CERN, a organização europeia de pesquisa nuclear, um dos maiores e mais prestigiados laboratórios científicos no mundo, alberga actualmente mais de uma centena de cientistas e investigadores portugueses que, juntamente com os restantes colegas, buscam resposta acerca dos constituintes do universo, essa imensidão que encerra muitos mistérios e desperta muitas teorias a que o CERN tenta descobrir, as partículas fundamentais. Neste mundo fascinante, estivemos à conversa com uma jovem investigadora, Beatriz Lopes, que aqui apresentamos.
Nada melhor do que seja a própria a explicar o que faz e qual as expectativas ligadas a esse trabalho.
Eu sou Beatriz Lopes, 28 anos, investigadora no CERN, numa relação de 2 anos e trabalho numa experiência com o acelerador de partículas. Sou formada em Física e fiz um Doutoramento em Física na Alemanha. Nasci em Cascais e depois mudei para Lisboa até há seis anos quando me mudei para a Alemanha.
O meu percurso académico foi feito entre Portugal e a Alemanha. Em Portugal licenciatura e Mestrado em Engenharia Física e Tecnológica, no Instituto Superior Técnico e posteriormente o doutoramento na Alemanha.
A Beatriz sempre teve esta área como vocação ou surgiu durante o percurso escolar e de vida?
Nem por isso, eu quando era criança queria ser médica, típico de alunas com boas notas e também pelos comentários na família, mais tarde no ensino secundário tive a sorte de encontrar uma professora de Física que me incentivou bastante a interessar-me por esta área e chegada à escolha de cursos, optei pelo que me trouxe até aqui, embora ainda tenha colocado Medicina em 4ª opção. Curiosamente entrei igualmente em Medicina e depois optei pela Física. Apercebi-me que, para mim, a Medicina não me oferecia desafios mais de acordo com a minha curiosidade académica, baseia-se em decorar muita matéria e não me sentia confortável, assim sendo, aqui estou.
Há um histórico familiar na área das ciências?
Não, nem por isso, os meus avós tinham o 1° ciclo do ensino básico, minha mãe é jurista e o meu pai arquitecto, ninguém ligado á ciência, nem a minha irmã. Alguns colegas do ensino secundário seguiram engenharia e os colegas de faculdade que por vezes encontro, alguns que trabalham nesta área.
E como aparece aqui no CERN?
Quando tiver de escolher a minha tese de mestrado, escolhi precisamente a Física de partículas, que é o que se faz aqui no CERN e escolhi um projeto que me permitiu vir até cá durante duas semanas, em 2018, trabalhei com um investigador português, o Pedro Silva. Adorei, ao nível da investigação de partículas este é o maior centro do mundo e fiquei fascinada. Daí fiz o meu doutoramento igualmente nesta área. Entre ao vários centros espalhados pelo mundo que trabalham em conjunto com o CERN, na análise de dados produzidos pelo acelerador de partículas, a Alemanha foi a minha escolha. De seguida o meu objectivo era vir fazer parte de um projeto aqui, que é onde se passa a maior parte da investigação que me interessa.
Para desmistificar um pouco, o CERN faz o que e quais os objectivos? O acelerador de partículas funciona ou não?
O acelerador funciona, é um túnel circular, entre a Suíça e a França, uma das tares está a 100 metros de profundidade. Dentro desse túnel há uns ímanes muito potentes que aceleram as partículas, uma parte do átomo, os protões que enviamos nesse túnel onde são traídos pelos ímanes devido à sua carga eléctrica, são acelerados até irem muito perto da velocidade da luz, uns para um lado e outros para o outro, e há um ponto em que colidem. Do choque resulta que as partículas são destruídas produzindo muita energia de onde são criadas muitas pequenas partículas, umas estáveis outras instáveis. No processo há um detector que apanha essas partículas e regista no computador sendo que fazemos isto 40 mil vezes por segundo criando uma enorme quantidade de dados que são depois analisados por nós para percebermos como foi construído o nosso universo. Em 2012 foi descoberto o Bóson de Higgs, que sabíamos existir, mas que finalmente foi vista, a sua produção é bastante rara e foi um passo muito importante para percebermos ainda melhor a criação do universo.
Que estímulo é que tem para esta grande aventura?
