João Marco de Deus tem 45 anos de idade e é, desde agosto de 2017, cônsul-adjunto de Portugal no Rio de Janeiro. No passado, manteve grandes ligações com a comunidade portuguesa na Suíça, quando atuou, de 2009 a 2014, como Chefe de Missão Adjunto na Embaixada de Portugal em Berna. Conversamos com este diplomata português, natural de Paris, filho de pais portugueses, sobre a experiência na Suíça e o seu cotidiano no Rio de Janeiro.
Quais são as suas memórias?
As minhas memórias de Berna, e da Suíça, são contrastantes, com aspetos muito positivos e outros menos. Como acontece, aliás, com qualquer destino. Mais abaixo melhor entenderão o que quero dizer.
Quais eram as funções do seu cargo?
Repartidas entre a gestão burocrática quotidiana da embaixada (recursos humanos e técnicos, contabilidade, e outras questões), que em postos diplomáticos de menor dimensão incumbe em regra ao “número dois” e, sobretudo, toda a parte consular, na qualidade de Encarregado de Secção Consular. Com cinco cantões e mais de uma centena de milhares de portugueses sob jurisdição consular da Embaixada, a sua Secção Consular é, na verdade, outro Consulado-Geral a somar àquelas existentes em Genebra e Zurique.
Como avalia a comunidade portuguesa na Suíça?
À semelhança de tantas outras espalhadas pelo mundo, a comunidade portuguesa na Suíça constitui um exemplo de trabalho sério e honesto, sempre muito elogiada pelas autoridades locais. Tanto é assim que são concretos os gestos de apoio. Por exemplo, em Bulle, perto de Lausanne, por iniciativa de um grande Português (e bom amigo), Abílio Rodrigues, as autoridades locais lançaram um programa de ensino de língua francesa, totalmente gratuito, para novos emigrantes vindos de Portugal. Nessa mesma localidade, recordo uma visita ao Museu de Etnologia então em processo de renovação, no qual fora reservado um espaço próprio para exposição de culturas e tradições portuguesas, facto que me pareceu extraordinário num museu de outro país também ele com tão fortes e diversas tradições. Hoje em dia, a nossa comunidade está felizmente bem mais próxima de Portugal, com excelentes autoestradas e voos diários “low-cost” para Lisboa e Porto (a partir de Genebra e Zurique). Por isso, falamos por vezes numa alteração de paradigma na emigração, cada vez mais dominada por um conceito de “mobilidade”. Ou seja, enquanto o emigrante de ontem partia para verdadeiramente se fixar no país de acolhimento, apenas regressando a Portugal muito de vez em quando e na hora da reforma/aposentadoria, atualmente os novos emigrantes gozam de ampla liberdade de circulação e meios fáceis de locomoção permitindo-lhes trocar de trabalho e residência de forma muito mais fluída. Apesar de todas estas facilidades da vida moderna, não se pense que as nossas comunidades deixaram de lado a saudade quotidiana das origens, continuando a celebrá-la em moldes idênticos aos das que as antecederam, através de festas e convívios de que fui tantas vezes honrada testemunha.
Como foi viver na Suíça, mais precisamente em Berna?
