“Tenho muitos pacientes no meu gabinete que me procuram precisamente porque falamos a mesma língua”, afirmou Cláudia Santos, portuguesa a viver na Suíça
Cláudia Santos tem 38 anos e vive na Suíça há oito anos. Hoje, reside em Romont, no cantão de Fribourg. É fisioterapeuta e está a conseguir ultrapassar as dificuldades impostas pela pandemia. Tem origens beirãs, concretamente, em Cetos, no concelho de Castro Daire, distrito de Viseu. Tem família também no Brasil. A sua tia, Maria Alcina, que vive na cidade maravilhosa, é uma das grandes fadistas portuguesas a levar o nome de Portugal para o continente sul-americano há mais de 60 anos.
Conversamos com Cláudia Santos que nos falou como é viver na Suíça, abordou o modo de vida local, sublinhou o papel da sua família e ressaltou o amor que tem por Portugal.
Em que e onde trabalha?
Sou fisioterapeuta desde 2006, licenciada pela Escola Superior de Tecnologias da Saúde do Porto. Quando vim para a Suíça, pedi o reconhecimento do meu diploma à Cruz Vermelha suíça e comecei por trabalhar num gabinete de fisioterapia em Fribourg. Atualmente, trabalho na minha vila de residência, num espaço meu e com deslocações ao domicílio (domínio amplificado pela época Covid-19).
Estuda?
Tento sempre fazer cursos complementares na área da fisioterapia, tendo-me especializado na área da saúde da mulher, pilates clínico e cuidados paliativos. Por outro lado, vou fazendo pequenos cursos na área do cake design, que é a minha segunda paixão.
Como é viver na Suíça?
É viver bem, mas sempre com o sentimento de que falta algo: a presença e o afeto dos que nos são queridos e estão longe.
Há quanto tempo está no país?
Há oito anos.
Convive com a comunidade portuguesa na Suíça?
De certa forma, sim. Tenho muitos pacientes no meu gabinete que me procuram precisamente porque falamos a mesma língua.
Como os portugueses são recebidos por aí?
São bem recebidos. Temos uma boa reputação: bons trabalhadores, pessoas generosas e assertivas e, acima de tudo, nesta nova vaga de emigração, mão de obra altamente qualificada.
Frequenta associações portuguesas?
Não, apenas esporadicamente.
Como consegue matar as saudades de Portugal?
Para começar, faço questão de ensinar as minhas filhas a falarem corretamente o português. É a língua oficial cá de casa! A nossa gastronomia também não pode faltar à mesa, assim como os festejos dos Santos Populares e outras tradições. Depois, entre videochamadas semanais com a família e amigos, e a leitura de jornais portugueses, para nos mantermos a par do estado do país, tentamos ir a Portugal de duas a três vezes por ano.
Vive com a sua família aí?
Sim, com o meu marido e as nossas duas filhas.
Qual é o sentimento quando regressa a Portugal de férias?
É um turbilhão de emoções. Desde a nostalgia, a alegria e a euforia, até à taquicardia produzida pela placa de Portugal na fronteira.
Pensa em voltar a viver em Portugal algum dia?
Claro, essa esperança é a última a morrer!
O que conquistou na Suíça até agora?
Estabilidade financeira, progressão na carreira e enriquecimento pessoal, principalmente cultural.
Tem família?
O meu marido, Stephane, de quem tenho um imenso orgulho, e as nossas duas filhas: Luísa (4 anos) e Francisca (7 anos).
O que a Suíça significa para si?
É um país que adoro, pela beleza incrível das suas paisagens, e que me permitiu alcançar uma vida melhor do que a perspetiva que tinha em Portugal.
Que imagem tem de Portugal?
Infelizmente a de um país mergulhado na corrupção e onde a burocracia é demasiado complexa e desorganizada.
Onde vive aí?
Em Romont, pequena vila de cinco mil habitantes, no cantão de Fribourg.
De onde é em Portugal?
As minhas origens são beirãs, concretamente, Cetos, no concelho de Castro Daire, distrito de Viseu. Mas, desde a minha formação académica, que adotei o distrito do Porto para trabalhar e morar. É a minha cidade do coração.
Como e por que foi aí viver?
Vim na altura do grande êxodo de licenciados, em 2013, na procura de oportunidades de carreira que o nosso país não nos conseguia oferecer (tanto a mim como ao meu marido, Engenheiro Informático).
O que espera do futuro?
Capacidade para poder realizar os projetos que ainda tenho em mente e oportunidade de voltar ao meu país.
Qual a diferença de vida entre Portugal e a Suíça?
Desde logo, a cultura e a gastronomia. Mas, o mais marcante, é mesmo o ritmo de trabalho. Faltam (ou não) os shoppings abertos à noite e ao domingo. Mas, depois de cá estarmos, acabamos por nos habituar e quando regressamos a Portugal já achamos estranho e desnecessário!
A língua é um problema?
Não, de forma alguma. O francês adquire-se facilmente. E como a comunidade portuguesa é enorme, há certas alturas em que sequer precisamos de falar uma língua estrangeira!
Como a pandemia impactou o seu dia a dia e o da sua família?
No início, foi o choque, como para toda a gente. No meu caso, a trabalhar por conta própria, fiquei muito angustiada com a incerteza do futuro. Poderia continuar a trabalhar? Teria direito a alguma forma de apoio financeiro? A partir do momento em que tive luz verde para recomeçar a trabalhar, tomei a decisão de estar menos em gabinete e começar a fazer tratamentos ao domicílio, por forma a contornar as medidas de restrição relativas ao número de pessoas dentro dos estabelecimentos de saúde. Hoje, sei que foi uma ótima decisão. Já o meu marido está em teletrabalho praticamente desde o início da pandemia, o que nos permitiu abdicar da ama das meninas e passar mais tempo em família. Ao contrário do que possa parecer, o balanço é positivo.
Como é ser sobrinha da fadista Maria Alcina, que hoje vive no Rio de Janeiro, Brasil?
É um orgulho ser sobrinha da fadista mais linda, talentosa e autêntica do Rio de Janeiro! Tivemos o prazer de conhecer essa cidade maravilhosa e de sermos extremamente bem acolhidos pela minha tia durante duas semanas, em 2019. Fomos guiados por ela e muito bem recebidos pela comunidade portuguesa no Rio, especialmente no Arouca Barra clube, na Casa da Vila da Feira e Terras de Santa Maria e pelo Sr. Adão, conterrâneo de Castro Daire que nos refastelou no seu restaurante de Ipanema. É isto ser português: é a generosidade além-fronteiras. E a minha tia Maria Alcina representa isto na perfeição. Soube a pouco mas deu para conhecer a família que nunca tínhamos encontrado pessoalmente e criar memórias que jamais serão apagadas.
Que lembranças tem dela e da família em Cetos?
Lembranças mil. Quando, nas décadas de 1980/1990 ela chegava àquela aldeia beirã, perdida no Montemuro, carregada de frutas exóticas e vestidos de lantejoulas, era como viver em imersão naquelas novelas brasileiras que preenchiam os nossos serões e nos faziam sonhar. Não havia um dia sem desgarrada e sem gargalhadas. E como temos uma família de artistas, ainda hoje tentamos levar a vida como uma festa, de cada vez que nos juntamos lá.
Por fim, como vive o coração do imigrante português na Suíça?
Vive sempre fora do peito, com a mala pronta e a bússola a apontar para o Oeste. É por aí Portugal.
Ígor Lopes