› Ígor Lopes
A Coordenação do Ensino Português (CEPE) na Suíça vai, em 2023, prosseguir com o investimento na digitalização da rede do Ensino Português no Estrangeiro (EPE), tanto no âmbito dos procedimentos administrativos da CEPE, como no âmbito do processo de ensino e aprendizagem e de gestão didática, agilizando o trabalho de todos”, avançou Maria de Lurdes Santos Gonçalves, coordenadora da Estrutura de coordenação do Ensino Português na Suíça.
Maria de Lurdes Gonçalves, que também coordena a atividade docente, projetos pedagógicos, além de liderar a formação contínua e a avaliação de professores na Suíça, afirmou que a entidade continua a “apoiar e a motivar o corpo docente, envolvendo-o no objetivo comum, alimentando, desta forma, o sentimento de pertença à CEPE Suíça”.
Em entrevista à nossa reportagem, Maria de Lurdes Santos Gonçalves, que está nestas funções no país helvético desde setembro de 2013, sendo este o seu décimo ano letivo em funções, explicou o trabalho da entidade em prol da promoção da língua e da cultura portuguesas, além de sublinhar o perfil dos estudantes que aprendem o português pelo Instituto Camões na Suíça, as ações previstas e os resultados obtidos.
Como está estruturado o trabalho do Instituto Camões na Suíça? Quais os objetivos?
Enquanto Coordenadora da Estrutura de coordenação do Ensino Português na Suíça, sou responsável pela a rede de ensino de Português na Suíça, coordeno a atividade docente, projetos pedagógicos, sou responsável pela formação contínua e pela avaliação de professores. A atividade da CEPE Suíça estrutura-se em três eixos de ação, traduzidos em macro objetivos orientadores da ação, colocando em destaque os seus aspetos estruturantes e cultivando o trabalho colaborativo e a comunicação clara e transparente no seio da CEPE, com todos os seus interlocutores. Em 2023 prosseguimos o investimento na digitalização da rede EPE, tanto no âmbito dos procedimentos administrativos da CEPE, como no âmbito do processo de ensino e aprendizagem e de gestão didática, agilizando o trabalho de todos. Continuamos a apoiar e a motivar o corpo docente, envolvendo-o no objetivo comum, alimentando, desta forma, o sentimento de pertença à CEPE Suíça. O investimento na digitalização abrange igualmente ações no âmbito da promoção da Comunicação e Visibilidade da CEPE, visando à divulgação e promoção da língua portuguesa, potenciando a comunicação, a circulação e acesso à informação de forma rápida, assegurando uma visibilidade crescente.
Aqui ficam os eixos de ação e os respetivos macro objetivos:
- Atividades letivas, não letivas e projetos:
Implementar/apoiar/participar em atividades/projetos que contribuam para a valorização e divulgação da língua e cultura portuguesas, bem como para a divulgação do trabalho realizado no EPE-Suíça e promover a língua e cultura portuguesas junto dos alunos, encarregados de educação, comunidade portuguesa, população residente na suíça e entidades educativas cantonais e federais.
- Desempenho e desenvolvimento profissional:
Monitorizar e apoiar a prática pedagógica dos docentes do EPE na Suíça e planear e promover um programa de formação contínua adequado ao perfil dos docentes e contexto de ensino, continuando um trabalho de proximidade, de apoio e monitorização das práticas docentes, visando ao desenvolvimento qualitativo das mesmas e utilização crescente e domínio dos meios digitais no ensino.
III. Organização e gestão:
Promover uma cultura de diálogo, entreajuda e colaboração no âmbito de uma organização dinâmica, aberta e flexível, continuamente adotando boas práticas de gestão, visando à qualidade nos serviços prestados e promovendo um trabalho mais articulado com o ensino regular suíço, associações de pais e encarregados de educação e comunidade portuguesa na Suíça; apostando na comunicação e divulgação digital.
Orientados pelos três macro objetivos expostos, continuaremos a construir um caminho capaz de colocar o digital no centro das estratégias e práticas de ensino, numa abordagem holística global, para que o EPE se renove e assegure um futuro sustentável da presença da língua portuguesa junto da Diáspora na Suíça.
