No passado dia 27 de novembro foi inaugurada a exposição fotográfica “Rostos da Comunidade Portuguesa” no teatro de Carouge. A exposição ficará patente ao público até o próximo dia 22 de dezembro.
Contou com o patrocínio da Ville de Carouge e partiu de uma iniciativa da Sra Consul Geral de Portugal em Genebra e o prestigiado fotógrafo Miguel Valle de Figueiredo. As fotografias espelham mulheres e homens portugueses que emigraram para a Suíça e que procuram abranger a diversidade da comunidade bem patente nas diversas pessoas que concordaram exporem-se através das lentes de uma câmara fotográfica magistralmente manobrada por um fotógrafo que é reconhecido internacionalmente com trabalhos editados, exposições pelo mundo fora, livros, palestras e referência no meios da arte de fotografar, esse jogo entre luzes e sombras, que somente olhos inquietos e espertos conseguem vislumbrar. 33 fotos reflectem os olhares de quem “escolheu” a Suíça como país de acolhimento e nelas a vontade indómita da alma lusa para enfrentar adversidades que a distância do seu país provoca, o caminho percorrido e as esperanças que, entretanto, foram sendo alcançadas e transformadas em realidades tão diversificadas.
Presente as autoridades locais da Ville de Carouge, assim como o Conselheiro de Estado o sr Thierry Apothéloz que nas suas intervenções realçaram a importância da aproximação entre a comunidade portuguesa e a sociedade civil genebrina, e suíça, obviamente. Focaram o seu discurso no contributo fundamental da comunidade para Genebra, no crescimento ao longo das últimas décadas e da influência positiva que esse contributo teve, e tem, para o desenvolvimento económico, social e cultural da vila de Genebra e do cantão. O Conselheiro de Estado revelou, em primeira mão, um projeto que verá a luz do dia em 2025, que visará especialmente a comunidade portuguesa e que será uma homenagem de reconhecimento do trabalho que desenvolvem no dia a dia. O plano passará por exposições, conferências, concertos, gastronomia, artes, que terá como palco toda a cidade de Genebra. Aguardamos com muita expectativa a concretização da ideia do Sr Thierry Apothéloz, que tem a seu cargo o Departamento de Coesão Social no governo da cidade de Genebra e que tem feito um trabalho extraordinário no apoio aos migrantes que nesta cidade labutam
Presente igualmente o Sr Embaixador Julio Vilela que realçou a cada vez maior relevância de uma entreajuda mais profícua entre a comunidade e a sociedade civil Suíça, destacando o papel fundamental das portuguesas e portugueses que tiveram a coragem de emigrar e que aqui constituíram família e concretizaram ambições através do trabalho árduo e perseverança, bem patentes nos olhos dos fotografados. Destacou, ainda, a excelência da iniciativa que apresenta o brilhantismo dos artistas portugueses em áreas tão distintas e que tão bem representam o Portugal do presente, mas igualmente do futuro transportando sempre consigo a história e cultura do país.
Aproveitando a presença do fotógrafo, numa parceria com a Radio Arremesso, estivemos à conversa com Miguel Valle de Figueiredo e igualmente com a Sra. Cônsul-Geral de Portugal em Genebra, Leonor Esteves.
Começamos pela nossa representante em Genebra, Dra Leonor, como surgiu esta ideia e o desenvolvimento do projeto?
Em primeiro lugar quero agradecer à Radio Arremesso pela parceria tão profícua que tem desenvolvido com o consulado, no apoio que dá à comunidade e aos projetos que vamos apresentando.
Esta iniciativa, ideia, nasceu em Lisboa, num encontro com o Miguel, fotógrafo reputadíssimo com trabalhos importantes e que nos conhecemos há alguns anos. Concretamente a ideia surgiu e pretende mostrar para a comunidade de Genebra, e para o resto do território suíço, aalguns dos fotografados são de outros cantões, que a comunidade mudou, deixou o tradicionalismo de 40 ou 50 anos atrás e que a presença portuguesa na Suíça tem evoluído num sentido positivo e que há coisas novas, novas caras, novas profissões, novos actores, não menosprezando, obviamente, o legado dos que aqui chegaram há mais tempo. A nossa comunidade é antiga, sólida, com uma presença muito marcada, e que pela dinâmica própria dos tempos, sofreu mutações. A comunidade hoje é outra e com este trabalho fotográfico, que não necessita de legendas, queremos apresentar esta nova comunidade do ponto de vista positivo. É muito diversificada, um caminho entre gerações de emigrantes e luso-helvéticos. A iniciativa tem igualmente como objectivo aproximar a comunidade dos suíços, envolvendo-se em todas as áreas de actividade social e cultural, por isso a iniciativa ser uma parceria com as instituições suíças, nomeadamente a vila e o teatro de Carouge.
Miguel Valle de Figueiredo fotógrafo reconhecido no meio da fotografia, fez desta o seu caminho profissional e paixão. O cliché “uma imagem vale mais que mil palavras”, foi mote para o seu interesse na fotografia?
Não, de todo. Sempre tive muito interesse na imagem. Esse princípio não o sigo, por assim dizer, para mim surgiu no gosto pela imagem, uma maneira que nós temos de falar com os outros, um bocadinho egoísta, se quisermos, que deixamos à livre interpretação de cada um. A mim não me interessa particularmente o que cada um acha da imagem que apresento, gosto de saber que gostam, mas o que pensam não me influencia. Fotografo porque é uma necessidade interior, uma punção fortíssima. Gosto de ser sintéctico e procuro transmitir uma série de ideias, não sei se sou capaz de o fazer muitas ou poucas vezes, mas a tentaiva é essa, evitar de dizer sobre o mundo o que eu penso sobre o mundo, nas minhas imagens está patente isso, está aqui, agora sejam livres de o interpretar. É egoísmo partilhado.