Como mais acima mencionei, do posto em Berna trouxe memórias contrastantes. Berna e Suíça são coisas distintas. Berna não é a Suíça. As memórias da Suíça são ótimas, apenas com reticências quanto ao clima, nem sempre amistoso para uma família com duas crianças pequenas, como foi o nosso caso. Mas os milhares de fotografias de caminhadas pelas majestosas montanhas (desde logo os Alpes Bernenses, ali tão perto de nós) e pelos lagos de águas cristalinas atestam toda a deslumbrante e arrebatadora beleza natural do país. Não falta também História, ponto de passagem de várias civilizações, e os principais centros urbanos acolhem interessantes museus e uma panóplia de centros de cultura e bons (mas, em regra, caros!) restaurantes, alguns dos quais portugueses. Trata-se, igualmente, como bem sabemos, de vários países num só, com nada menos do que quatro línguas distintas, o que o torna ainda mais interessante. Quanto a Berna, destacaria pela positiva a segurança, tranquilidade e limpeza de uma das mais pacatas capitais da Europa. Tão limpa que, nos verões ali passados, participei alegremente numa das mais famosas tradições da cidade: pular de uma das muitas pontes para o rio Aare, que atravessa Berna, e deixar-me levar pela corrente durante uns poucos quilómetros, saindo do outro lado da cidade! Menos memoráveis a relativa frieza dos seus habitantes, nem sempre muito recetivos face a gente de fora, bem como a ausência de espaços de diversão para adultos e crianças nos meses de outono e inverno que se arrastam por um período bem maior do que aquele a que estamos habituados em Portugal. Recordo ainda como boas memórias as longas caminhadas na floresta junto ao Aare, com uma espécie de jardim zoológico à beira-rio que fez a alegria de pequenos e graúdos. A que não falta, claro, um casal de ursos, que dão nome à cidade.
Qual é o sentido de missão que move um diplomata português na Suíça, país com uma grande comunidade portuguesa?
É precisamente, e antes de mais, servir essa numerosa comunidade que, por sua vez, tanto faz para, pelo seu trabalho diário, elevar a imagem de Portugal. E servi-la aplicando da melhor forma os meios humanos e técnicos ao dispor (que são sempre, forçosamente, limitados) face a uma demanda crescente nos anos em que por lá residi, em contexto de crise económica global e crescimento muito significativo da emigração portuguesa para toda a Suíça. Para tal, contei com uma pequena, mas empenhada equipa consular cujo apoio não esqueço, e da qual tenho muitas saudades. Mas a missão de qualquer Embaixada vai além da comunidade e abarca também questões dos âmbitos político-diplomático, económico e cultural. E defender o nosso país nesses anos difíceis foi particularmente desafiante.
Ser diplomata num país onde o português não é a língua oficial é mais difícil do que, por exemplo, atuar no Brasil?
Diria que é uma questão que não se coloca no plano da língua, mas antes da cultura. Sou bilíngue por ter nascido e vivido em França, e, portanto, nunca tive problemas em fazer-me entender na Suíça, muito menos no plano profissional em que o francês se mantém como principal idioma diplomático de trabalho. A grande, enorme mais-valia de qualquer diplomata português a servir no Brasil (ou em qualquer outro país de Língua Portuguesa) prende-se muito mais com a proximidade – diria mesmo intimidade – que nos dá a partilha de uma História e de uma Cultura com tantos pontos de contatos, do que simplesmente com o domínio de um mesmo idioma.
Que tipos de sinergias criou quando atuou na Suíça?
No plano consular, foi – como é sempre – fundamental o apoio das figuras de liderança da nossa comunidade, nas diversas localidades de estabelecimento dos portugueses. Lideranças económicas, sociais e culturais. Reunidas em torno do Conselho Consultivo, ou nos contactos mais informais do dia-a-dia, o seu apoio para identificar casos problemáticos entre a comunidade, orientar estratégias de divulgação cultural e económica/empresarial, ou simplesmente procurar aconselhar as diretrizes de ação da secção consular da Embaixada foi muito relevante e permitiu-me sair de Berna com a sensação de dever cumprido. Várias dessas personalidades são hoje bons amigos com quem vou mantendo contacto regular. No contexto puramente diplomático, e como em todos os postos, é hábito estabelecer-se uma rede de contactos junto das autoridades locais (que se mostraram sempre disponíveis, sublinhe-se) bem como com parceiros de países que nos são mais próximos, muito em particular, claro, no âmbito da União Europeia (com reuniões mensais) como no plano da CPLP. Enquanto representante de Portugal, país com uma imagem internacional muito positiva, este trabalho de construção de amizades é grandemente facilitado em quase todos os países do mundo. Recordo, por exemplo, que o então Chefe de Protocolo suíço, hoje querido amigo, tanto louvou as qualidades do nosso país que acabou por conseguir, poucos anos depois, ser nomeado Embaixador em Lisboa, onde terminou a sua carreira.