Quais são os desafios encontrados hoje no ensino da língua portuguesa na Suíça?
No âmbito do trabalho da CEPE Suíça, identifico três desafios: o primeiro está relacionado com as condições logísticas e de desenvolvimento curricular. Na verdade, o acesso à rede internet, a salas melhores, ao contacto com colegas, e à participação efetiva nas atividades do ensino regular suíço em muito poderão contribuir para melhorar a qualidade do serviço que a CEPE Suíça presta à comunidade portuguesa na Suíça; o segundo desafio articula-se com o primeiro e diz respeito ao processo de progressiva utilização dos meios digitais no ensino, capacitando docentes e discentes para novas formas de ensino colaborativo e digital, quer em modelos presenciais, online ou híbridos Pretende-se, assim, constituir um ecossistema educativo digital, que permitirá a aceleração de processos pedagógicos, didáticos, comunicativos e administrativos entre todos os elementos da comunidade educativa, marca de uma educação de qualidade, de confiança e de futuro; o terceiro desafio diz respeito ao trabalho em colaboração com as entidades educativas e professores suíços, no âmbito da valorização da diversidade linguística, do plurilinguismo. Importa respeitar, valorizar e rentabilizar todas as línguas que integram o repertório linguístico dos nossos alunos, tanto nas aulas do EPE, como no seio do currículo suíço, no domínio Línguas.
Que resultados têm obtido?
Iniciámos já no ano letivo passado o processo de digitalização da gestão administrativa no âmbito do trabalho dentro da CEPE Suíça. De salientar que, na sequência da pandemia, o corpo docente da CEPE Suíça investiu fortemente em formação sobre a utilização de meios digitais no ensino. Atualmente, as ferramentas didáticas digitais fazem parte do quotidiano do trabalho nas salas de aula e a colaboração e partilha no seio do corpo docente tem vindo a consolidar-se. Além disso, temos investido na dinamização da nossa página internet www.epesuica.ch e estamos presentes nas redes sociais (FB, Instagram) para divulgar o trabalho realizado. De sublinhar também que a visibilidade do trabalho da CEPE Suíça tem vindo a aumentar tanto no que diz respeito ao trabalho realizado com os alunos, como na divulgação do conhecimento profissional construído pelos professores, partilhado na publicação online Dinâmicas de (investig)ação em contextos de promoção da língua portuguesa: a presença do CIDTFF na rede Camões, I.P. (Textos disponíveis http://hdl.handle.net/10773/31307). Exemplo deste movimento de valorização é o destaque dado na página internet do ensino primário Genebrino (https://edu.ge.ch/enseignement/recherche/disciplines/classes-d-accueil-2499/degres/enseignement-primaire-1/contenu/ressource_pedagogique e https://edu.ge.ch/enseignement/accueil-des-eleves-allophones/ressource/projet-dip-portugal-4443 ao projeto colaborativo entre o Departamento de Instrução publica de Genebra e a CEPE (DIP-PT), que apoia alunos na integração escolar e linguística. Com efeito, o trabalho realizado com a marca Camões. I.P. tem vindo a ganhar destaque no âmbito de encontros didáticos organizados por várias entidades educativas suíças tendo a CEPE sido convidada a apresentar o seu trabalho na HEP-BEJUNE, de Biel, nos encontros em 10 setembro e 21 de março 2022 (https://www.hep-bejune.ch/fr/Informations/Actualites-Agenda/Actualites/Mediations-entre-langues-d-origine-et-langues-de-scolarisation.html). Na sequência deste evento, estamos a participar num projeto de formação de formadores para professores do Ensino de Língua de Herança, Formation romande à la didactique de langue d’orignie/d’héritage, gerido pela HEP-BEJUNE e tendo como parceiros os cantões de GE, NE, FR, VL. Também apresentámos o nosso trabalho em reuniões dos coordenadores do ensino de língua de herança em Genebra, no dia 15 de setembro e em Zurique no dia 5 novembro 2022. Além disso, de destacar a participação da CEPE, enquanto membro da equipa científica, no projeto Mehrsprachige Bildungsräume – Integrative Sprachförderung durch Linguistic Landscape, coordenado pela Professora Doutora Edina krompák da PH-Luzern e financiado pela Confederação Helvética. https://swiss-scape.ch/
É possível informar quantos falantes de língua portuguesa existem na Suíça?
