› Ígor Lopes
O cenário de destruição nas principais cidades da Ucrânia contrasta com os atos de coragem e de solidariedade que chegam ao país provenientes de várias partes do mundo. Casas destruídas, famílias desalojadas, esperanças pedidas e muitas crianças sem pai nem mãe.
Uma moldura de medo fruto da guerra entre a Ucrânia e a Rússia, que leva já mais de 500 dias e regista, segundo a ONU, a morte de mais de nove mil civis desde o início da invasão, embora as autoridades locais assumam que este número é, possivelmente, “muito mais alto”.
A ajuda chega de todos os lados. Uma delas em português, resultado do sentimento de empatia do casal luso-brasileiro Silvana Lopes Gomes, de 50 anos de idade, brasileira, nascida em Minas Gerais, e do seu marido, Nuno Cardoso Gomes, de 44 anos, português, de Lisboa, que vive na Suíça há 20 anos. Hoje, estão a residir no cantão de Argau.
Silvana estava em pleno tratamento médico contra um cancro no dia 29 de janeiro de 2022, quando, em 24 de fevereiro desse mesmo ano, este casal soube pela imprensa que uma criança estava a atravessar a fronteira ucraniana sozinha para escapar à guerra. Silvana e Nuno não ficaram indiferentes. Bastou uma troca de olhares, uma viatura e muita disposição. Tinha início, assim, o movimento humanitário “LetsHelp Ukraine”, fundado pelo casal, que tem como objetivo “aliviar o sofrimento do povo ucraniano”.
Através de peditórios on-line, lives com mais de 80 horas de duração e a ajuda da comunidade brasileira e portuguesa residente no país helvético, foi possível recolher doações como roupas, medicamentos e alimentos. O casal revela que já percorreu mais de 200 mil quilómetros entre a sua casa e a Ucrânia, durante as cerca de 40 viagens feitas ao país para ajudar quem mais precisa.
Dentre prédios destruídos, lares desfeitos, ruas abandonadas, Silvana e Nuno encontraram o sorriso das crianças nos orfanatos que receberam parte das doações. As famílias que resistem no país, por não terem como deixar a sua terra, agradecem com um olhar de esperança, de alguém que vê a ajuda chegar do estrangeiro, em outro idioma, mas com um sentimento genuíno de amor ao próximo. Os mais velhos precisam de atenção também. Numa dessas viagens, Silvana revela que foi possível ajudar uma senhora idosa que tinha problemas graves estruturais na sua casa, devido à queda de um míssil próximo à sua habitação.
A Ucrânia está mais perto da Suíça e deste casal do que se pode imaginar. Silvana e Nuno resgataram Viktoria no país invadido e levaram-na para a Suíça, onde, agora, passa por tratamento médico no Hospital Universitário de Basel, também contra um cancro. Na Ucrânia, Viktoria deixou duas crianças. Uma trincheira emocional difícil de ser ultrapassada, mas que, com a força deste casal luso-brasileiro, cuja figura feminina é também uma vitoriosa, a sobrevivência acaba por ganhar novos contornos.
“Estamos acompanhando o tratamento da Viktoria desde o início na Suíça. Desde que começamos as nossas viagens levamos para a Ucrânia mais de 50 toneladas de alimentos. Não podemos recuar. É um trabalho incansável, pois a fome não espera. Não recebemos ajuda do Estado. A guerra não acabou. Temos que lutar por aquelas vidas”, contou Silvana, que sublinhou que os gastos com o combustível são elevados e que “era importante arranjar um patrocínio para pagar o gasóleo”.
Nem mesmo os locais que foram bombardeados escapam do mapa dos territórios a visitar por este casal, como Kharkiv, Chernihiv, Kherson, Kiev, Lviv, Mariupol, Ternopil, Uzhhorod e Lutsk.
“Em outros locais não podemos entrar, se não, não conseguimos sair, mas visitamos praticamente todas as zonas bombardeadas. Já fizemos muita coisa naquele país”, reforçou Silvana.
No dia 5 de outubro, a associação “Lets Help Ukraine” vai voltar à Ucrânia para levar mais ajuda à população local. Nos próximos dias, Silvana e Nuno iniciam nas redes sociais e no meio dos seus contactos uma nova campanha de angariação de insumos para serem entregues na Ucrânia. A ideia é entrar por uma fronteira e sair por outra.
“Vamos levar mais ajuda ao povo ucraniano. Qualquer pessoa pode fazer uma contribuição de qualquer valor financeiro. O montante será utilizado para cobrir os custos da nossa próxima viagem para levar ajuda humanitária ao povo da Ucrânia. O nosso trabalho é voluntário e sem fins lucrativos. Dependemos da ajuda da sociedade civil que vive na Suíça. Agradecemos a todos os pequenos empresários, amigos e os nossos seguidores no Facebook que nos apoiaram. Ajuda humanitária não é fácil. Nunca será fácil”, disse Silvana.
Somente em 2022, este casal realizou 32 missões com ajuda humanitária à Ucrânia, tendo assistido, mensalmente, 100 famílias, 280 residentes em orfanatos, três centros de refugiados e instituições públicas, assim como doou 11 geradores de eletricidade, no total. Em 2023, o trabalho continua intenso. Um exemplo de afeto e preocupação com o futuro da humanidade, pelo menos de parte dela.
Informações sobre as ações desta associação podem ser consultadas em www.letshelpukraine.ch