Os ideais de liberdade, de justiça, de democracia, que marcaram o imaginário do 25 de Abril podem manifestar-se de múltiplas maneiras. A expressão artística abre caminhos diversos transformando, por exemplo, uma tela ou uma página branca num pequeno espaço que nos transporta para um mundo de vivências, conivências e emoções. Ilustrar é certamente descrever uma ideia ou uma situação, mas ampliando a sua visualização para além do que as palavras podem transmitir.
O primeiro dos cinco eventos promovidos pela Federação das Associações Portuguesas da Suíça (FAPS) no âmbito das comemorações do quinquagésimo aniversário da Revolução dos Cravos foi uma exposição de vinte ilustrações selecionadas por um júri no seguimento da abertura de um concurso público sobre o tema dos valores do 25 de abril. Sabemos que a ditadura salazarista condicionou fortemente todas as formas de expressão artística a uma censura rigorosa. O Encontro d’ilustrações quis lembrar um dos valores do 25 de Abril: as sociedades devem salvaguardar a todo o momento a possibilidade oferecida hoje a cada um de exprimir livremente os seus pensamentos, emoções e convicções.
As imagens aqui editadas constituem uma micro-galeria digital dando a ver as vinte obras selecionadas das quais três foram premiadas pelo júri. Neste pequeno apontamento devolvemos a palavra aos autores. Quem são os laureados? Como descrevem a arte de ilustrar? Que competências necessárias para exercer o ofício? O que significou para cada um deles ilustrar o 25 de Abril?
Quem são os laureados(as)?
Francisco Sousa (1.° prémio) – vulgo Frank o Mudo – define-se como um “ilustrador autodidata do Ribatejo”. “Não sou mesmo mudo diz ele, mas expresso-me através do desenho das mãos. Filho de peixe sabe nadar, filho de um pai jornalista e fotógrafo, Francisco Sousa sabe de que maneira as imagens podem potenciar de forma especifica o descritivo de uma ideia. Sara Antunes (Prémio de honra) artista, “filha do 25 de abril”, arquiteta, com mestrado em desenho e ilustração, pela Faculdade de Belas Artes de Lisboa usa o desenho como “forma de se expressar e analisar o mundo”. Sou “ilustradora” do mundo, diz ela, “do mundo interno e externo, que de uma forma mais profunda é exatamente a mesma coisa”. Foi quando frequentava o curso de Arte e Design, na ESEC, em Coimbra que a ilustração tomou um espaço maior na carreira de Patrícia Marinho Oliveira (Prémio de Honra). “Percebi que o que realmente me fazia feliz e realizada, era a vertente mais criativa, logo a das artes plásticas. E aí surge a ilustração. Considero-me, sublinha ainda, “uma artista visual, porque apesar de exercer atualmente ilustração e design gráfico, em ambas as áreas coloco influências de uma e de outra e elas vivem em comunhão no meu trabalho. No fundo, eu trabalho com a imagem, daí achar que artista visual ser o termo que melhor se aplica à minha escolha.”
O que é ser ilustrador(a)? Que competências se revelam através do trabalho de ilustração?
A resposta foi unanime. A ilustração é uma arte que pretende comunicar uma mensagem sobre uma determinada realidade. As competências mobilizadas são múltiplas. Em primeiro lugar, saber desenhar à mão livre. Depois ter bom domínio sobre as perspetivas, proporções, luz e sombra. Ser ilustrador(a) é também conhecer muitas técnicas e compreender o mundo digital, saber trabalhar com ideias e conhecer as fontes e as regras do seu uso estético. Mas para Sara Antunes é também “fazê-lo em total liberdade, expressar-se talvez sem ligar a modas, ser autêntico”. Uma imagem traz um atrativo, é decorativa, a ilustração acrescenta ainda uma interpretação um entendimento daquilo que se quer. Já Patrícia Marinho Oliveira considera que “qualquer imagem é sujeita a uma interpretação, logo a uma narrativa, que pode ser da forma mais óbvia como ser apresentada num livro acompanhada de texto, mas existem muitas outras formas de ser aplicada. Mas adianta ainda, “ser ilustrador dá a liberdade de brincar, tanto com formas, cores e elementos, e é esta liberdade criativa que eu acho que deve ser mantida para que o resultado seja o mais original e criativo possível.”
O que quis transmitir com a ilustração? Qual o texto que gostaria de ver colado à imagem que desenhou?
Através da ilustração, diz ainda Sara Antunes, “quis essencialmente transmitir amor. Só o amor nos liberta e liberta o outro, dando liberdade. Na opressão não existe amor nem liberdade. Na ilustração os cravos transformam-se em corações que disparam de um canhão”. Normalmente o canhão serve para oprimir, para impor, para matar, mas na ilustração que desenhei. Sublinha a ilustradora “a Revolução dos Cravos, tem uma mensagem muito forte, não é usado para matar, mas para libertar, com flores”. O desenho, adianta ainda, “inspira-se num acontecimento verídico do 25 de Abril: de profunda leveza e inocência, uma senhora leva um ramo de cravos que acaba por dar aos soldados, que põe as flores no topo do canhão. Onde há flores não há balas, só pode haver amor.”
Já para Francisco Sousa “a revolução é Zeca Afonso e Paulo de Carvalho. A revolução é Salgueiro Maia e Celeste Caeiro. A revolução és tu e sou eu. Somos todos. Em cada esquina um amigo, em cada rosto igualdade, e que não nos esqueçamos que a liberdade é de todos para todos” tal é o texto que Francisco gostaria de ver colado à imagem que desenhou.
Enfim, para Patrícia Martinho Oliveira, o 25 de Abril é o dia mais bonito do ano” e como tal, sentiu-se na obrigação de realizar uma ilustração para as celebrações do Dia da Liberdade. “Sobre a ilustração que submeti a concurso, o que tento transmitir é a paz e leveza sentida quando deixamos de viver numa ditadura. Daí as figuras humanas estarem a descansar nas folhas de um cravo, como se fossem embaladas e se sentissem tranquilas. “Sempre” será o texto colado á imagem.”