Nicole Eitner, porventura não se reconhece traços de portugalidade e no entanto é o nome de uma portuguesa nascida em Lahr, para os lados da Floresta Negra na Alemanha. De mãe portuguesa e pai alemão, chegou a Portugal, Cascais, com 6 meses de idade e foi naquela bela cidade que cresceu e se fez gente.
Cantora, compositora, pianista, professora de música, vocal coach, esta mulher de armas atravessou géneros musicais, diferentes palcos, sociedades e aterrou em Genebra. No piano dedilha as notas de autores e alunos, assim como as notas da sua vida. Vamos conhecê-la.
Nicole, nascida num lado e criada noutro. Alemã por uns meses e portuguesa para sempre.
Portuguesa e alemã, embora tenha vindo para Portugal com 6 meses mantenho a parte alemã. Curiosamente somente o ano passado voltei à minha terra natal. Cresci em Cascais até à idade de 18 anos quando comecei a voar pelo mundo. Fiz a minha escolaridade no Colégio Alemão e depois dos 18 anos fui estudar para Munique.
Como nasceu esta vocação para a música, influência, chamamento, simplesmente aconteceu?…
Creio que foi por um pouco de isso tudo, uma mistura boa. Na minha casa sempre se ouviu música, quando tinha 3 anos ofereceram-me um mini piano, daqueles de 10 teclas, e quando chagava da creche ia a correr dedilhar naquele objeto deliciando-me com os sons que produziam, julgo que começou a fazer sentido alinhar os sons e fazer “melodias” que surgiam na minha cabecinha. Como a minha mãe teve o seu sonho de aprender piano, que nunca concretizou, viu uma oportunidade na filha e transmitiu o seu sonho para mim, quando fiz 5 anos comprou um piano e o sonho ganhou outra dimensão, começou a minha grande viagem até hoje e até que possa, a música é parte integrante de mim. O piano foi o meu primeiro amor.
Que género de música se ouvia em casa, clássica, pop, fado?...
De tudo, música clássica e muita música contemporânea da altura, pop, fado, jazz, posso dizer que de tudo um pouco. Anos 70, 80, Kate Bush, Donna Summer, Joan Baez Bee Gees, Abba, Bob Dylan, Fleetwod Mac, Cat Stevens, e tantos outros. Noutra fase os Queen, Elton John, Whitesnake. Muita música cantada, vocalizada, grandes vozes, e eu tive, durante 12 anos, formação de piano em música clássica, por isso fui “invadida” por todos estes géneros, deles bebi e reflete-se na música que eu faço, está tudo na ponta dos dedos.
Daí este toque de pop/jazz na sua música.
Sim, esta mistura para mim fez todo o sentido e o resultado na minha cabeça é o que sobressai nas minhas composições. A minha grande influência foi Kate Bush, aquela coisa magnética, uma voz inatingível, foi o toque que me despertou e abriu a minha mente musical para os meus voos. Por outro lado, a minha mãe gostava muito de fado, e cantava muito bem, agora não quer cantar. Imagine-se na comunidade alemã em Lisboa, quando havia encontros eu tinha aquela mãe que cantava fado, ficava toda babada e orgulhosa, e isso teve igualmente influência na emoção, que é o que eu gosto de fazer, compor estando sempre muito perto de uma grande emoção, ou não funciona.
Sente-se nas suas músicas um toque melancólico.
Muito, é esse o meu lado português, completamente. Melancolia bem-dita não é tristeza, é um sentimento de estar envolvida em algo que nos transporta para os nossos sentidos, tal como a música do Rodrigo Leão, ou dos Madredeus, é música que sempre me cativou e que atualmente procuro atingir.
Entretanto dá-se o encontro com uma banda icónica dos anos 80, os Delfins.
Fiz vozes durante algum tempo com os Delfins, foi uma aventura muito enriquecedora da qual guardo boas memórias, faz parte da minha aprendizagem global. A minha relação com eles é muito simples de explicar, nós éramos um grupo de meninas alemãs na praia do Tamariz no Estoril e eles os giraços de Cascais que vinham meter-se connosco. Foi giro porque éramos praticamente vizinhos, voltávamos todos no mesmo autocarro, Cascais era pequeno, toda a gente se conhecia e o contacto natural. Primeiro fizemo-nos grandes amigos, sem música pelo meio, eles eram já uma banda de Cascais, até que um dia o Fernando Cunha me convidou para ir fazer um ensaio. Eu fiz parte de um grupo de jazz na escola alemã quando tinha 16 anos e ele sabia, daí o convite. De seguida, fomos a um “estúdio” minúsculo ao lado da famosa gelataria Santini e correu tudo bem. Eu já cantava muito com a minha mãe, a duas vozes, e para mim saiu tudo naturalmente. Se ouvirem aquela voz feminina na canção “Aquele Inverno”, era eu com 16 anos.
