Ígor Lopes
Sabrina Marques Aparício tem hoje 26 anos de idade, é socióloga, vive na Covilhã, em Portugal, mas nasceu em Thun, uma comuna da Suíça, localizada no Cantão de Berna, com mais de 40 mil habitantes. E foi exatamente em Thun que a sua família se estabeleceu a partir de 1985 e criou laços marcantes, e para a vida, com a Suíça. Apesar de estar de volta a Portugal, desde os três anos de idade, esta jovem guarda com carinho os momentos que ainda são possíveis recordar e garante que os seus pais viveram sempre bem integrados à comunidade portuguesa local. Em entrevista à nossa reportagem, Sabrina Aparício falou sobre a vida da sua família na Suíça, realçou a importância da passagem dos seus pais pelo país helvético para a segurança financeira do seu lar, sublinhou a relevância das cidades portuguesas de Abrantes e da Covilhã para o seu desenvolvimento pessoal e profissional e destacou as ferramentas que utiliza para não deixar cair no esquecimento os momentos pelos quais passou no cantão de Berna.
Qual é a ligação da sua família com a Suíça?
O meu pai foi o primeiro a emigrar, por sugestão de um primo que lá trabalhava e por uma oportunidade que surgiu no hotel onde se empregou. Posteriormente, surgiu a possibilidade de a minha mãe também se empregar lá. Assim, em 1985, os meus pais, Manuel e Maria do Rosário Aparício, emigraram para a Suíça com o objetivo de concretizar um futuro mais sólido a nível financeiro. Para um casal em início de vida, a compra de casa, de um carro, a estabilização para mais tarde constituir família, foram aspetos fundamentais e essenciais para começarem uma aventura num país que ofereceria melhores condições de vida. Para além disto, a experiência em si também foi um fator importante.
Fale um pouco sobre a passagem da sua família pelo país helvético…
Como já referi, posteriormente, à primeira viagem do meu pai, os meus pais efetivaram a emigração para a Suíça no dia 3 dezembro 1985, 3 dias depois de casarem, o meu pai com 21 anos e a minha mãe com 18, rumaram à Suíça, (Grindelwald) numa viagem de comboio que na altura durava 48 horas de viagem, sete mudanças de comboio e uma delas em Paris, onde tinham mesmo que mudar de estação… levaram oito malas de viagem e muitos sonhos por realizar. O primeiro destino foi então Grindelwald, onde começaram por se empregar num hotel realizando trabalhos na cozinha e na limpeza dos quartos. Mudaram-se para Beatenberg e passaram por alguns outros hotéis, sempre no cantão de Berna, que foram oferecendo melhores condições de trabalho. A vida não era fácil… trabalhavam muitas vezes das 7h à meia-noite, mas a remuneração compensava. Na altura, a moeda existente em Portugal era o escudo, e um franco suíço, na altura, valia 127 escudos, que à época era muito dinheiro. Portanto, um mês de salário na Suíça era o equivalente a seis meses de trabalho em Portugal… Quando alcançaram a possibilidade de viverem como cidadãos suíços, fixaram-se na cidade de Thun. O meu pai começou a trabalhar no hospital da cidade e a minha mãe na fábrica da Swatch. A 14 de outubro de 1995, nasci. O idioma que falavam era o alemão no cantão de Berna, mas nunca foi impeditivo para os meus pais trabalharem, pois com maior ou menor dificuldade aprenderam a língua, integraram-se com facilidade e fizeram muitos amigos – suíços, alemães, austríacos, italianos, espanhóis e jugoslavos… que ainda hoje, 21 anos depois, mantêm contato e falam regularmente.
Quando deixou a Suíça para viver em Portugal?
Eu vim, conjuntamente com os meus pais, para Portugal no mês de maio do ano de 1999 – tinha três anos de idade – e o principal fator do regresso às origens foi precisamente o facto de em breve eu poder ingressar no pré-escolar. Para além disto, o objetivo dos meus pais nunca foi ficar para sempre na Suíça. O objetivo sempre foi o regresso para uma vida mais confortável junto da família.
