› Ígor Lopes
“Mapear, entender e valorizar o território português, de forma simples e gratuita”. São estes os objetivos do BUPi (Balcão Único do Prédio), uma plataforma portuguesa dirigida aos proprietários de prédios rústicos e mistos, que nasceu, em 2017, como um projeto piloto em dez municípios. Segundo o governo português, atualmente este projeto está a ser expandido a todo o país, fruto do “seu sucesso”.
Através da plataforma https://bupi.gov.pt é possível conhecer o território português de forma “simples e inovadora” com foco em quatro objetivos: ordenamento do território, valorização de recursos, identificação dos proprietários e prevenção dos incêndios.
Os cidadãos portugueses residentes na Suíça, e em outros locais do globo, podem registar as suas propriedades com o intuito de “garantir os seus direitos de propriedade”, além de auxiliar o Estado português na gestão do território rural, contribuindo, ainda, para a prevenção de incêndios no país. O registo online é gratuito e pode ser feito através da representação gráfica georreferenciada obtida no âmbito do BUPi.
De acordo com as autoridades portuguesas, o BUPi é “uma solução inovadora, assente na colaboração interinstitucional, na simplificação de procedimentos e na utilização de tecnologias emergentes, desenvolvida para dar resposta à ambição de conhecermos e valorizarmos o nosso território”. Atualmente, todos os cidadãos portugueses residentes no estrangeiro com propriedades nos 144 municípios que integram o BUPi podem usufruir do serviço, à distância, com a ajuda da tecnologia e da Internet. Segundo apurámos, através do BUPi, já foram identificadas mais de 1,6 milhões de propriedades por cerca de 254 mil cidadãos.
Para perceber melhor este projeto do governo português, entrevistamos o Secretário de Estado da Justiça de Portugal, Pedro Ferrão Tavares, que falou sobre a pertinência desta plataforma, abordou os seus contornos e sublinhou ser importante que os cidadãos da diáspora insiram as suas informações no BUPi.
Qual a relevância de se promover o BUPi (Balcão Único do Prédio) junto da Diáspora portuguesa?
Portugal é o país da Europa com mais propriedade rústica detida por privados: cerca de 2/3 do território português é ocupado por solo rústico, sendo que 91% da propriedade é privada. Acresce que uma parte significativa dessas terras está abandonada (36%). Além disso, especialmente a norte do Tejo, onde se concentram os municípios sem cadastro predial, a área média dos prédios rústicos em propriedades privadas é muito reduzida (cerca de 0,57 hectares). Sabemos que muitos dos nossos emigrantes e dos seus descendentes têm as suas raízes e o seu legado nas regiões do Norte e do Centro do país. E sabemos ainda que, por razões relacionadas com o baixo valor patrimonial dos terrenos rústicos e com o afastamento da população das zonas rurais, entre outras, existem muitas situações em que os proprietários não estão identificados e outras em que estes desconhecem os limites exatos das suas terras. É neste contexto que importa divulgar o Balcão Único do Prédio (BUPi) junto da comunidade portuguesa residente no estrangeiro. O BUPi é uma oportunidade única para valorizarmos o que é nosso, passando a conhecer com precisão e protegendo a titularidade dos terrenos de família, sem qualquer custo nem aumento de impostos.
Como explica este projeto e quais os seus objetivos?