259 mil portugueses estão inscritos nos registos da Embaixada e Consulados. O português é uma língua que se ouve facilmente por todo o país, com mais relevância nos cantões de expressão francesa. A comunidade portuguesa constitui o terceiro maior grupo de imigrantes, a seguir à italiana e à alemã. Além disso, o português é a segunda língua estrangeira (LE) mais falada (3,5%), depois do inglês (5,7%) (OFS, 2021). Na Suíça, 4,8% da população usa o português pelo menos uma vez por semana. Na população de origem migrante de primeira geração, 13% usa regularmente o português. Na segunda geração ou superior, a proporção reduz, sendo de 6%. Na população sem histórico de migração é de 1%. (OFS Office fédéral de la statistique (2021). Pratiques linguistiques en Suisse. Premiers résultats de l’Enquête sur la langue, la religion et la culture 2019. Neuchâtel: OFS).
Além do ensino da língua, como é realizada a promoção da cultura portuguesa na Suíça?
A promoção da cultura portuguesa é parte integrante e indissociável do ensino e promoção da língua Portuguesa. Todas as ações da CEPE Suíça têm como objetivo promover a língua e a cultura portuguesas. Enquanto coordenadora, apenas sou responsável pelas ações da CEPE Suíça. Naturalmente, colaboramos sempre com todos os que se dirigem a nós para a dinamização de atividades que visem à promoção da língua e/ou culturas portuguesas (ex: associações, departamentos de migração, universidades, entre outros).
Qual a interação da comunidade portuguesa local com os vossos serviços?
Interagimos com os pais e encarregados de educação dos nossos alunos e prestamos informação a todos os que se dirigem aos nossos serviços.
Existe interação com agentes culturais locais? E com as casas regionais portuguesas e outras associações?
Sempre que a Coordenação é solicitada, colaboramos na dinamização de atividades. Existe, naturalmente, uma colaboração muito estreita com as Associações de Pais. Os professores estão em contacto com estas organizações e planificam e dinamizam uma variedade de eventos em colaboração e parceria, com o apoio da CEPE.
Onde estão sediados? E onde são realizadas as ações?
A rede de ensino EPE na Suíça está dividida em três áreas consulares, seguindo a presença da rede diplomática. Assim, a Coordenação de Ensino está sediada em Berna, nas instalações da embaixada, e tem Serviços de Ensino nos consulados de Genebra e Zurique, que dependem da Coordenação de Ensino, em Berna.
Qual o perfil dos alunos que pretendem aprender português?
Os nossos alunos são filhos de imigrantes portugueses de primeira, segunda geração e terceira já. A maioria dos nossos alunos já nasceu na Suíça. Alguns alunos são filhos de casais mistos e, nestes, nota-se um conhecimento linguístico menos robusto e, consequentemente, uma proficiência linguística mais fraca, porque a língua portuguesa começa a não ser falada na família regularmente. Manter a língua portuguesa começa no seio da família e é importante que as famílias tenham essa consciência e possam planear e implementar uma eficaz e consequente política linguística familiar.
Os filhos dos emigrantes portugueses, porventura nascidos na Suíça, mostram interesse na língua e na cultura dos seus pais?
Sim, embora o número total de alunos tenha vindo a revelar uma tendência decrescente, reflexo também do saldo negativo entre entradas e saídas de portugueses na Suíça deste 2027. Mas, como já referi, a manutenção da língua portuguesa começa no seio da família e é importante que as famílias tenham essa consciência e possam planear e implementar uma eficaz e consequente política linguística familiar. Também é importante salientar que, à semelhança de todas as outras línguas de herança presentes na Suíça (em alguns cantões chegam a ser 40), a língua portuguesa é ensinada nas instalações escolares do ensino oficial, após o horário escolar regular, enquanto atividade extracurricular. São duas a três horas semanais e os resultados obtidos na frequência das aulas de LH são incluídos na caderneta escolar dos alunos, enquanto informação adicional.
