› Adelino Gomes
Aconteceu nos dias 27 e 28 em Renens e teve uma extensão de algumas horas em Genebra, no dia seguinte. Envolveu professores, alunos “parlamentares” e famílias de portugueses na Suíça.
Juntou-se-lhes um grupo de jovens cineastas, alguns deles, aliás, premiados em festivais internacionais. Integrava a “delegação” o muito apreciado crítico e divulgador de cinema na RTP, Mário Augusto, que me desafiou a com ele “contracenar”, recordando o velho, o novo e o novíssimo cinema português. Este último, pelo que vimos na mostra, protagonizado pela actual, promissora e muito empenhada geração, a que ousei chamar de Abril.
Cheguei algo céptico; saí cheio de esperança. A quem não assistiu deixo meia dúzia de notas, algo pessoais, antecedidas de merecidos parabéns a organizadores e participantes, na pessoa da Coordenadora do Ensino Português na Suíça, prof.ª Lurdes Gonçalves, a quem agradeço também o convite.
- Apesar do já narrado na presente edição da Gazeta Lusófona (p. 6) por Sónia Melo e António Carvalho, professores EPE Suíça, impõe-se-me começar pelo 1.º Parlamento dos Jovens da Suíça. Ao intitularem-no “Liberdades individuais/ Responsabilidades colectivas”, docentes, alunos e ex-alunos de escolas de seis regiões faziam uma promessa que era, ao mesmo tempo, um desafio. Ganharam o último, cumprindo a primeira. No dia anterior citara-lhes este parágrafo de António Barreto (sociólogo, ex-ministro, antigo exilado na Suíça): “A liberdade permite que todos vivam em conjunto e vizinhança. Ajuda a compreender o lugar de cada um e dos outros”. Sim, o usufruto das liberdades individuais tem como contrapartida a prática das responsabilidades colectivas. É na harmonização de direitos e deveres que assenta a democracia. Assisti a uma lição do que deve ser uma Cidadania Participativa. Dada por alunos do Secundário, sob a orientação do prof. António Carvalho.
- Nesse segundo e último dia do programa, propus-me guiar uma romagem radiofónica ao “dia inicial” que Sophia de Mello Breyner Andresen cantou. Dei a ouvir: um pequeno excerto das palavras que disse ao microfone da estação em que estava impedido de trabalhar desde 1972 por não ter submetido um texto à censura; declarações em pleno cerco ao Quartel do Carmo feitas por Salgueiro Maia aos jornalistas e que consagraram a entrada do povo como 3.º actor naquilo que até aí era apenas um golpe de Estado; uma escuta telefónica que demonstrava a desorientação militar do regime; e o histórico discurso do oposicionista Francisco de Sousa Tavares, empoleirado na guarita da entrada do QG da GNR, ao Carmo.
- Assisti, nas horas que se seguiram, a uma verdadeira festa de aldeia portuguesa tendo como pano de fundo imagens dos militares e do povo durante o dia de há 50 anos que tão presente continua no imaginário colectivo. Foi inesquecível, mas não foi tudo.
- Na noite final das comemorações e no dia seguinte esperavam-me a descoberta literária de um conterrâneo (nasceu na Marinha Grande, a dezena e meia de quilómetros da terra onde nasci), exilado desde 1962 na Suíça; e uma excelente e singular entrevista na Rádio Arremesso.
- Além de mim, responderam às perguntas do director da estação Ilídio Morgado, o histórico prof. António da Cunha e a Cônsul-geral de Portugal, Maria Leonor Esteves que, além de uma participação constante nos dois dias das comemorações, se encarregou ela própria, a certa altura da entrevista, de nos fazer perguntas à altura da sua formação académica, adquirida na Universidade Nova de Lisboa. Seguiu-se longo almoço em que muito se falou de tudo, numa partilha rara de pontos de vista e de histórias vividas.
- Já tinha notado uma forte presença da literatura, em particular da poesia, na casa onde dormi as duas noites de estadia. Até na parede sobre a cama que Madame Gottardi me reservou me chamaram a atenção quadros ilustrados com poemas assinados por Luiz-Manuel (pseudónimo de Luís Manuel Ferreira dos Santos, 1935-2011). Não ouvira até então falar dele. Confessei-o à minha “hospedeira”, sua viúva. Os livros que logo ali seleccionou para que desse uma vista de olhos antes de sair da Suíça e os que me ofereceu para leitura no avião e em casa envergonharam a minha ignorância. A obra foi acolhida na Biblioteca Municipal da Marinha, e as suas cinzas levadas para junto do farol de S. Pedro de Moel, sobre o qual deixou escrito La Théorie du Phare.
Em homenagem, deixo-vos estes versos, transcritos (espero que sem gralhas) de um dos quadros do quarto onde dormi: Renferme toi dans ta coquille d’ímpuissance // e de fierté: tu ne sais ni pleurer ni sourire, / tu ne sais pas saluer les gens qui te / croisent et lire la réponse dans leurs yeux. / Tu est debout, silencieux et hostile, l’étranger / parmi ceux que tu aimes.
Sem surpresa, certamente, para o leitor (e para mim, que também vivi não longe daí, emigrado), o autor intitulou-os… L’étranger.