› Fernando Morgado (entrevista)
› Ígor Lopes (intro.)
O secretário-geral do Partido Comunista Português (PCP), Paulo Raimundo, esteve em Echallens, uma comuna da Suíça, situada no distrito de Gros-de-Vaud, no cantão de Vaud, no dia 28 de maio, num evento que decorreu próximo ao Collège des Trois-Sapins e que reuniu militantes deste partido. Em pauta esteve o tema “Emigração e Comunidades Portuguesas no Séc. XXI”.
“Esta é a minha primeira participação em iniciativas na Emigração. E gostaria de dizer que dificilmente poderia ter começado melhor. (…) Nesta Festa que aqui nos reúne, neste país, para onde tantos portugueses optam por emigrar. Nessa procura por uma vida melhor que leva tantos milhares de portugueses não só para a Suíça, mas para muitos outros países, dentro e fora da Europa. Como temos afirmado, emigrar deve ser um direito, uma opção e não uma obrigação, ou a única saída pela falta de perspetivas no país onde nascem, crescem e têm as suas raízes”, disse Paulo Raimundo durante a sua intervenção.
Este responsável destacou ainda as linhas que norteiam a política do PCP pela emigração.
“Defendemos uma política de proximidade com o reforço de meios e trabalhadores da Rede Consular, a gratuitidade no acesso ao ensino do Português e a contratação de mais professores para o ensino da Língua Portuguesa no Estrangeiro. Nos últimos anos, muitos serviços consulares encerraram, enquanto outros concentravam valências a centenas de quilómetros de onde se encontravam anteriormente. O pagamento de propinas no ensino básico e secundário em português, a não gratuitidade dos manuais escolares – contrariando o que se faz hoje em Portugal -, a não contratação dos professores necessários, são fatores de desvalorização e de destruição progressiva do ensino da Língua Portuguesa no Estrangeiro que levam à privação de muitos portugueses daquele que é um direito constitucional: o direito à sua Língua materna”, anunciou Paulo Raimundo.
O secretário-geral do PCP referiu também que “a emigração que leva muitos portugueses a sair do seu país, com o objetivo de se realizarem pessoal e profissionalmente, tem origem no desemprego, na precariedade, nos baixos salários, no agravamento da exploração e do empobrecimento, na falta de perspetivas de realização pessoal e profissional em consequência da política de direita praticada por sucessivos governos, contando com a cumplicidade de anteriores e do atual Presidente da República”.
O evento em Echallens ficou marcado também pela apresentação da Tuna Helvética.
Para aprofundarmo-nos nas ideias do secretário-geral do Partido Comunista Português (PCP), Paulo Raimundo, o Gazeta Lusófona, em parceria com a Rádio Arremesso, conversou com este responsável, após participar nessa Festa Convívio Nacional na Suíça. Questões como a sua visão em relação à comunidade portuguesa, as linhas orientadoras da política defendida pelo seu partido, a situação dos trabalhadores em Portugal, entre outros temas, marcaram a entrevista.
A primeira pergunta tem precisamente a ver com a sua visita a um país de cariz capitalista de um Secretário-Geral do Partido Comunista Português. Uma visita curta à comunidade portuguesa, como se passou e as suas primeiras impressões?
Primeiro, agradecer a oportunidade de estar convosco. Dizer que é a minha primeira saída nas funções de Secretário-Geral numa iniciativa do sector de emigração do Partido e dificilmente que poderia começar de melhor maneira. Fomos recebidos de uma forma muito calorosa e intensa numa magnífica ação, com muito convívio, música, partilha, uma manifestação trabalhosa, mas de grande determinação. Acho que tudo isso representa as características da emigração aqui na Suíça, gente trabalhadora, dedicada, que também vai alargando a sua capacidade de influência política, económica e social na sociedade suíça, reconhecida pela forma de estar, na partilha da sua cultura e raízes. Vou cansado, mas genuinamente muito satisfeito.
O Paulo, desde que ingressou no mercado de trabalho, que sentiu, na altura, enquanto trabalhador-estudante, as contradições do dia a dia, a realidade do trabalho mal pago, a exploração, a precaridade. Foram estas as razões que o levaram ao PCP e não a outro partido? Por entender que o PCP defende melhor os direitos dos trabalhadores?
