Paula Silva nasceu na cidade de Lourenço Marques e com apenas dois anos, veio para Portugal tendo fixado residência em Charneca da Peralva, freguesia de Paialvo concelho de Tomar.
Com apenas dezoito anos, chega à Suíça e fixa residência em Thurgau no ano 1992.
O seu primeiro emprego foi na colheita de morangos, que lhe deixou um amargo sabor, uma vez que resistiu apenas uma semana, aos duros horários e posições físicas que este trabalho impõe.
Logo após conseguiu um emprego numa fábrica de montagem de máquinas de café, onde se desenvolveu profissionalmente.
Não era a sua praia e decidiu mudar de rumo.
Paula Silva não é mulher de baixar os braços e percebeu logo que a única maneira de conseguir algo melhor para o seu futuro, passava pelo aperfeiçoamento da língua alemã.
A trabalhar e a estudar nos cursos nocturnos, consegue assim escalar a difícil escada da via profissional e pessoal.
Foi em Romanshorn, que viu o seu sonho realizado.
Casada e mãe de um casal a Paula desenvolve o papel de mãe, esposa e coordenadora do Departamento de Integração na cidade de Amriswil, cantão de Thurgau,.
Paula como define a sua aventura da chegada a Terras Helvéticas?
Já passaram quase trinta anos após a chegada… mas na altura foi bastante difícil. Eu já sabia um pouco de alemão, pois o meu pai era naquela altura já estagional na Suíça e sabendo eu que a língua desta zona era o alemão, quis preparar-me um pouco. Mas foi muito difícil no início. A burocracia era imensa e quase não havia apoio específico aos imigrantes.
Teve oportunidade de interagir com a Comunidade Portuguesa em busca de apoio?
Houve uma interação no início entre as pessoas conhecidas do meu pai e nós quando chegamos. Mas era uma época difícil, onde era muito difícil arranjar emprego pois ainda havia os contingentes para as pessoas com o permisso B. Isso tornou algumas relações difíceis e dificultou a realização de alguns sonhos e esperanças.
Nos primeiros tempos como conseguiu gerir as dificuldades da ausência de amigos e das duras horas de trabalho na agricultura?
Mal, havia a revolta, a frustração, o desapontamento comigo própria de não ser mais resistente, de não ter podido atingir os meus sonhos mesmo após ter estudado por 12 anos em Portugal. Algo que, entretanto, não é muito raro, mas naquela altura era uma situação muito peculiar. Eu lembro-me de os conselheiros profissionais não saberem o que me poderiam aconselhar pois o meu caso era, na nossa zona, um caso único.
Sendo uma mulher de forte personalidade e com objectivos definidos, foi difícil integrar-se?
Como pessoa especializada em migração (tenho o diploma federal de “Migrationsfachfrau”), fico imediatamente sensibilizada perante o termo “integrar-se”. Esse termo pode levar a diversas interpretações. A interpretação mais básica de “estar integrado” talvez seja o “acto de fazer parte da sociedade”. Partindo desse princípio, estou integrada do ponto de vista de que atuo na comunidade na qual estou inserida, faço parte de associações, não questiono as bases e leis básicas que constituem a vida num país democrático como é o caso da Suíça. No entanto, no meu caso, o “acto de estar integrada” parece-me ser um estado de espírito que consoante a temática e o dia em questão faz com que eu me sinta mais ou menos integrada. Como se diz em Portugal “tem dias…”
Teve muito rapidamente a noção de que a formação académica era necessária. Como alcançou este objectivo?
Eu sempre tive noção que sem estudo não se vai a lado nenhum. Na minha altura só o 6° ano era obrigatório. E apesar das muitas dificuldades financeiras que a minha família passava naquela altura, os meus pais ouviram os meus pedidos e deixaram-me continuar os estudos. Essa noção tornou-se ainda mais forte após termos chegado à Suíça. Nos últimos 20 anos conto também com o apoio do meu marido que, compreendeu a minha fome por livros, por saber mais, por ter uma formação reconhecida na Suíça. Ele levanta-me quando já não tenho forças, organiza as coisas com os nossos filhos para eu me poder desenvolver profissionalmente e ouve as minhas explosões de frustração quando algo não corre como eu gostaria. Os meus filhos, incentivados pelo pai, dão-me força quando tenho algum teste ou reunião e compreendem quando há alturas em que não tenho muito tempo para eles. Com muito suor, muitas noites a estudar, muita perseverança (e talvez desespero para ter uma formação reconhecida) da minha parte, o apoio dos meus filhos e marido assim como a sorte de encontrar as pessoas certas no momento certo fez com que pudesse realizar alguns dos meus objetivos até agora.
Ocupa o seu tempo profissional, sendo tradutora, interprete e coordena ainda o Departamento da integração em Amriswil. Sente-se realizada com o que faz?
P.S. Tem dias…, gostaria de puder ser uma melhor mãe e esposa, gostaria de puder ajudar mais as pessoas com dificuldades, que me rodeiam e que eu acho que são pessoas com um bom coração. Quando olho para trás tenho a consciência que o que fiz até agora, quando muito, é simplesmente uma gota de água no oceano e que ainda falta tanto para fazer.