Como a sua família enxerga a Suíça?
As crianças têm pouca memória da Suíça. A mais velha, que de lá saiu com seis anos, relembra por vezes os mergulhos de verão nos lagos ou ainda as brincadeiras na neve, como eu as recordo, nas ruas de Paris, quando tinha a sua idade. A minha esposa tem saudades da segurança, mas não do clima!
Que locais mais gostou neste país helvético?
Muitos. Destacaria tudo o que envolva natureza. Os Alpes Bernenses, com as suas aldeias típicas e, em particular, tendo por pano de fundo as cores deslumbrantes do outono. Ainda junto a Berna, a icónica aldeia e o lago de Brienz, e as suas águas de um azul absurdamente turquesa, fruto de sedimentos vindos dos glaciares próximos. Os elegantes castelos de Thun e Spiez, junto ao lago de Interlaken, e os seus magníficos jardins onde tanto brincou a nossa criançada. O desfiladeiro do Rio Aare, a 50 quilómetros de Berna, oferece panoramas surreais que associamos a outras paragens mais “exóticas”. A antiga cidade amuralhada de Morat/Murten deve a sua nomenclatura à localização na zona de fronteira linguística franco-suíço-alemã. Um pouco além, as localidades de Fribourg e Bulle, onde os portugueses são hoje muitos numerosos, junto delas a imperdível aldeia de Gruyère, ainda a famosa e bela cidade de Montreux, prostrada sobre as águas do Lago Léman e, ao longo deste lago, locais icónicos como Vevey, Lausanne ou ainda Nyon (que tem a honra de aparecer num livro do Tintin!). Já a certa distância, na parte suíço-alemã, as cidades históricas de Lucerna e Basileia mereceram algumas visitas nossas, a aldeia de Gstadt faz jus ao seu estatuto de local glamoroso da elite mundial. Onde se fala italiano, Locarno e Lugano são um prenúncio da vida, alegria e calor (também humano) que nos espera em Itália, ali mesmo ao lado. A quem, como eu, tenha particular inclinação pela Antiguidade Clássica, recomendo fortemente que visitem o que resta da vasta cidade romana de Augusta Raurica (próximo de Basileia), incluindo um anfiteatro, banhos, um complexo subterrâneo de esgotos e um museu onde se expõe o mais valioso tesouro romano de prata descoberto na Europa Ocidental. A esta já longa lista faltarão muitos lugares, mas deixo aqui este singelo roteiro turístico.
Como está a ser atuar no Brasil, mais precisamente no Rio de Janeiro?
Uma experiência extraordinária, que constava da nossa “lista de desejos”. Esta vontade de vivenciar a experiência carioca no dia-a-dia, e não apenas enquanto turista, data da nossa primeira missão no Brasil, em Belo Horizonte. Saímos do Brasil e esperámos oito anos pelo regresso. No plano profissional, residir e representar Portugal numa cidade e num Estado tão intrinsecamente ligados pela História, pela Cultura, pela genética até, ao nosso país, tem sido verdadeiramente emocionante. Estamos a falar da única cidade-capital de um império europeu fora da Europa, onde um Rei português (mais astuto do que alguns pretendem fazer crer) implementou um conjunto de medidas visionárias que lançaram as sementes de um novo país, continental, imenso, maior do que todos os seus vizinhos juntos. Uma cidade onde, após a independência, os fluxos de emigração portuguesa chegaram a ser tão intensos que, no primeiro quartel do século XX, quase 25% da população carioca era portuguesa de nascimento! Existem desafios sérios, claro, desde logo a insegurança, mas também uma demanda inédita e tremenda por nacionalidade e documentos de identificação à qual os meios humanos e técnicos forçosamente limitados do Consulado-Geral têm procurado responder da melhor forma possível. Ou ainda, no plano do nosso associativismo, um irreversível processo em curso de desaparecimento dos portugueses natos, que se reflete em sérias dificuldades de subsistência de muitas das numerosas instituições da comunidade, as denominadas “casas regionais”, uma vez que são hoje muito escassos (e de características muito diversas) os portugueses a emigrarem para o Brasil.