Obviamente que as experiências da vida condicionam as nossas opções. Dou um exemplo, na época, era padeiro e o proprietário queria pagar o salário em tickets de refeição. Ora, como bem se entende, não se pode pagar contas com este tipo de “vales”, é uma pequena experiência que nunca mais me esqueci. Outro também pretendia pagar os subsídios de férias e Natal com sapatos, hoje parece anedota, mas passou-se. Estas situações despertaram em mim o sentido de lutar contra estas e outras injustiças. Vivia num distrito muito marcado pela luta dos direitos dos trabalhadores, Setúbal, de grande confronto, com muita pressão sobre os salários, sobre o desemprego, as condições de vida muito precárias e exigentes. À certa altura da vida, temos de fazer opções e foi por aí. Um camarada já falecido dizia que existem três caminhos para chegar ao partido, pela cabeça, pelo coração e pela barriga. Há várias formas de vir ao partido e a minha vivência orientou-me para este caminho. Tive a sorte e privilégio de encontrar pessoas que me ajudaram e envolveram noutras perspetivas de vida, no mundo associativo, onde comecei a entender as diferenças e lutar pelo que é mais justo e agora aqui estou.
Tomemos como exemplo o seu distrito, Setúbal, tão fustigado por confrontos sociais, a luta de classes, bastião do PCP. Quase 50 anos depois do 25 de abril, é atual ou, hoje em dia, com todas as solicitações, há uma dispersão de pensamentos que resulta numa perda do sentido dessa luta?
Eu concordo. Existe uma dispersão maior das questões, e há um conjunto de situações que faz com que torne mais exigente e difícil algo que não passou, nem vai passar, que é a luta de classes. Ainda ontem, houve uma iniciativa que incidia sobre estas questões. Atualmente, em Portugal, e não só, existe uma intensa luta de classes nomeadamente, o ataque contra os direitos e salários. Os salários são uma questão fundamental e, para nós, o aumento dos salários é uma emergência nacional, já era e, neste contexto de pressão sobre o custo de vida, está mais presente do que nunca. Há duas matérias sobre as quais a luta de classes será sempre atual, em torno dos salários, quanto menos se pagar mais fica para a outra parte, e os horários de trabalho, quanto mais horas se trabalhar e menos se pagar por elas. Mas há outras questões, por exemplo, quando existia a Lisnave e a Setenave, muitos trabalhadores que tinham um poder de negociação muito grande. Com o desmantelamento perdeu-se esse poder, reivindicar tornou-se mais difícil. Hoje, temos uma realidade que dispersou os trabalhadores, criou uma precaridade brutal no trabalho.
As dificuldades continuam as mesmas. As pessoas em Portugal dão-se conta dessa precaridade? Há a perceção do que enfrentam?
Dão-se conta. Eu sou do tempo em que tentaram convencer a minha geração de que o emprego para a vida não era o que a malta queria, que os jovens queriam era poder rodar por diversas empresas, ter muitas experiências, emigrar. O que depois existe é que esse sonho não se verifica. A realidade concreta é outra. É a insegurança de não saber se vai trabalhar no dia seguinte, temos cada vez mais situações de contratos ao dia, em empresas a funcionar todos os meses. Temos os contratos precários, que ganham menos fazendo exatamente o mesmo trabalho dos que são efetivos. As pessoas sentem isso e, apesar das dificuldades, há uma grande mobilização em relação ao aumento dos salários e pela efetivação de contratos precários em permanentes quando as funções são as mesmas. O exemplo mais flagrante são os professores, por exemplo, cuja luta se arrasta há décadas, criando instabilidade em profissionais com consequências, como falta de motivação. Há uma falta de respeito.
O PCP é um dos mais antigos partidos comunistas do mundo ocidental. Com todas as mudanças sociais e políticas por todo o mundo, o PCP manteve as suas convicções. O papel do PCP está hoje desconsiderado, tendo em conta que tem uma ação fiscalizadora importante das políticas governativas?
Acho que não. Hoje é muito visível sempre que o PCP diminui a sua influência eleitoral, os direitos das populações, dos trabalhadores, dos microempresários, recuam, e, sempre que se verifica o contrário, os direitos avançam e temos um período recente onde pudemos verificar isso mesmo com a “Geringonça”. Entre 2015 e 2019, ficou evidente esta realidade. Não fizemos parte do governo, mas pudemos condicionar o governo para que não se encostasse à direita e recuperar direitos que se tinham perdido. Para os emigrantes, por exemplo, foi conquistado direito aos manuais gratuitos para o ensino da língua. O problema de fundo é que em Portugal quem domina e determina as políticas são os grandes grupos económicos e têm em mãos instrumentos políticos para cumprir os seus interesses. Nós afrontamos esses grupos, como se sabe, não gostam de ser afrontados. Se atentarmos bem, o BCE aumentou as taxas de juro de tal maneira que hoje há pessoas com sérias dificuldades para pagar os créditos das suas casas, deixando de fazer muitas coisas, inclusive comer. Enquanto isso, os cinco maiores bancos portugueses tiveram 10,7 milhões de lucro por dia, no primeiro trimestre. Algo está mal e nós não pactuamos com esta situação. Mais cedo ou mais tarde o povo fará ouvir a sua voz, o mesmo povo que fez o 25 de abril, são os mesmos. As comemorações dessa data foram de uma grande pujança e de demonstração de que abril está bem vivo, embora por cumprir muito do que significa.
