Isa Felder é brasileira, tem 47 anos de idade, e vive em Olten, na Suíça. É natural do Rio de Janeiro, Brasil, e, hoje, apesar de contar com uma vasta experiência profissional em vários ramos, dedica-se a ensinar línguas aos estrangeiros que vivem no país, incluindo brasileiros e portugueses.
Recentemente, esta responsável, que é uma das sócias da World Language School (WLS), com sede em Zurique, foi eleita a “A melhor Empresária Brasileira no Mundo”. Em entrevista à nossa reportagem, Isa Felder falou sobre a vida na Suíça, sublinhou os percalços de se empreender no país e ressaltou os desafios da adaptação na cultura local, além de mencionar o orgulho em ver que, neste país europeu, tudo funciona na base da “organização e da disciplina”.
O que significa ter vencido o concurso “A melhor Empresária Brasileira no Mundo”?
Este concurso é uma categoria do concurso “O Melhor do Brasil no Mundo”, organizado pelo empresário multipremiado Rafael dos Santos. Ele se dividiu em duas partes: votação pelo júri popular (amigos, familiares, etc.) e os participantes mais votados dessa fase foram para a segunda e última fase, onde um júri especializado, encabeçado pela ativista política e ex-modelo, Luiza Brunet, escolheu em cada categoria o(a) vencedor(a). Na categoria de melhor empresária, quase 100 mulheres participaram. Por isso, Rafael dos Santos decidiu subdividir em três subcategorias: startup, growth e established. Eu participei na categoria growth (crescimento) e ganhei nesta categoria, a qual tinha como pré-requisito empresárias que tenham o seu negócio entre 3 e 5 anos. O evento foi no dia 30 de outubro em Londres, no pavilhão anexo ao palácio de Kensington. Foi uma emoção muito grande ter participado, e mais ainda ter ganhado. Na primeira fase, do júri popular, além de se votar no candidato, tinha-se de justificar o motivo. E a razão, assim como o número de votos, era visível para todos os que acedessem à plataforma do concurso. Eu tive quase 400 votos na primeira etapa. As mensagens me tocaram profundamente. Percebi um carinho muito grande por parte dos amigos, familiares, alunos, colegas e ex-colegas de trabalho. Pessoas que eu já não via há muitos anos souberam, por intermédio de amigos em comum, e foram votar em mim. As palavras de apoio, incentivo e carinho foram imensas. Só isso, já valeu metade do caminho! E, ao ganhar a premiação, muitas portas se abriram. O meu nome está mais presente nos media, as pessoas estão vendo que o trabalho que faço é um trabalho sério e honesto. E, acima de tudo, faço tudo com o coração. Para ganhar este concurso, vários critérios tiveram de ser preenchidos: credenciais (onde já trabalhei, para que firmas/empresas, etc.), minha formação (onde estudei, o que estudei, que cursos complementares já fiz, etc.), que tipo de trabalho eu faço neste momento, entre outros critérios. O júri reconheceu todo o meu esforço e empenho que, na verdade, já haviam começado no Brasil. E, portanto, me escolheram como melhor Empresária / Empreendedora na categoria growth, neste ano de 2021.
Que funções desempenha hoje?
Quando fundei a World Language School (WLS), ou seja, a minha própria escola de idiomas junto com o meu sócio, o professor Nelson Adão, eu trabalhava em duas outras escolas: numa escola de idiomas suíça e no CEBRAC (Centro Brasil Cultural). Embora eu amasse trabalhar para estas duas instituições, eu tinha e ainda tenho de dedicar muito tempo para a minha própria escola. Eu e o meu sócio não pedimos empréstimo e tudo o que compramos e conseguimos para montar a escola foi com as nossas reservas. Portanto, não tínhamos dinheiro para pagar uma secretária. Por isso, eu e o Nelson acumulamos algumas funções. No meu caso, sou secretária, relações-públicas, divido com o Nelson a limpeza da escola e ainda faço a maior parte da contabilidade da escola. Sem contar que ainda dou aulas de alemão e faço tradução. Por isso, decidi encerrar a minha atividade como professora nas outras escolas para poder me dedicar de corpo e alma a WLS.
Como e quando chega à Suíça?
Eu sempre quis morar no exterior por um tempo. Conhecer novas culturas e aprender cada vez mais, tanto sobre o funcionamento de cada sociedade, mas como também fazer um mestrado na área de Comunicação Social, minha formação no Brasil. Eu estava pensando em ir para a UCL, na Califórnia, aprimorar o meu inglês e fazer um Master em Jornalismo, quando conheci o meu marido suíço no Rio de Janeiro. Ficamos amigos. No período em que estava com quase tudo planeado para ir para os Estados Unidos, o meu pai faleceu, deixando um grande vazio em mim. O meu grande amigo suíço esteve 24 horas ao meu lado, dando apoio e tentando me animar. Alguns meses mais tarde, começamos a namorar, ele me convidou para vir conhecer a Suíça. Não demorou muito, casamos em 2002. Como ele não conseguiu um bom emprego na área dele no Brasil, decidimos vir morar na Suíça.