O BUPi é instrumento central para uma reforma estrutural que o país aguardava há décadas e que se prende com a necessidade de conhecermos mais e melhor o nosso território para o ordenarmos e gerirmos de forma mais eficaz e sustentável, para o protegermos e para valorizarmos os seus recursos. Sem informação rigorosa e completa
sobre a titularidade, localização geográfica, geometria e ocupação e uso das propriedades dificilmente podemos levar a cabo, por exemplo, políticas públicas para a prevenção e combate aos incêndios rurais ou para o repovoamento e desenvolvimento das zonas rurais, como é o caso do programa de transformação da paisagem. Para suprir esta escassez de conhecimento, desenvolvemos uma plataforma online, onde os proprietários podem fazer a georreferenciação da sua propriedade e iniciar ou atualizar o registo dos seus terrenos. Este projeto arrancou em 2017 no rescaldo dos incêndios florestais, tendo-se iniciado como piloto em dez dos municípios onde estes trágicos acontecimentos mais se tinham feito sentir. A sua implementação tem vindo a ser progressivamente alargada, abrangendo, atualmente, já 144 dos 153 municípios sem cadastro predial, onde, diariamente, mais de 900 técnicos habilitados registados prestam apoio presencial e assistido ao cidadão na identificação e registo das suas terras. O objetivo de expansão do sistema de informação do cadastro simplificado e universalização do Balcão Único do Prédio, consagrado no programa do atual Governo, conta com um investimento de 55 milhões de euros, integrado na componente C8 Florestas do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), atribuído à área governativa da Justiça, em articulação com o Ambiente e Ação Climática e com a Coesão Territorial. Reconhecendo a importância dos balcões locais na operacionalização desta iniciativa, o Governo realocou, recentemente, dez milhões de euros do PRR – que, até aqui, estavam afetos à Estrutura de Missão para a Expansão do Sistema de Informação Cadastral Simplificado (eBUPi) – aos municípios e comunidades intermunicipais do Norte e Centro do país, que aderiram ao BUPi.
Além disso, para reforçar a rede de profissionais do BUPi e acelerar o processo de conhecimento do território, a eBUPI e o Instituto dos Registos e do Notariado (IRN) celebraram um protocolo com a Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução (OSAE) que vai permitir aos 387 solicitares habilitados a trabalhar com o GeoPredial passarem a colaborar no apoio aos cidadãos na identificação de propriedades, ampliando significativamente a capacidade de resposta do BUPi no território. Na base deste projeto estão a colaboração entre diferentes organismos e entidades da administração central e local e destes com a academia, centros de investigação e o setor privado. Esta colaboração já permitiu alcançar os 75% de área conhecida do território dos 153 municípios de Portugal continental sem cadastro, encontrando-se cada vez mais próximo o objetivo que traçámos de alcançar os 90% até ao final deste ano. A área conhecida é o conhecimento do território que resulta do cruzamento de várias camadas de informação provenientes de diferentes fontes públicas e privadas. Esta informação possibilita a caraterização do território quanto à sua dominialidade, ou seja, se é público ou privado, quanto ao seu uso, se é rural ou urbano, e, finalmente, quanto à sua ocupação, se é uma área florestal, um baldio, um parcelar ou agrícola. O seu cálculo é efetuado através de uma solução tecnológica que permite juntar, cruzar e sobrepor um significativo volume de dados, provenientes de diferentes fontes, como infraestruturas de transporte terrestre e hidrografia, informação florestal e dos municípios e o registo feito pelos cidadãos. Ainda para acelerar a identificação do território estão a ser utilizados mecanismos inovadores de inteligência artificial, como o algoritmo de dedução de localização de matrizes, que foi melhorado e expandido, estando já está disponível em 1.269 freguesias e em 138 concelhos, o que permitiu deduzir a localização de mais de cinco milhões de matrizes. Em síntese, o BUPi é uma solução inovadora, assente na colaboração interinstitucional, na simplificação de procedimentos e na utilização de tecnologias emergentes, desenvolvida para dar resposta à ambição de conhecermos e valorizarmos o nosso território.
Há dados sobre o número de cidadãos portugueses no estrangeiro que podem usufruir deste serviço?
Todos os cidadãos portugueses residentes no estrangeiro com propriedades nos 144 municípios que integram o BUPi podem usufruir do serviço. Neste momento, não é, contudo, possível aferir o número de cidadãos que este universo representa.
No fundo, o que possibilita a inserção dos dados dos cidadãos e dos terrenos no BUPi?
Possibilita a regularização das propriedades rústicas e mistas e o conhecimento do território, protegendo e valorizando o que é de cada um e o que é de todos nós. O registo é a única forma de assegurar o direito de propriedade, enquanto o desconhecimento da titularidade dos terrenos gera, muitas vezes, insegurança e conflitos entre proprietários.