Quem é Maria de Lurdes Santos Gonçalves?
Nasci em Évora, e frequentei aí a escolaridade até ao 12.º ano. Sou licenciada em Línguas e Literaturas Modernas, variante Estudos Ingleses e Alemães, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (1987) e Ramo de Formação Educacional (1995); Sou Mestre em Gestão Curricular (2002) e Doutorada (2011) em Didática de Línguas, Universidade de Aveiro. Sou professora dos Ensino Básico e Secundário e pertenço ao Quadro de Nomeação Definitiva da Escola Secundária Dr. Joaquim de Carvalho na Figueira da Foz. Ao longo da minha carreira docente (30 anos de carreira, completados em 2021), para além de lecionar inglês e alemão (7º aos 12º anos), exerci diversas funções, entre elas, diretora de turma, tutora, diretora de cursos profissionais, coordenadora da sala de estudo, chefe de departamento, orientadora de estágio no âmbito da formação inicial, supervisora da AEC de inglês no 1º Ciclo.
Possuo larga experiência no âmbito do ensino de línguas estrangeiras, de orientação de estágio de alemão (em colaboração com a Universidade de Coimbra) e formação contínua de professores. Planeei e dinamizei formação na área de desenvolvimento e gestão curricular e elaboração de projetos educacionais, didática de línguas e intervenção em contexto escolar. Para além de ter lecionado em Portugal, também lecionei inglês e alemão a crianças e adultos um ano no Cairo, Egito. Também já dinamizei vários seminários no âmbito de programas de mestrado e doutoramento.
Sou membro do laboratório LabELing da Universidade de Aveiro e sou colaboradora do Centro de Investigação CIDTFF/UA. Participei e participo em projetos de investigação.
Tenho partilhado o meu trabalho de formação e de investigação, tanto através da participação em encontros científicos variados, nacionais e internacionais, como através da publicação de artigos científicos em livros, atas de congressos e revistas internacionais.
Extrato de um texto da minha autoria publicado em 2021, disponível em: (http://hdl.handle.net/10773/31307)
“Após a conclusão do doutoramento em 2011 ansiava por uma mudança profissional que me estimulasse, desafiasse e motivasse a continuar a aprender e a crescer profissionalmente. Dois anos de espera resultaram em duas propostas de mudança. A primeira, para a Escola Superior de Educação do Porto, seria uma continuação do trabalho já desenvolvido, uma vez que iria trabalhar com a formação inicial de professores, acompanhando os estágios pedagógicos dos futuros professores de inglês. A segunda, pela parte do Camões, I.P., seria fora do país, na Suíça e, para além da possibilidade de trabalhar no âmbito da formação contínua, oferecia um desafio maior e desconhecido para mim – trabalhar com a língua portuguesa no âmbito da diáspora.
Durante o período de reflexão o caminho começou a desenhar-se e optei pelo que mais me estimulava e desafiava. Ou seja, aceitei a proposta do Camões, I.P.: trabalhar num outro país, um país plurilingue, a possibilidade de falar alemão, a minha língua estrangeira preferida, e ainda poder contribuir para a divulgação e aprendizagem da língua portuguesa foram as razões que me fizeram mudar para Berna em setembro de 2013, onde permaneço até à presente data, já na terceira comissão de serviço”.
Iniciei a quarta comissão de serviço em setembro de 2022.
Por fim, o que espera do futuro em relação ao trabalho do Instituto Camões?
Continuação do apoio às famílias portuguesas ou de origem portuguesa, facultando o ensino da língua portuguesa em modalidades e com meios adequados às exigências e características da sociedade do séc. XXI, assegurando a sua sustentabilidade e uma contínua aposta na promoção da língua e cultura portuguesas na Suíça.