Marta Pereira da Costa descobre o mundo e faz descobrir ao mundo a beleza do som da guitarra portuguesa. Entre fado, jazz, clássicos das músicas do mundo e as suas próprias composições, a guitarrista é uma embaixadora da música portuguesa.
Muitas vezes convidadas pelas próprias embaixadas portuguesas no mundo, já percorreu o mundo nas suas viagens: Estados Unidos, América do Sul, Japão, Macau, Hong-Kong, etc.. Partilhada em geral entre Portugal e o estrangeiro longínquo, encontrámos a artista mais perto da sua terra lusitana, em Sion, no Valais, antes do seu concerto do dia 26 de julho numa formação de trio, com dois outros músicos de exceção, o brasileiro João José Pita Junior no violão de 7 cordas e Ricardo Coelho, nas percussões.
Com o seu projeto pessoal de dar voz à guitarra, num concerto instrumental, é a sua estreia aqui na Suíça. Mas já tinha vindo como guitarrista acompanhante de fadistas. O percurso profissional desta virtuosa começa com uma formação de engenheira. E a música sempre acompanhou a sua vida. Primeiro o piano e depois a guitarra portuguesa.
“Até 2012 fazia investigações como engenheira civil no Laboratório de Engenharia Sísmica e depois deixei tudo porque desde sempre sabia que o meu sonho era viver da música”.
Já tocou em vários países e lugares diferentes, qual é a importância do sítio onde está a atuar?
É importante para mim. Aliás, costumo fazer os alinhamentos dos concertos depois de perceber o espaço, que me serve também de inspiração, de enquadramento para o concerto e normalmente adapto-me ao espaço, às pessoas, a tudo o que envolve o local do espetáculo. E em Sion, vou tocar num jardim ao ar livre, vou estar conectada à natureza. Vai ser muito inspirador e interessante trazer a guitarra portuguesa para este cenário.
Neste caso a guitarra portuguesa é voz, voz que vai percorrer vários anos musicais, vamos ter um repertório tradicional de guitarra portuguesa, as minhas composições, as minhas referências e algumas experiências das músicas do mundo, por onde tenho passado, por onde quero levar a guitarra. Vai ter fado, mas vai ter muito mais.
Como pode explicar ou situar a originalidade do seu trabalho?
Começo por dizer que a guitarra portuguesa está com outro papel. Tem um papel quando está a acompanhar num quadro de fado e tem outro papel como instrumento solista. Além do repertório tradicional como Carlos Paredes, José Fontes Rocha, entre outros, vamos para outras sonoridades, outros compositores. No meu último trabalho “Sem Palavras”, há muitas composições de piano que foram transpostas para a guitarra ou outras músicas como “O homem na cidade”, cantada pelo Carlos do Carmo, onde fizemos um arranjo de guitarra, “Aranjuez”, um tema conhecido internacionalmente ou “Spain” de Chick Corea. A ideia, considerando a sonoridade única da guitarra portuguesa que se destaca em cada nota, é levar este som para outras músicas do mundo.
Fale-nos das formações nas quais já atuou.
Costumava tocar mais em quinteto a partir do lançamento do meu primeiro CD em 2016. Mas desde a pandemia foi muito mais difícil atuar numa formação de quinteto. O ano passado criei um projeto em duo, guitarra portuguesa e piano. São os instrumentos que adoro. Piano toco desde os quatro anos. Agora não toco mais, mas eu comecei com o piano. Acho que são formações diferentes e adapto-me sempre à situação, ao tipo de público. Pergunto-me sempre qual seria a formação que convém melhor a este sítio. Sinto-me muito autêntica em todos os formatos, mas onde sinto que há mais versatilidade é no quinteto, consigo criar todos os ambientes, momentos a só, ou com guitarra e piano, e com a equipa toda, com energia. Há temas que se tocam apenas com a guitarra, mas há outros em que é preciso mais suporte harmónico e rítmico. Depende do repertório. Carlos Paredes convém tocar sozinho. Com outros guitarristas mais antigos de Lisboa, como José Nuno ou Armandinho, precisamos de uma viola. Depende muito do repertório e da versatilidade que queremos. Sozinhos estamos um pouco mais limitados. São linguagens diferentes.
O seu caminho até hoje…
Atuo mais fora de Portugal. Toquei muitos anos nas casas de fado e em várias casas ao mesmo tempo. Foi uma escola muito boa que me deu muita experiência e me preparou para estas viagens. Mas são duas dedicações diferentes. Eu quis me dedicar a este caminho de levar a guitarra portuguesa para que seja conhecida pelo mundo. Tive que me focar neste caminho. Não dá para fazer tudo. As viagens são cansativas, mas estar numa casa de fado e tocar trinta fados numa noite também é.
Gosto muito de conhecer pessoas, desta experiência de troca de música e de conhecimento, de viajar e de conhecer outros países, paisagens e comidas. Eu acho que tenho muita sorte de poder fazer isso. Sinto-me também como se fosse uma embaixadora da guitarra portuguesa por levar este instrumento fora do país, por falar de música, dos guitarristas que a tocaram.
«Sem Palavras» é o seu mais recente trabalho em 2024, depois de ter convidados em 2016, as suas maiores referências como Dulce Pontes, Pedro Jóia, Camané, Rui Veloso, Tara Tiba (cantora iraniana que vive agora na Austrália).
No meu último trabalho, colaborei com o pianista Iván Melón Lewis que eu conheço já desde 2017. Os arranjos musicais foram feitos pelos dois, nos ensaios. O alinhamento estava praticamente fechado. Já havia uma pré-gravação. Este pianista é um génio, e os cubanos têm um balanço, um ritmo incrível, pelo qual me sinto muito atraída. Tenho vários amigos músicos cubanos e foi um processo muito bom. Por exemplo, o tema «Veinte Años », nem estava previsto no disco, e nós tocamos durante o break dum ensaio, foi muito espontâneo e decidimos guardar este tema na gravação. Foi a primeira vez que me senti muito confortável a gravar porque este pianista escuta, reage. Eu estava tão feliz de ter esta experiência com ele. Entreguei tudo. Juntei os dois instrumentos que são os mais importantes para mim e quis neste disco iniciar o processo inverso em relação ao meu precedente disco onde convidei as minhas maiores referências, com um grupo enorme de instrumentistas, e um quarteto de cordas. Decidi uma coisa muito simples, tentar despir de tudo, que a guitarra e o piano fossem ali crus, sem distração.
Há sempre um país onde levar a guitarra portuguesa, com o objetivo que venha a ser reconhecida como um instrumento solista, não só dentro do fado, tal como a guitarra flamenco ou o bandonéon no tango ou a viola no chorinho. A guitarra portuguesa está um pouco na sombra do fado e dos fadistas, mas tem brilho e razão de sobra para se destacar.
Clément Puippe