Já em Portugal, onde se instalaram?
Quando voltámos a Portugal, instalámo-nos em Abrantes, cidade natal do meu pai, e foi lá que cresci e vivi e é lá que os meus pais continuam a residir.
Que recordações tem da Suíça?
As recordações que tenho considero que se devem sobretudo aos registos de vídeo que os meus pais sempre foram fazendo ao longo dos anos. Temos lá em casa inúmeras cassetes, VHS, das mais variadas épocas. Tenho realmente um carinho muito especial pelas cassetes que até hoje estimamos. Para além disso, os meus pais construíram lá uma rede de amigos muito forte, não só pessoas da comunidade portuguesa como também pessoas com as quais privaram e construíram memórias absolutamente inesquecíveis. Ainda hoje mantêm contato. E mesmo eu tenho pessoas que guardo no meu coração, como, por exemplo, a minha ama (baby-sitter) e os seus filhos e netos. São muitas as histórias que vou ouvindo e recordando e, muitas vezes, sinto que também lá vivi durante quinze anos.
Que memórias guarda?
Como referi, as memórias são poucas, mas estimuladas pelos vídeos, pelas histórias contadas e repetidas e pelas pessoas com as quais ainda mantenho contato. Partilho as memórias dos meus pais.
Qual a opinião da sua família hoje sobre a Suíça?
A opinião que têm vai muito ao encontro daquilo que ouvem nas notícias e que os amigos que ainda lá vivem partilham. Certamente, as coisas mudaram, os anos passaram, mas ainda hoje ouvimos testemunhos extremamente positivos.
Voltariam a viver na Suíça?
Penso que os meus pais, sim. Para eles que viveram toda esta aventura existe muita saudade. Eu, pessoalmente, não. Não porque não goste ou não me identifique, mas porque o meu coração está aqui e não me imagino a viver longe dos meus.
Que experiências na Suíça carrega consigo no dia a dia?
Essencialmente, lições de vida, naturais do crescimento, que os meus pais me transmitiram. A valorizar cada momento.
Quem é hoje a Sabrina?
A Sabrina é um conjunto de todas as vivências dos seus 26 anos. Sou muito determinada, focada e resiliente. Sou muito nostálgica, emotiva, mas também muito racional. Sou persistente e justa. Acredito que as experiências nos moldam e nos fazem refletir sobre objetivos a concretizar, sonhos a cumprir e aventuras a seguir. As aprendizagens constantes e diárias também fazem parte de mim, bem como a curiosidade. Hoje, a Sabrina, também teimosa e um pouco impulsiva, procura um equilíbrio constante entre o ser e o estar. Mas se há coisa que a Sabrina, hoje, tem a certeza é de que um dia voltará aos sítios por onde já esteve.
Por que está na Covilhã?
Vim para a Covilhã em 2013, para ingressar na Universidade da Beira Interior. Licenciei-me em Sociologia, realizei o meu mestrado na mesma área com especialização em Exclusões e Políticas Sociais e, em 2019, comecei a trabalhar na Associação de Socorros Mútuos – Mutualista Covilhanense onde, atualmente, desempenho funções de Socióloga no Departamento de Inovação Social e onde também já fui Educadora Social numa Casa de Acolhimento Especializada para Crianças e Jovens Estrangeiros não Acompanhados. É o rumo da vida. A Covilhã é uma cidade linda, no interior de Portugal, que dá acesso à Serra da Estrela. É extremamente acolhedora e muito familiar, para além de que parte da minha família também é desta zona – o que a torna também um pouco minha. Foi a cidade que me deu a oportunidade de iniciar a minha vida adulta e da qual eu gosto muito.
Que imagem tem da Suíça e dos imigrantes que se aventuram?
Os emigrantes são pessoas de coragem e a Suíça é um país absolutamente maravilhoso.