Por que é importante registar as propriedades?
O registo é a única forma de garantir a titularidade, já que a inscrição nas Finanças não confere qualquer garantia quanto aos direitos de propriedade. Por vezes confunde-se o pagamento de impostos com a garantia da propriedade, mas, na verdade, os direitos de propriedade só ficam garantidos com o registo dos terrenos na Conservatória do Registo Predial, que é gratuito quando o processo é iniciado através do BUPi. Para as pessoas é uma forma de proteger as raízes e valorizar o legado para as gerações futuras. Para o país é provavelmente uma das mais importantes reformas dos últimos anos, que vai permitir desenhar políticas públicas e criar valor a partir do conhecimento do território.
Acredita que com a plataforma on-line haverá maior adesão?
A possibilidade de iniciar o processo on-line permite ampliar o alcance deste serviço, uma vez que através de um esboço qualquer cidadão pode, no seu ambiente mais pessoal e junto de quem mais conhece os terrenos, identificar o que é seu. Também a App BUPi veio amentar a comodidade deste serviço permitindo que se faça a captura, no local, das coordenadas geográficas dos terrenos, criando um polígono a partir da configuração obtida pela demarcação dos limites das propriedades. O objetivo é ir ao encontro das pessoas, com respostas diferentes e adequadas às suas necessidades.
É obrigatório o registo? Quais as vantagens de o fazer?
Há várias situações em que o registo na Conservatória é obrigatório. Por exemplo, sem o registo não é possível comprar ou vender um terreno. O registo é também necessário para estabelecer direitos e encargos sobre a propriedade (usufruto, arrendamento, hipoteca, entre outros) ou para anexar ou desanexar propriedades, permutar terrenos e estabelecer outras formas de estruturação fundiária.
O que o governo português pretende com esta iniciativa?
O governo está empenhado em conhecer o território para melhor planear e gerir os recursos do território contribuindo para a prevenção de incêndios no nosso país e para gerar novas oportunidades económicas e mais emprego, designadamente nas zonas rurais, reduzindo assimetrias. Só conhecendo o território é possível fazer a sua gestão efetiva, assegurar o crescimento social e económico e valorizar esse património, mitigando as crescentes assimetrias e a desertificação do interior, protegendo ao mesmo tempo os proprietários e a propriedade.
Quais os números atuais deste projeto?
Como referi, atualmente, o BUPi está disponível em 144 municípios aderentes, o que significa que já tem uma cobertura de cerca de 38 mil km2, onde residem mais de 4,3 milhões de habitantes, abrangendo cerca de 8,4 milhões de matrizes rústicas. Através do BUPi, já foram identificadas mais de 1,6 milhões de propriedades por cerca de 254 mil cidadãos. Do total acumulado de propriedades identificadas, 44,6% foram registadas em 2022, com uma média de 2937 processos diários. No entanto, os números já alcançados em 2023 permitem antecipar que este recorde será brevemente ultrapassado.
Para quem vive no estrangeiro, existe somente a opção da plataforma on-line ou é possível recorrer a algum serviço diplomático nos países de acolhimento?
Neste momento, o BUPi está disponível on-line para os portugueses residentes no estrangeiro, estando previstas ações de proximidade nos consulados para as comunidades portuguesas, a partir de setembro.
O que esperam como resultado desta iniciativa?
O grande objetivo é alcançar um desígnio com vários séculos: conhecer o território português. Esse será ponto de partida para a definição de políticas que permitam proteger e valorizar a terra, tornando-a um verdadeiro ativo económico para os proprietários, de forma individual, mas também para as comunidades e para o país como um todo. Para avaliar o impacto do BUPi, assim como do investimento que lhe está associado do quadro do PRR, o Governo firmou um protocolo com o Centro de Estudos Sociais (CES) da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, que vai monitorizar de forma independente os resultados alcançados.