› Ilídio Morgado
Dufferin Club, Club Privé, Rue de Hesse 1, Genève, assim dito parece somente um clube mais, mas o que ele “esconde” é muito mais que um nome escolhido ao acaso. Indissociável do proprietário, figura carismática na comunidade portuguesa, é um local de encontros de muitas culturas, diversificado, multifacetado e integrativo. Pontos em comum: bilhar, charutos, os melhores vinhos, portugueses, e não só, e a incontornável figura de Leonel Pereira simplesmente Leo.
Tem a habilidade dos barmans, na sua capacidade de ouvir mais do que falar, e a firmeza de repreender quando é necessário. Trata os seus clientes como amigos, sempre afável, conhecedor e tem aquele halo de figura conciliadora. Com ele não há problema que não se possa solucionar entre amigos, tem uma rede de amigos por tudo o que seja lado, e recebe-nos sempre com o entusiasmo de quem nos vê pela primeira vez. Vamos falar com o símbolo de um local mítico e cheio de história.
Leonel Pereira, viseense de Almargem, o homem que grande parte da comunidade conhece, faz parte da história da emigração portuguesa na cidade de Genebra. Chegou, viu e venceu?
Era bom! Não foi bem isso mas reconheço que o meu percurso foi, é e continua a ser, um caminho de trabalho, sacrifício mas igualmente de satisfação pelo que consegui, humildemente, atingir. Cheguei aqui com os sonhos de um jovem com a responsabilidade de ir ser pai, eu com 19 e a minha companheira com 16 anos, o que para aquela altura era complicado. Vim, como muitos, à procura de ter oportunidade de fazer uma vida melhor, em anos onde havia muita dificuldade para se conseguir o famoso “permis”.
A hotelaria / restauração já era algo que o atraía ou foi o “que havia na altura”?
É mais isso, o que havia na altura. O percurso passou, como para muitos, pelos trabalhos em restaurantes, bares e hotéis. Fiz de tudo um pouco, começando por baixo e subindo gradualmente, nunca me acomodei e procurei sempre adquirir mais conhecimento e experiência. Entretanto fui tomando o gosto ao que rodeia a área da restauração e hotelaria, ao contrário do que se possa pensar é fascinante, precisa de muita dedicação, principalmente quando se assume um negócio próprio, mas é uma actividade abrangente e sempre inovadora e dinâmica onde há sempre espaço para fazer algo de novo. A um certo momento estudei para obter a licença de exploração de estabelecimentos de restauração, e lancei-me por minha conta. Tive vários locais, restaurantes e bares até me fixar neste local, uma boa decisão.
Falemos do Club, ou Bilhar, como é mais conhecido. Que dizer?
O Dufferin Club é um clube privado. Temos mais de mil membros inscritos, obviamente que muitos já partiram do país e deste mundo, mas muitos são os que se mantém activos. Temos regras próprias adequadas ao funcionamento enquanto clube privado, com direitos, deveres e obrigações para todos, eu incluído. Com a diversificação de estabelecimentos similares, e outras ofertas, não posso dizer ao certo quantos frequentam / aparecem por aqui, mas continuam a ser muitos, uns mais fiéis que outros, por motivos de localização e de acesso, mas com assiduidades flutuantes, depende.
Como já referido, temos 3 mesas de bilhar / snooker. Estamos inscritos na Federação Suíça e organizamos e participamos em torneios em toda a Suíça.
O clube não se esgota no bilhar, é um local epicurista, conhecido pela excelência de vinhos e charutos, não é assim?
Eu sempre procurei oferecer aos membros do clube uma diversidade de produtos onde a qualidade fosse a primeira das preocupações. Assim continuamos. Dentro dos meus humildes conhecimentos, por curiosidade pessoal e profissional, faço as minhas escolhas de produtos seguindo os melhores padrões de qualidade. Posso dizer que conheço todos os produtos que temos no Clube, desde a escolha de águas, refrigerantes, cervejas, vinhos, espumantes, champanhes, bebidas espirituosas, é feito de uma forma criteriosa e atendendo à oferta que tenho para uma clientela que é muito diversificada. Sem arrogância, posso dizer que teremos das melhores ofertas de produtos em Genebra.
Mencionou uma palavra que poderíamos dizer que é transversal ao clube, partilha.
Sim. O Clube é um espaço de partilha, convívio e confraternização. Os membros do clube são amigos, que se encontram num local onde se respira a tranquilidade de sabermos com o que contamos. A lista de membros do clube engloba pessoas de toda a sociedade sem qualquer diferenciação. Aqui estão todos, os que nos mantém as ruas limpas até aos que nos cuidam quando temos problemas de saúde. Pedreiros, serralheiros, médicos, serventes, arquitetos, maquinistas, contabilistas, banqueiros e bancários, polícias, taxistas, advogados, marchands de arte, cineastas, jornalistas, diplomatas…, todos se conhecem e todos se relacionam. É muito gratificante. A minha maior alegria é ver passar pela porta pessoas que já partiram da Suíça e que cada vez que por aqui passam fazem questão de nos visitar. O Dufferin não é fechado, é quase uma filosofia, humildemente, que atravessa fronteiras, fica dentro de quem por aqui passou e que não se esquece.
Sendo o clube tão abrangente, tem de ter um fio condutor que não se afaste da linha traçada. Como é que se mantém? Sendo um clube privado?
Não sei, é uma resposta que só os frequentadores poderão responder. Mantenho a minha convicção que com respeito tudo se resolve. Sendo um clube privado penso que possa ajudar, afinal todos os membros são iguais e sabem que eu os trato de igual para igual. Aqui não existem diferenças. Convivem pessoas dos cinco continentes, sem tirar nem por. Aqui todos se conhecem, ou quase todos, e, até aos dias de hoje, nunca houve problemas relacionados com origens. Somos heterogéneos, com a riqueza de cada um misturado num clima de bilhar, vinhos e charutos.
Com tantos anos, terá muitas histórias para contar…
Sim. Este local já albergou grandes nomes da música portuguesa, e continua. Recebemos visitas de artistas portugueses e estrangeiros com frequência, seja porque já nos conhecem ou porque algum dos nossos membros os traz aqui para lhes dar a conhecer o nosso ambiente. A maior parte volta de cada vez que passam por Genebra fazem-nos uma visita. Já tivemos aqui grandes noites de fado, bailes (temos uma sala na cave), tertúlias de diversa índole. Ecléticos e disponíveis para manifestações enriquecedoras.
Depois de tantos anos, sente o “peso” dos anos, pensa no futuro do Clube?
Obviamente que os anos pesam, é inevitável. São muitos anos dia e noite, todos os dias madrugada dentro. Hoje a oferta de locais é diferente, a dinâmica social também é diferente, gostos, tendências, modas, etc. Não obstante, o Clube mantém a sua clientela fiel. É hoje mail flutuante mas cá nos vamos orientando. O futuro é algo em que penso e, sinceramente, ainda não tenho ideia firme sobre o que fazer. Não vai ser fácil, afinal é como se fosse um “meu bébé”, deixar um nosso bébé para alguém é difícil. Algum dia terá de ser, o tempo é inexorável, acho que ainda tenho uns anos…afinal só tenho 62… O meu maior desejo é que o Clube continue a ser o local de encontro que hoje é, tranquilo, amistoso e de partilha. Uma das minhas maiores conquistas foi o ter conseguido reunir tanta diversidade num local e tanta amizade. É algo que me orgulha muito e que espero poder transmitir a quem no futuro siga à frente dos destinos desta casa de todos.