Estudou Direito e de repente abandona e aventura-se na fotografia.
O Direito desiludiu-me. Na altura eu pensava em Direito como um sacerdócio e afinal encontrei o Direito como sendo algo de comercial. Fiquei desiludido e não me quis arrastar em algo que me “violentava” enquanto pessoa. Abandonei numa prova oral com o nosso actual Presidente da República e enveredei por esta actividade há 36 anos sem perceber o que me deu naquele dia. Uns ficaram atónitos outros sem reacção e, entretanto, tive sorte, bons amigos, trabalhei e estudei muito.
O Miguel é um fotógrafo reconhecido internacionalmente, com trabalhos destacados por esse mundo fora. Nesta ideia de que lhe apresentaram qual foi a sua abordagem?
Fiz muitos trabalhos por esse muito fora e sempre me interessei muito pelas histórias portuguesas, quando a Sra. Cônsul-Geral me convidou, fiquei na dúvida sobre como o deveria fazer. As limitações eram algumas em termos de tempo, condições, pessoas diferentes em locais diferentes, como conseguir criar uma unidade expositiva nesta floresta, não perdendo a individualidade de cada um, pessoas com caras, origens diferentes e como montar numa exposição que funcione. Gerações diferentes para serem apresentadas de forma a dizer que mudámos. É também uma forma de mostrar o que andamos a fazer pelo mundo fora, os tempos mudaram, mas as razões para sair continuam idênticas embora sejam pessoas de meios de actividade diferentes, que tem a ver com a qualidade de cada um que faz tão bem ou melhor que os que nos recebem. Acho importante que quem nos recebe perceber isso e nós termos esse orgulho de nos podermos integrar de outra maneira, olhos nos olhos. Nunca fui emigrante, não tive nem sei se teria essa coragem. Esta exposição é uma homenagem aos emigrantes sem filtros de origem, formação académica ou outros.
Os “modelos” acederam e cederam a sua imagem com reservas, sem reservas? A Sr Cônsul dirigiu esses convites.
As fotografias são grandes, ocupam um espaço público em Carouge e ficam expostas. É algo de muito privado e sensível e todos não hesitaram em aceitar o repto. O nosso agradecimento a todos pela coragem. Passar da esfera privada para público é algo de muito particular.
Qual é aqui a prespectiva do fotógrafo.
Na perspectiva fotográfica eu não sei se me arriscaria. É mais fácil estar por detrás das lentes. Achei extraordinário que com as condições a disponibilidade foi fantástica, aliado às condições atmosféricas foi engraçado e trouxe à tona o desenrascanço português.
Na coesão expositiva quais foram os critérios que foram mais apropriados?
Conseguimos ter um leque de personagens muito diversificadas e na exposição há uma linha continuada, os olhos, o olhar. Não o meu olhar, mas o olhar dos modelos. Precisei que olhassem para mim e para além de mim e quando estivessem a olhar para fora saber que estavam a representar a comunidade portuguesa que vão ser vistos como membros da comunidade, mas também como emigrantes. É para esbater um estigma antigo e desajustado dos nossos tempos, mas sobretudo de olhos nos olhos, apresentar a coragem de terem saído de Portugal e a coragem que demonstraram em enfrentar a máquina fotográfica. Fazer as pessoas confiar para lhes fazer um retrato não é fácil, mas acho que consegui captar esse olhar.
Fiquei muito agradecido pela confiança que os modelos tiveram em mim, em se exporem da maneira onde podemos ver a dignidade de cada um e a dignidade de um povo, a história de um povo espelhada nos olhos de cada um, o orgulho no que são e o que fizeram, de serem portugueses.
Dra. Leonor, esta exposição vai marcar o ano civil da comunidade portuguesa, haverá continuidade?
A minha ideia é que esta exposição possa ter “vida própria” e possa ser apresentada em diversos cantões onde a comunidade está representada. Seria muito importante que estas fotos fossem encontrar pessoas “iguais” na sua essência enquanto portugueses de corpo inteiro e, quem sabe, mais tarde fazer um outro trabalho mais aprofundado com base nestas imagens e histórias. Apelo à comunidade que vá ver a exposição, está patente até dia 22 de dezembro na Esplanade du Theatre de Carouge, vão certamente gostar e reconhecer(-se) em muitos dos compatriotas ali expostos. Aproveito para desejar Boas Festas e um Bom Ano Novo aos nossos emigrantes em todo o mundo.
Miguel, muito obrigado pela sua inestimável colaboração neste projeto e na sua presença e disponibilidade para esta entrevista.
As pessoas têm de pensar que as coisas são possíveis, para mim foi uma tarefa muito gratificante, foi estudar com dúvida e realizar com fé. Temos de acreditar no que fazemos e no que nos propõem ter a vontade de ajudar a concretizar. Não esqueçamos que é a primeira exposição no Teatro de Carouge, de qualquer natureza. Os suíços acreditaram, nós acreditámos e a obra nasceu. Uma palavra de agradecimento, uma vez mais, aos modelos e que olhassem para a fotografia como uma arte onde é duro trabalhar e que, felizmente, tem muitos portugueses reconhecidos pelo mundo. Vão e vejam exposições de fotografia. Um abraço à comunidade pela coragem e pala recepção calorosa. Visitem a exposição e critiquem e Boas Festas.
› Ilídio Morgado