, tenho a certeza de que dei a este posto, como Embaixador de Portugal em Berna, o melhor do meu esforço, a mais aberta dedicação e disponibilidade, bem como o compromisso firme de servir o Estado português e a comunidade portuguesa na Suíça. Neste espírito, não discrimino entre atividades e projetos, porque foram tão importantes as diligências oficiais junto do Governo suíço, como um almoço de confraternização numa das associações portuguesas. Isto dito, entrego ao Ministério dos Negócios Estrangeiros e à comunidade portuguesa na Suíça o balanço do trabalho que aqui desenvolvi.
Referiu que deve deixar o cargo de Embaixador de Portugal na Suíça em finais de setembro. Que sentimentos leva ao partir da Suíça? Qual será o seu destino profissional?
Em todos os postos em que servi, procurei combater o distanciamento de estrangeiro, procurei integrar-me no país e acabei sempre por aprender a gostar do seu povo. Por isso, nunca saí com indiferença de nenhum posto. Antes senti, sempre, que uma parte de mim ficava para trás e que, em contrapartida, levava comigo pessoas, lugares e vivências. É isso que, a poucos meses de distância, está já a acontecer com a Suíça. Acabo este cargo por ter atingido o limite de idade fixado pela lei para o serviço no estrangeiro, mas não parto já para a reforma, pelo que estarei disponível, caso surja a oportunidade, para prestar serviço ao Ministério em Lisboa.
Ígor Lopes