O filme “Silêncio – Vozes de Lisboa” foi corealizado por Judit Kalmár, de origem húngara, e Céline Coste Carlisle que é oriunda de Genebra. Duas realizadoras “estrangeiras” para dar uma alma a um documentário emocionante sobre duas gerações de fadistas populares e sobre a Lisboa antiga que se transforma lentamente numa Disneyland que vê os seus antigos habitantes obrigados a fugir para a periferia e as suas tascas fechar, o fado vadio tem que ir passear para longe de Lisboa. Falamos com Céline Coste Carlisle sobre a realização e a carreira deste filme que viajou neste tempo de pandemia para mais de 30 e tal países. Um filme para perceber melhor todo o lado humano do fado que tenta adaptar-se a bem e a mal às novas realidades.
O filme saiu num festival a primeira vez no fim de 2020 e a sua estreia comercial ocorreu em Lisboa, no cinema City em Alvalade em setembro de 2021. Trata-se de uma produção e de uma realização independentes.
Documentário
sobre uma amizade
“Tive a ideia do filme depois de encontrar a fadista Ivone Dias, na altura com quase 70 anos de idade, um ou dois anos depois da minha chegada a Portugal em 1999 [em setembro deste ano, a Ivone vai fazer 88]. Fiquei apaixonada pela personalidade e pela sua música e nasceu esta ideia de realizar um filme sobre ela. Na altura eu tinha outros compromissos e esta ideia amadureceu lentamente. Procurei gentes para rodar o filme, mas ninguém estava interessado em trabalhar comigo porque se tratava de fado. Entre a ideia do filme e a sua realização decorreram pelo menos 15 anos. Encontrei também Judit Kalmár por acaso e falámos deste projeto.
Judit é uma jornalista húngara e já tinha realizado filmes para a televisão e decidimos fazer este filme juntas. O ponto de partida foi a minha amizade com a fadista Ivone Dias e depois também encontrei Marta Miranda e Jean-Marc Pablo, os antigos proprietários da TascaBeat, e que são também os outros protagonistas do documentário.
Até ao último minuto, não se sabia se o filme iria realizar-se, a Ivone queria entrar no filme e depois já não queria. Porque tinha tido alguns problemas com um jornalista que contou a história dela de uma maneira que não era verdadeira, não foi fácil ganhar a sua confiança.”
O fado mais tradicional, o fado vadio representa a espontaneidade
“A minha vontade era fazer um filme sobre o fado mais popular, o fado vadio. Antes de vir para Portugal, eu trabalhava na ópera de Genebra. Segui uma formação musical clássica e o que me fascinou neste fado tradicional é que as pessoas vinham cá cantar e tinham uma outra vida também, eram eletricistas ou contabilistas, ou serviam à mesa, etc..
A primeira vez que ouvi cantar a Ivone, ela servia à mesa também, nessas típicas tascas de fado. Gosto de coisas extraordinárias, que saem verdadeiramente da vida normal.
No fado vadio as pessoas vão de uma tasca a outra para cantar, antigamente não ganhavam nada, talvez um copo ou um bocado de comida, era mesmo o prazer de cantar. Eu vinha de um meio muito rígido, estruturado, profissional e gostei muito desta espontaneidade.
Um filme sobre fadistas de que toda a gente fala não me interessava, gostava mais de falar das pessoas por trás do fado. Encontrei Marta depois e foi bom juntar essas duas pessoas com maneiras diferentes de cantar o fado. O fado da Marta é mais moderno, abrange culturas diferentes, mais gentes.”
Qualidade
e amor pela arte
“São pessoas que cantam por amor pela arte e não se importam com o que os críticas vão dizer.
Elas foram um pouco como uma família. Quando cheguei, estava meia perdida e logo me senti acolhida.
A amizade com a Ivone passou no filme, acho eu, foi um lado muito emocionante. Estamos muito próximas ainda hoje. Eu disse isso na altura à Judit: preferia que não houvesse filme do que perder Ivone como amiga. O essencial para mim era contar a história verdadeira das pessoas e não distorcer a realidade e evitar o lado sensacionalista.”
Um filme já com uma carreira internacional
“Em junho deste ano, o filme vai para Paris. Participámos já em trinta e tal festivais, em quase vinte países e em quatros continentes. Foi durante a pandemia que fomos convidadas para festivais on-line. O filme viajou, mas nós ficámos em casa.
Há algumas semanas atrás viajei para França. Ganhámos o prémio do “Melhor Filme” dos “Rencontres D’Images et de sons” no Museu des Confluences em Lyon. As poucas projeções físicas que tivemos foram muito bem acolhidas. É um filme muito caloroso que vale a pena ser visto “ao vivo”.
Seria bom começar uma nova carreira com um concerto e a projeção do filme. O grande problema é o orçamento. O meu sonho era mesmo uma projeção e um concerto na Suíça, mas não deu por causa da pandemia.”
Céline, uma artista multidisciplinar
“Estudei numa escola de arte em Genebra. E fiz depois montes de trabalhos diferentes. A minha atividade principal é a arte, mas tenho que ganhar dinheiro de uma outra maneira. Acabei agora de fazer uma exposição de pintura e desenhos. Sou uma artista multidisciplinar e estou interessada nas coisas que me rodeiam, que me apaixonam, não importa o meio artístico para exprimir as minhas emoções. Agora estou mais virada para a pintura, é mais simples e custa menos (riso).
Não me sinto portuguesa e nunca vou ser. Mas é em Portugal que me sinto acolhida. Durante algum tempo estava mentalmente mais na Suíça do que em Portugal, depois ficou igual e agora sinto-me em casa em Portugal, sobretudo quando regresso de viagem.”.
Trailer do filme: https://vimeo.com/366818392
Vamos realizar o sonho de Céline – uma projeção na Suíça – organizações ou pessoas interessadas podem me contactar por mail:
Clément Puippe
Charneca Bubble Productions (Fotos)