Nem sempre é fácil porque o que procuramos não é algo no imediato, é algo para o longo prazo. Claro que gostaria muito entusiasmada se agora encontrar algo de novo, tal como com a descoberta do Bóson de Higgs, de uma certa maneira, completámos o puzzle. Agora temos outros mistérios que tentamos entender, alguns relacionados com a o Big Bem, outros relacionados, por exemplo, com uma massa descoberta por astrofísicos que não conseguem identificar, haverá sempre um mistério a descobrir.
Será uma busca incessante?
A Física é algo de muito vasto que não haverá um fim para a descoberta e entendimento, não existe um aspecto finito, buscamos até ao limite se é que existe. Na Grécia antiga, Demócrito concebeu o átomo como uma partícula indivisível e afinal hoje sabemos que o podemos dividir, as ferramentas que vamos desenvolvendo permite-nos outras abordagens que nos levam a outros resultados. Os passos intermédios ajudam a que cheguemos a muitas descobertas, o trabalho científico é longo, há um processo de verificação exaustivo para eliminar os erros que possam ter surgido.
A Beatriz conhece a comunidade portuguesa em Genebra?
Felizmente tive a sorte de descobrir o Grupo de Escuteiros Português de Genebra o que me abriu as portas para a comunidade. Sempre fiz parte dos Escuteiros em Portugal, tive um interregno quando estive na Alemanha, e assim que tive conhecimento juntei-me a eles. Criou-me essa ligação com a comunidade, com a igreja onde constatei a grande afluência de portugueses. Muito bom para as crianças falarem em português, os escuteiros e a catequese são um excelente veículo onde a prática da língua portuguesa é muito importante, provavelmente dos únicos locais onde falam português.
Hoje, muitos emigrantes são altamente qualificados, como a Beatriz. Sente, ou sentiu, que existe a perceção de inferioridade em relação às formações académicas portuguesas?
Não creio, hoje há muita procura de técnicos especializados em várias áreas, medicina, engenharia, etc. Os cursos em Portugal são de grande valor, completos e de grande mérito. O CERN, por exemplo, tem uma parceria com IST, onde recrutam muitos engenheiros informáticos, este é só um dos exemplos porque existem outros.
Investigadora, é uma paixão.
Sim, tem de ser. Eu tinha muitas hipóteses, desde consultoria, analista financeira, e outras. Os salários até são melhores e optar por sair de Portugal, fazer um doutoramento, encontrar colocação, etc., o tempo vai passando. Agora tenho um contrato de 2 anos, quase a terminar, e não sei se continuo, pelo que ando à procura de outras soluções. A estabilidade não é muita, mesmo que se pense que o currículo de ter estado no CERN abre muitas portas, não é bem assim, a concorrência também existe e depois, lá está a paixão, quero me envolver num projeto que me interesse. O meu desejo é poder voltar a Portugal, mas com alguma estabilidade que me permita ficar e não procurar a cada 2 anos colocação noutros projetos. Obviamente que tenho de construir o meu currículo, espero que a paixão me ajude.
Portugal investe pouco na ciência?
Sim, especialmente a ciência fundamental que não tem aplicação directa e imediata. Se for algo mais “palpável” há mais investimento, na parte de alongo prazo é mais esquecida, anunciam-se projetos que nunca são desenvolvidos, não só em Portugal, mas é pena.
E o futuro a médio prazo, que projetos?
Gostava de ser professora universitária. Continuar a minha carreira de investigação, mas poder criar um grupo na universidade com os meus estudantes e ao mesmo tempo dar aulas. Podia ter a ambição de ser investigadora no CERN, mas é uma vida bastante solitária, apaixonante, é verdade, mas desejo poder sair desta bolha e transmitir conhecimento, divulgação científica.
Como se capta o interesse dos mais jovens para a ciência?
Os mais pequenos são fáceis de interessar, são muito curiosas e quando assistem a experiências ao vivo ficam fascinados e desperta, ainda mais, a natural curiosidade infantil. Acho que se perdem um bocadinho por algumas razões, o ensino da matemática e da física assustam por alguma falta de métodos de ensino, saltam barreiras e complica-se demasiado, outros porque parece que a ciência não serve para nada o que leva ao abandono.
A Beatriz é um ar fresco na comunidade portuguesa, assim como muitas outras Beatrizes que ajudam a perceber o mundo. A comunidade portuguesa estende-se por todos as áreas e é motivo de orgulho a afirmação das nossas raízes por todo o mundo.
Ilídio Morgado