No seu perfil nas redes sociais, mostra que valoriza as suas andanças pelo Rio de Janeiro. O que esta cidade significa para si?
Não tenho receio de afirmar, também pelas minhas redes sociais, a alegria de viver no Rio. É uma cidade fantástica que tem feito a felicidade da minha família e isso, para mim, não tem valor. Em todos os seus contrastes, num momento avassaladoramente linda noutro abjetamente desigual, esta cidade congrega todas as contradições do ser humano, mas também, a meu ver, o âmago das coisas verdadeiramente importantes da vida, as que não têm preços. O oceano em contraste idílico com os morros, uma natureza deslumbrante. As pessoas, a sua generosidade e o seu incorrigível otimismo, mesmo em contextos muito preocupantes. O Carpe Diem carioca resumido naquela célebre expressão: “tudo passa”. Ou ainda, nas palavras do escritor e jornalista Fernando Sabino, “no fim tudo dá certo, e se não deu certo, é porque ainda não chegou ao fim”. O Rio é a experiência de uma vida.
Fale um pouco sobre a sua família…
Tenho dois filhos, a Joana e o Bernardo, de 14 e 10 anos, ambos adoráveis quando estão a dormir. A minha esposa Leelia nasceu na Estónia, no Norte da Europa, mas, ao longo de quase 20 anos de “andanças diplomáticas”, já demonstrou ser mais portuguesa do que muitos portugueses. Quanto à sua idade, é segredo de estado…
Quais as diferenças entre as necessidades da comunidade portuguesa no Brasil e na Suíça?
São comunidades muito diversas, desde logo por via da distância geográfica face a Portugal. A comunidade portuguesa no Brasil em regra geral menos próxima do seu país de origem (embora as facilidades de viagem sejam hoje muito maiores) e por isso mesmo com costumes enraizados (como os célebres “ranchos folclóricos”) que vão desaparecendo de outras comunidades. Mas a grande diferença reside na assimilação à cultura local. Enquanto que, na Suíça como noutros países europeus, a adaptação às culturas locais pode não ser tão evidente e a “matriz” portuguesa mantém-se inalterada, já no Brasil a aculturação é inevitável e quase automática, fruto de laços histórico e culturais que já mais acima mencionei. Por isso, costumo dizer que, cada vez mais, no Brasil há lugar a falar-se não de uma “comunidade portuguesa”, mas antes, e simplesmente, “luso-brasileira”.
Em termos práticos, como esse público deve enxergar o trabalho consular?
Esperamos que com relativa satisfação, pois é para isso que trabalhamos todos os dias. Mas também com a necessária compreensão do momento difícil resultante da muito procura e da dimensão demográfica dos nossos possíveis “clientes”. Sob jurisdição do Consulado-Geral no Rio de Janeiro encontram-se os estados do Rio de Janeiro e de Espírito Santo, destinos de grandes vagas de emigração portuguesa (em particular o Rio) e cujas populações atuais duplicam a população total de Portugal. Percebe-se, assim, que os meios, por muitos que sejam, dificilmente conseguirão corresponder nos prazos que todos gostaríamos à demanda de um tão vasto universo de potenciais utentes.
Que locais sugere no Rio de Janeiro, no Brasil?