Está constantemente em contacto com várias culturas e etnias. Quais as Comunidades que tem mais dificuldades e como procura ajudá-las?
Devido às minhas origens e conhecimentos linguísticos sou procurada mais pelas comunidades portuguesa, italiana e espanhola. Também muitos albaneses procuram o escritório de integração. O meu conselho básico é o de deverem tentar aprender a língua o mais rápido possível. Paralelamente aos cursos linguísticos aconselho a participação social ativa na sociedade: seja por fazer parte numa associação, num clube desportivo, num evento de pais, uma festa na cidade, etc. Por intermédio de uma participação social ativa na sociedade em que se está inserido uma pessoa pode obter informações que melhorem o seu dia-a-dia, faz com que não se sinta isolado e em caso de problemas consigo próprio ou com os seus familiares pode-se obter uma orientação mais eficaz e rápida. Mas os imigrantes têm que tomar a iniciativa de se tornarem ativos socialmente e de interagirem com pessoas de outras etnias para além da sua própria.
Sei que está também ligada á Festa da Nações que se realiza anualmente em Romanshorn. Em que consiste esta festa?
A Festa das Nações de Romanshorn é algo indescritível. São mais ou menos 25 Nações que se reúnem uma vez por ano em junho e mostram o que há de melhor a nível culinário. A festa é acompanhada por apresentações culturais desde dança, coros, música instrumental, passagens de moda ou e já houve mesmo a apresentação de luta desportiva. É uma festa familiar, em que as pessoas de Romanshorn e arredores se reencontram e muitas etnias diferentes convivem ao mesmo tempo no mesmo recinto de forma totalmente pacifica. É algo lindo de se ver ainda mais de se participar.
O Festival da Sopa em Amriswil, foi um projeto que elaborou e sonhou durante 7 anos. Conseguiu pô-lo em prática pela primeira vez no ano 2018.Porquê a SOPA e como consegui que o nome ficasse registado em Português?
A SOPA é um desejo muito querido… A SOPA tem como idéia de base o Congresso da Sopa de Tomar, Portugal, a cidade onde cresci. Pouco depois de deixar Portugal começou a realizar-se este congresso, e eu até 2018 nunca o tinha vivenciado. Mas ouvia falar tanto e tão bem dele. Outras grandes cidades de diversos países têm o equivalente ao Congresso das Sopas e eu queria para Amriswil algo diverso das festas culturais dos arredores. Amriwil deveria ter algo especial. SOPA é o culminar de muitos objetivos, nem todos visíveis, nem todos ainda realizáveis ao nível que eu desejaria que fosse. Na SOPA só fazem parte associações ou grupos que de alguma maneira fomenta a integração dos imigrantes. Não há pessoas privadas a oferecerem sopa e isso porque eu desejo que o trabalho muitas vezes exaustivo das associações de voluntários tenha uma plataforma para se apresentar, neste caso, uma plataforma para as associações de estrangeiros. É um evento com preços extremamente baixos (por Fr. 8.00 um adulto pode comer sopa durante a noite toda e uma família com o máximo de dois adultos e quatro crianças até aos 12 anos paga somente Fr. 17.00) o que permite também a pessoas com dificuldades económicas de visitarem uma festa de maneira digna sem gastarem muito dinheiro. Todos os artistas que se apresentam na SOPA vêm por condições muito básicas, todas as associações fazem-no por “amor à camisola” pois as receitas são muito baixas. Nós temos diversos patrocinadores que nos permitem pagar todas as faturas e em caso de haver lucro este será repartido pelas associações e grupos que oferecem a sopa. O nome SOPA ficou implementado com a ajuda de um colega de trabalho, suíço e com uma grande sensibilidade cultural, que me apoiou desde o início e que ligou o nome do evento ao facto de eu ser de língua materna portuguesa. Com alguma perseverança e a ajuda das pessoas certas o evento chama-se SOPA e o povo nem fala em outro nome, ao contrário de algumas opiniões iniciais.
Que mensagem deixa às Comunidades que consigo trabalham, à Comunidade Portuguesa, aos seu amigos e familiares?
Obrigado a todos por me aceitarem, na maior parte das vezes, como sou. Obrigado por existirem e de me apoiarem na realização de eventos como por exemplo a SOPA. Não esqueçam que a vida pode ser difícil, mas que ficar passivo perante o passar do tempo nem sempre é a melhor solução. Cada um de nós deve pensar que os nossos atos e ações não acaba em nós, que muitas vezes têm uma repercussão como a sociedade nos encara, aos nossos familiares, às nossas raízes culturais. Assim sendo devemos pensar qual é a herança que queremos deixar para trás, como queremos que a sociedade, os nossos amigos e mais importante ainda, os nossos familiares se lembrem de nós. Mesmo estando no estrangeiro, mesmo não falando perfeitamente a língua, mesmo não tendo uma habilitação académica reconhecida.
Maria dos Santos