A sua primeira música que escreveu, foi quando tinha 10 anos, dedicada ao dia da Mãe.
É verdade, 10 anos. Quando terminei de tocar, a minha mãe chorava e eu fiquei assustadíssima, que se passou? Não gostou? Mas ela lá me explicou fiquei aliviada e contente. Eu sempre compus ao piano e a minha professora de piano também nunca quis ouvir, era musicalmente austera. Eu gosto e incentivo os meus alunos a compor e apresentar, acho que a interatividade é muito positiva na aprendizagem.
Também fundou um grupo, uma banda.
Sim, o grupo chama-se “Nicole Eitner and the Citizens”, do qual faziam parte músicos excepcionais que me ajudaram muito a elevar o nível da minha música. Viviena Tupikova, Miguel Menezes, Alexandre Frazão, foram companheiros dessa aventura, gente de alto calibre. Eu não sou uma virtuosa ao piano, toco e componho, mas eles são grandes virtuosos e enriqueceram a minha música de uma forma espetacular estou-lhes muito grata. Foi muito bom trabalhar com eles. Eu pretendo voltar para a música e conto com eles para isso.
E para quando esse voltar para a música?
Não é bem voltar porque nunca a deixei, é no sentido de poder voltar aos palcos mais frequentemente. Em Genebra dei concerto em abril, mas olho para o futuro e estou decidida a retomar o palco, esse canto onde posso apresentar as minhas histórias.
Lançou três discos, alguma inspiração em particular em cada um deles ou a necessidade de deixar os “filhos” musicais saírem para o mundo?
O primeiro era para ser uma demo e transformou-se em disco. O primeiro é o best off da nossa vida, temos toda a vida para trás para apresentar, as músicas que se tem na gaveta e podemos escolher as que consideramos melhores, no meu caso é um diário sem factos. Amores e desamores, pensamentos sobre o futuro, reflexões filosóficas, o que vai ser de nós. Os outros são uma sequência de respeitar o primeiro e transmitir os nossos sentidos mais atuais.
O que vai ser de nós. Preocupa-a o estado atual do mundo?
Preocupa-me muito. O mundo está confuso e periclitante. As pessoas não se dão conta, destituíram-se do seu papel de observadores com capacidade de mudar o rumo dos acontecimentos e delegaram esse papel em organizações e personagens com duvidosas intenções. Reparo, nos meus alunos por exemplo, que há muita falta de informação e falta de vontade de a ter. Querem manter-se na sua ignorância porque é cómodo. Os canais digitais são importantes e parte da nossa vida, cada vez mais e perigosamente mais, mas vê-se a influência de indivíduos a ganharem rios de dinheiro por publicarem imbecilidades, alguma delas com perigo de morte, é assustador, transcende-me. Este poder de influência está a minar valores e a transformar pessoas amorfas. Julgo que só poderemos mudar isto na escola, na interação de todos os interlocutores, numa reforma curricular onde se privilegie o diálogo, a colaboração. Encontrar o equílibrio e adaptar-se às necessidades dos momentos. Hoje a oferta da sociedade a todos estes jovens, não faz sombra ao mundo digital, não há atractividade que os leve a considerar uma outra opção que não ficarem agarrados à net e aos conteúdos imbecis que por lá existem e que são cativantes. A net é um mundo maravilhoso que devemos triar, enquanto é tempo.
Compositora, cantora, professora de música e vocal coach. Várias atividades todas interligadas.
A música é a minha vida. Adoro dar aulas, preparar alunos nos diversos géneros musicais e não só. Desde a Teoria e história musical, comparação musical, fazer música, aprender a fazer parte de uma banda, produção musical, etc. É tudo o que se pode fazer no mundo da música. Além do currículo na escola ainda dou aulas privadas, no mesmo espaço, que arrendo, a alunos privados, de piano e canto. É muito gratificante.
Há muita procura de vocal coach e professor de música?
Muita. Eu tenho uma lista de espera de 30 alunos, atualmente, não tenho é tempo. Mas é salutar verificar que as pessoas atribuem essa importância à música, para uma evolução harmoniosas e um “refúgio” do dia a dia.
O que é para si a música?
A música é cura. Cura. A mim curou-me ao longo da vida. Dos meus momentos menos bons e das tempestades que todos temos. Cura a alma e traz uma paz infinita.
Ilídio Mrgado