No Rio de Janeiro, além dos ícones turísticos habituais, recomendaria fugir das enchentes das praias de Copacabana, Ipanema e Leblon e rumar a São Conrado, ali bem perto ou, havendo tempo, às mais distantes areias da Prainha e de Grumari, dois pequenos paraísos. Vários locais fazem ainda parte da nossa rotina habitual: A feirinha de antiguidades da Praça XV, junto do Paço Imperial, aos sábados de manhã, as corridas no Jockey, aos sábados e domingos à tarde, antecedidas da melhor picanha do Rio, do Boteco do Itahy (do querido amigo Adão Ribeiro), os passeios pelo exuberante Parque Lage, no Jardim Botânico, para fugir do calor, ou ainda os “dadinhos de tapioca” ao por-de-sol no Quiosque QuiQui, o nosso favorito, em São Conrado. O fim de tarde no Arpoador ou na muralha da Urca (na Avenida que se chama Portugal) são outras recomendações, estas do conhecimento mais generalizado. Relativamente próximos do Rio, são destinos diversos, mas imperdíveis a glamorosa estância balnear de Búzios (nosso refúgio de surf e de tudo o resto) assim como Ilha Grande, tranquilo antro de deslumbrante natureza onde apenas se chega de barco. Perto de Ilha Grande, a cidade portuária histórica de Paraty ainda conserva o charme da era colonial. Na serra fluminense, Petrópolis tem um belo museu imperial e vários outros ex-libris da época em que servia de refúgio à família imperial face ao estio carioca. Pelo Brasil, do pouco que conheço deste gigante continental, julgo imperdíveis as cidades históricas mineiras, desde logo Ouro Preto. Qualquer português que se preze (e que possa, claro) deveria viajar pelo menos uma vez até Ouro Preto. A costa da Bahia, com tantas referências a Portugal (onde as naus de Pedro Álvares Cabral pela primeira vez fundearam em terras de Vera Cruz), guarda um carinho especial pelo nosso país, com centros históricos preservados como Porto Seguro ou Trancoso, além de oferecer praias desertas lindíssimas. Mais acima, Olinda, no Pernambuco, é de cortar a respiração, e João Pessoa, na Paraíba, possui um pequeno, mas belo legado da era colonial portuguesa. Mas há ainda tanto Brasil por descobrir!
Como avalia o movimento associativo português na Suíça?
De moldes tradicionais, alicerçado em clubes ou centros repartidos pelas maiores cidades do país, geralmente localizados nas periferias urbanas. É um movimento dinâmico, com muita gente jovem, dados os fluxos recentes de emigração. A interação com as autoridades locais varia muito de região para região, mas a minha experiência foi de bom relacionamento, em alguns casos específicos atingindo níveis de excelência com participação das autoridades nos eventos da comunidade. Estes clubes desempenham um papel de muita importância para os portugueses recém-chegados, com pouco ou nenhum conhecimento das línguas locais e menos ainda da cultura dominante.
E como avalia o movimento associativo português no Rio de Janeiro?
É bem diferente. No Brasil, e no Rio de Janeiro, as instituições do associativismo já não cumprem o propósito de congregar emigrantes (há décadas atrás, quantos casamentos resultavam do convívio nos tradicionais bailes?) mas antes de perpetuar junto das novas gerações as tradições das regiões de origem de pais e avós (dando azo à fundação de dezenas de “casas regionais”, muitas das quais ainda existentes). E porque já não existe essa missão fundacional, e os portugueses-natos são cada vez em menor número, estas instituições vivem hoje um momento decisivo para a sua sobrevivência, que só poderá verificar-se mediante um rejuvenescimento das lideranças, uma união de esforços e a criação de atrativos para luso-brasileiros e brasileiros.
Como a pandemia afeta o seu trabalho no Rio?