O PCP é apresentado como um partido cinzento, ultrapassado e acusado de se agarrar a dogmas. Parou no tempo um partido que tanto lutou ao longo da sua história?
Nós temos um projeto de sociedade, propostas, ideias. O objetivo é claro, elevar as condições dos trabalhadores e do povo. Não olhamos para o país como sendo pobre. Temos capacidade e riqueza, não somos autossuficientes, mas podemos produzir mais do que produzimos. Mas este nosso projeto confronta-se com realidades que já aqui falámos. Por exemplo, propusemos que o banco do Estado, a CGD, decretasse como spread máximo 0,25%. Teria um efeito imediato sobre os clientes da CGD e também sobre todos os outros, votaram todos contra. Talvez os cinco maiores bancos não tivessem os lucros que obtiveram. Para contrariar tudo isto há meios de nos colocar em posições que não correspondem à realidade e não nos concedendo espaço mediático para que possamos dar a conhecer as nossas ideias. É por isso que as nossas fotos são muitas a preto e branco e o tempo de antena é muito inferior aos outros intervenientes.
O PCP vai continuar convencidíssimo de que o seu projeto para o país é viável e o melhor?
Obviamente, as maiores dessas convicções estão todas plasmadas na Constituição da República, cumprindo-a estaríamos perto do nosso projeto para o país. O instrumento existe, é preciso concretizar. Também existe o desvirtuar do que lá está bem escrito. Direito à habitação, à saúde, o ensino ser tendencialmente gratuito, salários iguais, etc. Não é um projeto muito criativo, já tem algum tempo e tem o seu espaço na Constituição da República.
Sabe que se questiona o número de deputados na Assembleia da República (AR), considerando que fariam o mesmo com menos…
Percebo a questão. A democracia exige investimento, esforço e dedicação. O que interessava mesmo é que a Constituição da República fosse cumprida. O número não é propriamente um problema, são as maiorias que se formam, o resultado desse número, o que tem feito para o país. Há um desvio à letra da Constituição da República. Se tivéssemos menos deputados poderíamos estar mais à mercê dos maiores grupos económicos e dos grandes partidos. Quem não respeita a Constituição da República não sofre consequências, quem as sofre são os mesmos, o povo. Recentemente, na pandemia, foram retirados direitos às populações, antes disso, foi a crise internacional e hoje é a guerra. Todos somos contra a guerra, condenamos, mas é a razão hoje apresentada. Um dos engodos para enganar o povo é o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), são 16 mil milhões, os mesmos que tivemos de injetar nos bancos privados e que agora nos apresentam como a salvação do país.
A onda de crescimento da extrema-direita preocupa?
Julgo que o que dá corpo à extrema-direita é a inação dos partidos que governam. Provoca indignação. As pessoas sentem-se enganadas, olham e tudo parece um lamaçal. É a falta de correspondência entre o que se diz que se vai fazer e o que não se faz, agravando as condições de vida e cortando nos direitos das populações que provoca ondas de protesto em várias dimensões. Se o caminho puxa por valores e ideias reacionárias e perigosas, se o ambiente mediático é esse e a ação política é essa, a extrema-direita não precisa de se esforçar, tudo lhe vai cair ao colo.
Relativamente à atual situação política, receia-se que haja a dissolução da Assembleia da República?
O que mais incomoda é que a situação é propícia a tudo ser diferente, para melhor. Há uma maioria absoluta, há meios e não temos evoluído no essencial, que é resolver os problemas das pessoas, eleições antecipadas não é solução. Cria uma descredibilização política grave a nível internacional que não precisamos de todo.
Muito fica por dizer, mas peço que deixe uma mensagem aos nossos compatriotas…
Uma mensagem de esperança e de confiança. Mesmo neste momento conturbado que vivemos, as dificuldades são muitas, uma grande confusão, é uma evidência. Temos um país extraordinário, um clima apetecível, meios e recursos que muitos gostariam de ter, gente calma, mas extremamente competente, trabalhadora, de grande qualidade, capaz de mover montanhas. Temos tudo para pôr o país a andar para a frente o que terá três consequências positivas, no povo, no país e nos que, entretanto, saíram do país para procurar uma vida melhor. Temos esperança e confiança de que este povo que conquistou abril encontrará os caminhos necessários para fazer cumprir abril, que é o que falta.