Como é a vida do brasileiro neste país europeu?
Esta pergunta é difícil de responder, pois, cada pessoa, seja ela brasileira ou não, tem o seu caminho para percorrer. Umas se deparam com muitos percalços, outras, com menos. Conheço brasileiros que tiveram pouquíssimos problemas de adaptação e aceitação na Suíça. Há os que já no primeiro ano conseguiram um excelente trabalho. Há outros que passaram por um caminho tortuoso, não tiveram a chance de encontrar um bom trabalho, mesmo falando alemão ou a língua do cantão onde moram. Por isso, não posso generalizar e dizer como é a vida do brasileiro aqui na Suíça. O que posso dizer é como foi e é a minha vida aqui. O início foi muito complicado. Passei por algumas humilhações que não desejo a ninguém. Embora, na época, eu falasse muito bem o inglês, não consegui nenhum trabalho como secretária em firmas internacionais. E, acredite se quiser, nem como garçonete. Era sempre a mesma história: “você não tem diploma na área de gastronomia”, ou então “você não fala bem o alemão”, “você não fala bem o dialeto”, e por aí vai. Porém, nunca desisti. Eu sempre acreditei no meu potencial. Fui estudar tradução na Schule für Angewandte Linguistik (SAL) em Zurique. Depois, foquei na área de Didática. E, depois de quase 20 anos lutando para achar o meu “lugar ao sol”, posso dizer que me sinto realizada. Hoje tenho a minha própria escola, ajudo estrangeiros como eu a conseguirem se adaptar na Suíça por meio do aprendizado do idioma, já dei entrevistas para a Swissinfo e até para uma rede de televisão no Brasil, fui chamada para fazer parte do livro “Empreendedoras Brasileiras de Sucesso na Suíça” e ganhei o prémio de melhor “Empreendedora Brasileira no Mundo”. Então, acho que hoje eu posso dizer que me sinto muito realizada.
Quais são os seus locais preferidos na Suíça?
Eu adoro a parte italiana da Suíça, em especial Locarno e Ascona. Lembra-me muito o Rio de Janeiro, tanto em termos de paisagem, como também o modo de ser das pessoas: solícitas e mais abertas. Na parte francesa, adoro Genebra e o “ar” multicultural do local. Já na parte alemã, há vários lugares que adoro, mas acho que o meu preferido é Zermatt. Eu sempre fui fã de Matterhorn. E a primeira vez que pus os pés na região e vi com os meus próprios olhos essa montanha famosíssima, fiquei muito emocionada.
O que o jornalismo e o teatro significam na sua vida?
Na infância, eu era bem extrovertida. Porém, na puberdade, eu fiquei um pouco introvertida. Não sei muito bem o porquê da mudança, mas isso me incomodava um pouco. Eu ia nas lojas comprar alguma coisa e se a vendedora viesse falar comigo, eu travava. A minha mãe é que acabava conversando e resolvendo tudo com a vendedora. Ao mesmo tempo que eu era um pouco introvertida com as pessoas que não conhecia – com as que conhecia, eu era tão falante quanto na infância – eu tinha uma imaginação muito fértil e gostava de “incorporar” personagens. Foi quando aos 12 anos entrei para fazer o curso de teatro do Tablado, um dos cursos mais conhecidos do Rio de Janeiro. A professora da época, a senhora Maria Vorhees, ficou impressionada com as minhas interpretações. Chegou a conversar com meus pais para eu fazer algumas peças de teatro. Fiz uns sketches para o curso, todos com veia cómica. Eu sempre gostei muito de fazer as pessoas rirem. Foi um sucesso. Na última apresentação, um dos colegas de turma me perguntou se eu não queria participar da peça “As Cartas Não Mentem Jamais”, de Ana Maria Machado. Foi desafiador. Eu, com apenas 16 anos, interpretei dois papéis: uma cigana e uma moça muito pudica da cidade grande. A peça misturava situações dramáticas com comédia. Foi um sucesso. Porém, eu queria continuar os estudos. Para mim era importante permanecer com os pés no chão. Eu queria ter um plano B, caso a carreira teatral não desse certo. Nesta época, eu estava muito dividida entre Medicina e Jornalismo. Eu tinha uma necessidade intrínseca em ajudar as pessoas. Talvez, por isso, eu gostasse tanto de comédia. Por meio dela, as pessoas riem e fazem uma catarse. No final da peça, as pessoas estavam mais leves e alegres. No caso da Medicina, eu acabei desistindo, pois fiz alguns “estágios” em consultórios de colegas para ver o trabalho no dia a dia. Ver o sofrimento de alguns pacientes graves me perturbou muito. Foi quando percebi que não era para mim. Optei por tentar então Nutrição e Jornalismo. Passei em ambas as faculdades. No final, optei por Jornalismo. Eu achei que, através das minhas matérias, poderia mudar o mundo. Bem, alguns meses depois, já estagiando, vi que foi um ledo engano. Porém, sempre fiz de tudo para tentar ajudar os meus entrevistados, nem que fosse para promover a loja ou departamento da pessoa. Portanto, o teatro, assim como o jornalismo, me trouxeram de volta uma certa espontaneidade e uma grande capacidade de improvisação, o que hoje, na minha profissão, é essencial.