Depois de um período dramático em 2020, em que fomos forçados a suspender o atendimento ao público por mais de quatro meses, hoje a pandemia afeta pouco o trabalho diário no Consulado-Geral. Regressou-se a uma certa normalidade, com todas as medidas de proteção que se impõem. As limitações da pandemia ainda se fazem sentir sobretudo no encontro com o associativismo, nas atividades junto das casas regionais. São muito poucos os eventos que se vêm realizando e muitos, demasiados, os amigos da comunidade que há muito tempo não revejo.
Com que nomes trabalhou na Suíça?
Na Suíça, trabalhei com quatro embaixadores diferentes (Eurico Paes, José Lameiras, João Ramos Pinto e, por breves semanas, Paulo Tiago) com os quais muito aprendi. Contei, igualmente e sobretudo, na Embaixada, com uma equipa pequena, mas coesa e profissional, que foi fundamental para uma estadia de cinco anos sem sobressaltos profissionais. Não esqueço a forma como se despediram de mim incluindo o bolo de “até já” da Margarida, misturando três das minhas paixões, praia, neve e Benfica! Todos os colegas que comigo trabalharam são hoje amigos, e vamos mantendo contacto através do inevitável Facebook. Fora da Embaixada, fiz poucas, mas boas amizades com colegas de outras Embaixadas e da Representação da União Europeia, que ainda hoje se mantêm vivas.
Qual era a sua rotina na Suíça?
Pacata, por vezes até demais (risos). De semana, trabalho usual na Embaixada. Aos fins-de-semana, por vezes participação em eventos da nossa comunidade e, consoante o clima, passeios com as crianças pelas montanhas e junto dos lagos (com direito a alguns mergulhos, nos curtos meses de verão). De férias, algumas memoráveis “escapadas” a França e Itália. Cheguei ainda a praticar snowboard nos meses de inverno, mas a prática e o nível ficaram muito aquém do desejável (mais risos).
Que mensagem deixa para os amigos e a comunidade portuguesa no Brasil?
Forte agradecimento pelos últimos quatro anos, inesquecíveis. Com sotaque de Portugal ou já do Brasil, são o orgulho do vosso país e, muito em concreto nesta Cidade Maravilhosa, uma referência de honestidade que é particularmente enaltecida. Que seja possível olhar para o futuro com uma sensação de missão comum: salvaguardar o património físico e cultural legado pelas gerações anteriores, entendendo as mudanças em curso e congregando esforços. Aos amigos cariocas, na hora da minha saída, enaltecerei o tremendo privilégio que foi viver numa das mais belas cidades do mundo, da qual levarei várias lições de vida.
E que mensagem deixa para os amigos e a comunidade portuguesa na Suíça?
Quando um diplomata deixa um posto, vira uma página da sua vida e inicia outra, mas nunca pode deixar, acredito, que a distância temporal e geográfica se traduza em esquecimento ou ingratidão. Como se usa dizer, “um homem não é uma ilha”, e ninguém chega a lado nenhum sem o apoio de outrem. Por isso, a mensagem enviada deste lado do Atlântico só pode ser de saudade mas também de sincero agradecimento a quantos me apoiaram, na minha missão de cinco anos, permitindo-me olhar para trás sem qualquer tipo de arrependimento ou remorso. Na Embaixada, são todos sem exceção, leais mesmo em momentos de particular tensão (como aquele vivido aquando da súbita paridade euro-franco suíço). Como se diz entre colegas, “não há bons postos sem boas equipas”. Este agradecimento é dirigido, também, às muitas figuras marcantes dos domínios associativo, social e empresarial – demasiadas para citar sem correr o risco de esquecer alguma – que tive o privilégio de conhecer. Que pela sua seriedade a nossa comunidade continue a elevar a nossa bandeira bem alta pela excelente reputação que dá ao seu país. E, dadas as circunstâncias desta entrevista, uma referência especial ao querido amigo Adelino de Sá, abnegado defensor da nossa cultura e fundador desta Gazeta.
Ígor Lopes