Trabalha num projeto que tem como intuito capacitar o estrangeiro na Suíça e ajudá-lo a alcançar os seus sonhos. Como isso é possível?
Eu tenho uma escola de idiomas, a World Language School (WLS). O estrangeiro, especialmente o de língua lusófona, vai até a escola para aprender um determinado idioma. Tentamos ensinar não apenas vocabulário e gramática, mas também tentamos transmitir de maneira simples e leve a mentalidade do local que eles escolheram para viver. Fazemos “teatro” em sala de aula, onde mostramos o que acontece exatamente na hora de comprar um bilhete. O que a pessoa deve fazer, como ela deve responder ao vendedor do SBB, caso ela compre direto no guiché, e assim por diante. A língua é importante, mas ela também é parte de uma cultura. E, por isso, não podemos deixar o dia a dia de fora. Temos de incorporá-lo nas nossas aulas. Os alunos nos procuram para dizer que muitas coisas aprendidas em sala, eles aplicam na realidade e dá certo. Com isto, eles se sentem mais seguros e, no decorrer do tempo, se sentem parte do local, integrados.
O que a Suíça oferece ao público estrangeiro em termos de qualidade de vida e experiências?
A Suíça, a meu ver, é um exemplo de organização e disciplina. Tudo funciona numa sincronia impressionante. A saúde pública, a educação e a segurança ainda são um exemplo para outros países. Gostaria que o meu país pudesse ser mais parecido com a Suíça no que diz respeito a esses aspetos. E, se o Brasil pudesse “enviar” algo para a Suíça, diria que o acolhimento e calor humano.
Ainda ensinam alemão para os funcionários do Consulado Brasileiro em Zurique? Como é essa interação?
O Itamaraty fez em novembro deste ano uma nova licitação para escolher a nova escola que daria aula para os funcionários do Consulado. E, depois de mais de dois anos trabalhando com os funcionários do Consulado, nos desligamos da instituição. Não se pode ganhar sempre. Porém, foram dois anos maravilhosos, onde pude ver de perto o excelente trabalho desenvolvido pelos funcionários. Além disso, fiz excelentes amigos.
Qual o segredo para ser uma empresária Brasileira de Sucesso na Suíça?
Acho que a reunião de algumas características e fatores transformam uma pessoa num(a) grande empresário(a). Primeiramente, um profundo conhecimento do próprio ramo; em segundo lugar, é necessário fazer tudo com muito amor; em terceiro lugar, a pessoa tem de ter disciplina. Sem disciplina, não se faz nada. E, por último, o empreendedor tem de ter um planeamento para ver até onde ele pode ir e como ele pode alcançar aquilo que almeja.
Como é empreender na Suíça?
Empreender é sempre difícil, principalmente quando não se nasce em berço de ouro e não se pede empréstimo. E, morando no exterior, tudo se torna mais difícil. Na Suíça, os impostos são altíssimos, o que pesa muito na hora da decisão de empreender ou não. Porém, tudo o que fazemos na vida é um risco e todo e qualquer país tem pontos positivos e negativos.
Convive com a comunidade brasileira e portuguesa no país?
Sim. Ao vir para a Suíça, trabalhei durante quase 15 anos como jornalista para o extinto jornal Perfil. Graças a este trabalho, fiz excelentes amizades com brasileiros e portugueses que moram aqui. E, hoje em dia, como professora de alemão, ensino basicamente brasileiros e portugueses.
Por fim, que mensagem deixa para a comunidade lusófona na Suíça?
Cada um deixa o seu país por uma determinada razão: porque encontrou um grande amor, devido a trabalho, estudos ou em busca de melhores condições de vida. Seja qual for o motivo, os primeiros meses / anos são muito difíceis. Porém, uma coisa eu posso dizer: toda e qualquer experiência é válida e nos enriquece. Desde que cheguei aqui, cresci muito, mesmo quando enfrentei problemas homéricos. E, se chegamos até aqui, é porque temos condições. Cada um de nós tem um grande potencial dentro de si. Basta fazer uma autoanálise e ver o que temos para oferecer à sociedade. Descobrindo o seu próprio potencial, tenho certeza de que a realização chegará mais cedo ou mais tarde.
Ígor Lopes